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ENTREVISTA DA 2ª/ROBERTO AZEVEDO
EUA seguem na contramão da liberalização comercial
Chefe dos negociadores brasileiros para a Rodada Doha, Roberto Azevedo critica posição de países ricos e vê poucas chances de acordo sair neste ano
Leopoldo Silva/Folha Imagem
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O subsecretário para assuntos
econômicos do Itamaraty, Roberto Azevedo, que pede mais liderança de EUA e EU na Rodada Doha
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CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Responsável por chefiar os negociadores brasileiros na retomada das discussões da Rodada Doha, o subsecretário de Assuntos Econômicos e Tecnológicos do Itamaraty, ministro Roberto Azevedo, admite que as negociações são muito difíceis e podem se prorrogar até 2008. "Negociar até abril [como defendem alguns líderes] é um cenário de um otimismo de que eu não compartilho." Com as discussões paralisadas em julho do ano passado, a retomada das negociações para a liberalização do comércio mundial foi uma promessa dos líderes que participaram de reunião em Davos, ao fim do Fórum Econômico Mundial, no mês passado.
Com eleições em abril na
França, mudança na composição do Congresso americano
-que põe em risco a autorização do Executivo de negociar-
e uma profusão de desacordos,
esse trabalho não será fácil.
Para Azevedo, os Estados
Unidos estão na contramão da
liberalização do comércio
mundial e a UE (União Européia) precisa "vender" as reformas agrícolas para o público interno. Por isso, o bloco precisa de concessões em outras áreas.
Ele explica que o Brasil tem
dificuldades em fazer acordos
bilaterais com grandes mercados porque, assim como a China é a grande ameaça industrial, o Brasil é o "bicho-papão"
do agronegócio. Na entrevista
que concedeu à Folha na quinta passada, disse constatar agora uma vontade política inequívoca de concluir a rodada.
FOLHA - Ainda não foi feito um
anúncio oficial de que a Rodada Doha será retomada. Há riscos de isso
não acontecer?
ROBERTO AZEVEDO - Os riscos são
baixos. Os membros querem a
retomada. Não vejo nenhuma
perspectiva de não ser formalizada.
FOLHA - Até onde ela pode chegar
sem a autorização do Congresso
americano para o Executivo fazer
negociações, a chamada TPA (Trade
Promotion Authority)?
AZEVEDO - Não há uma vinculação explícita entre as duas coisas. Ela será retomada com ou
sem a renovação da TPA. Mas
os êxitos da conclusão dependem da renovação da TPA, ou
seja, ela está sendo retomada
com incertezas sobre o futuro
da TPA. Se a TPA for renovada,
melhoram as perspectivas de
um desfecho positivo, pois o
acordo não será emendado no
Congresso americano depois.
FOLHA - O que está atravancando a
rodada?
AZEVEDO - A aproximação das
posições. As posições em que
nós estávamos em julho de
2006 e que levaram ao impasse,
tanto em apoio doméstico como em acesso a mercados, continuam sendo a base das posições atuais nos EUA, na UE e
no G20 [grupo de países em desenvolvimento]. O que mudou
é que mais recentemente conseguimos constatar uma vontade política inequívoca de concluir a rodada. Isso ficou transparente nas declarações dos
presidentes em Davos.
FOLHA - Dá para apontar culpados?
AZEVEDO - Tenho vários candidatos, e nenhum deles somos
nós. Os grandes líderes. As
grandes economias mundiais
têm que dar o sinal de liderança
necessário.
FOLHA - O que os EUA querem?
AZEVEDO - Os EUA vêem caminhando um pouco na contramão da liberalização do comércio sobretudo agrícola, porque lá os gastos com subsídios agrícolas vêm subindo, enquanto
todos os outros estão descendo.
Estamos tentando frear e reverter essa tendência. Eles querem compensar a perda que o
agricultor americano vai sofrer
com a queda dos subsídios com
maior acesso a terceiros mercados para seus produtos agrícolas, bens industriais e serviços.
FOLHA - E a União Européia?
AZEVEDO - Os europeus fizeram
uma reforma agrícola importante antes da rodada, mas incompleta, e, no fundo, eles querem vender a reforma para o
público interno. Eles querem
ganhos em outros setores que
permitam a aprovação interna
das reformas. Ou seja, que compensem uma situação em agricultura que eles vêem como
perder ou perder. Então eles
também precisam ter ganhos
em outros setores, daí a ênfase
deles em que os EUA reduzam
também o seu apoio doméstico,
para evitar que a Europa comece a se desarmar unilateralmente.
FOLHA - E o G20? Esse grupo tem
países em desenvolvimento com diferentes perfis.
AZEVEDO - O G20 procura que
essa rodada faça jus ao nome
"Rodada de Desenvolvimento".
Quer que os países ricos parem
de distorcer o comércio agrícola. Não é justo que um agricultor de um país em desenvolvimento esteja competindo com o Tesouro de um país rico.
Quer que o protecionismo
deixe de ter barreiras intransponíveis, para que eles tenham
capacidade de acesso aos mercados. E em bens industriais e
serviços querem resultados
equilibrados. E estão dispostos
a liberalizar aí também e querem ver liberalização em muitos bens industriais nos países
ricos. A Índia, por exemplo,
quer concessões para entrar
com seus serviços em países industrializados.
FOLHA - Brasil e Índia lideram o
mesmo grupo, o G20, mas um quer
liberalizar e o outro quer proteger a
agricultura.
AZEVEDO - Há interesses distintos. A estrutura de produção
agrícola no Brasil é completamente diferente da da Índia,
que tem um sistema de pequena produção e mais de 200 milhões de agricultores. Não é algo simples de resolver, mas não
é razão de conflito, mas de
composição difícil. Assim como
os países ricos terão uma lista
de produtos sensíveis, a Índia
terá os seus, como o Brasil também terá suas sensibilidades
mais ou menos protegidas na
área de serviços e industrial.
Ninguém pede a ninguém sacrifício que coloque em risco o
bem-estar da sua população.
FOLHA - A retomada do Congresso
americano pelos democratas vai dificultar as negociações? Eles têm fama de protecionistas.
AZEVEDO - O que eles dizem é
que uma boa parte dessas discussões são suprapartidárias,
mas que respondem a lobbies
específicos dos setores e que
essa rede tende a ser mais eficiente do que as diferenças
ideológicas entre republicanos
e democratas. Acho que tem
um processo de acomodação e
isso terá impacto. Por exemplo,
os democratas tradicionalmente são mais afirmativos quanto
à necessidade da inclusão de
cláusulas trabalhistas e ambientais. É possível que eles as
incluam na TPA.
FOLHA - Quais seriam as conseqüências?
AZEVEDO - Na Rodada Multilateral, as questões relativas a
ambiente e trabalho já foram
discutidas há muito tempo. Revisar isso pressuporia que essas
cláusulas pudessem existir no
contexto multilateral. Se a TPA
for renovada com demanda de
inclusão dessas cláusulas em
Doha, será um golpe possivelmente fatal às negociações.
Mas acho que isso não vai acontecer.
FOLHA - Isso pode significar que o
Brasil, por exemplo, poderia ser
questionado na OMC por supostamente vender produtos com trabalho escravo ou que provoquem desmatamento?
AZEVEDO - Depende de como
seriam incorporadas as regras.
Mas não seria descabido pensar
que um país que não cumprisse
as regras trabalhistas venha ser
acionado no mecanismo de solução de controvérsia e pudesse
até ser retalhado.
FOLHA - A França, o país mais protecionista em agricultura, tem eleições em abril. Isso pode dificultar as
negociações?
AZEVEDO - Administrar essa situação é uma tarefa da Comissão Européia. A composição
dentro da UE nunca foi fácil em
agricultura. A França antes das
eleições e depois das eleições
continuará sendo protecionista
em agricultura.
FOLHA - O que acontece se a rodada falhar? Pode afetar a credibilidade da OMC?
AZEVEDO - Tenta-se de novo.
Uma eventual falha apenas significa que, para chegar a um
acordo, a OMC precisa passar
por mais testes e acomodar
mais interesses. Mas não vejo
risco para a existência da OMC.
Sobretudo para os países em
desenvolvimento, que não têm
excedente de poder, o cenário
internacional comercial hoje é,
sem dúvida, muito melhor do
que antes da OMC.
FOLHA - No Brasil, o setor agrícola
acusa o governo de usá-lo para proteger a indústria, que se queixa de
ser usada como moeda de troca para abrir o mercado agrícola.
AZEVEDO - Quando atribuímos
ênfase à agricultura foi porque
essa rodada só existe por causa
da agricultura. O Acordo de
Agricultura deveria ser revisto
até 2001. A UE disse que, para
isso, eles precisavam vender internamente as reformas com
ganhos em outras áreas. Por isso, a rodada foi mais ampla. Fazer uma rodada que não leva
aos resultados agrícolas não
justifica sua origem. O Brasil
não está fazendo uma opção
apenas na área agrícola nem está usando isso como escudo para a liberalização industrial.
Mas é em agricultura onde estão as maiores distorções. Os
países ricos subsidiaram pesadamente sua agricultura, protegeram com barreiras fenomenais suas fronteiras contra
importações agrícolas, e chegou a hora de isso mudar.
FOLHA - Quando a liberalização do
comércio mundial for ampla e incluir o setor de serviços, o que vai
mudar na vida do brasileiros? Vai
haver hospitais e escolas estrangeiras, por exemplo?
AZEVEDO - Serviços de interesse nacional como educação e
saúde não são negociáveis. São
áreas de responsabilidade do
Estado, que não pode perder o
controle sobre esse tipo de serviço. Mas já temos uma área de
serviços muito aberta, como o
sistema bancário e de telecomunicações, por exemplo.
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