São Paulo, domingo, 05 de março de 2000


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ELIO GASPARI
Depois de Cabral, chegou a turma do "Green Card"



O doutor Armínio Fraga andou exagerando na neocolonização do pensamento econômico nacional. O Banco Central abriu um concurso para a contratação de 300 funcionários de nível superior. Entre eles, 30 analistas de pesquisa em economia e finanças. Coisa de R$ 2.600 por mês no primeiro ano, R$ 3.500 no terceiro.
Os interessados deviam provar conhecimentos gerais, familiaridade com a língua inglesa e exibir títulos acadêmicos. Até aí tudo bem.
Na prova de títulos, à qual se deu um peso superior ao costumeiro, o BC informou que daria 25 pontos a quem tivesse diploma de pós-graduação em 37 universidades selecionadas por seus sábios. Aos demais canudos, dariam cinco pontos. As faculdades do andar de cima dividiam-se em dois grupos. Num, ficaram 38 universidades estrangeiras (33 americanas, duas inglesas, uma belga e uma espanhola).
No outro, as cinco escolas brasileiras que tiraram a nota máxima na última avaliação acadêmica feita pela Capes (FGV-Rio, PUC-Rio, UFRGS, UnB e USP). Como se vê, ficou de fora a maldita Unicamp, casa de Asmodeu, da qual nenhum professor passou pela porta giratória que pega os sábios na ekipekonômica e os deixa na banca internacional.
É possível supor que existam no mundo 38 grandes cursos de economia, mas é impossível admitir que 89% deles estejam nos EUA. A participação dos professores americanos nos prêmios Nobel de Economia, por exemplo, é de 66%. Só o ministro da Fazenda do México do romance "Cristovão Nonato", de Carlos Fuentes, seria capaz de achar que não existe um só curso de qualidade na França, Itália, Alemanha ou na América Latina. (O ministro redecorou sua casa, replicando o andar térreo da loja Bloomingdale's.)
Além da titulagem dos diplomas, o BC dava pontos para artigos publicados em revistas acadêmicas. Demarcou o andar de cima numa lista de 79 títulos (72 estrangeiros e 7 brasileiros), com cada artigo valendo 2,5 pontos. Quem tivesse textos publicados no pântano levaria apenas 0,25. Nesse caso, o predomínio americano foi a 54%. A exclusão de pelo menos três publicações denuncia discriminação política. Ficaram de fora as revistas da Unctad e da Cepal, onde FFHH conseguiu amparo para comprar o "amargo caviar do exílio". Sobrou também "El Trimestre", editado pela Fondo de Cultura, do México. Dentre as publicações brasileiras, rebarbaram a da maldita Unicamp e as de todas as universidades federais, salvo a "Revista de Economia Contemporânea", da UFRJ.
(Doutor Armínio: vigie seus anarcoglotas. Cinco revistas estão com os títulos errados. Os "Bookings Papers" não existem. O instituto chama-se Brookings.)
Ninguém aqui é bobo. Os critérios de titulagem inventados pelo Banco Central destinavam-se a favorecer os candidatos com formação acadêmica semelhante à que a ekipekonômica supõe ter. Tratou-se de triagem ideológica, feita por gente que nem história sabe. Se soubesse, lembraria que o fato de FFHH trabalhar na Cepal já foi considerado nódoa. ("Fiel súdito de Moscou", para o Centro de Informações da Aeronáutica.)
Durante a ditadura, censurava-se o pensamento alheio, mas não se impunha aos aborígenes uma corrente exclusiva de pensamento alienígena. Em cinco anos, FFHH não inibiu o pensamento de ninguém. Sua elegância diante da divergência honra o governo e ultrapassa a da oposição. Não é justo que um cérebro de dobradiça tenha feito o BC passar pelo vexame de publicar um edital que só encontra paralelo nos documentos coloniais do século 18.
No dia 21 de fevereiro, apertado pelo Conselho Federal de Economia, o BC recuou da discriminação dos diplomas. No dia 23, abatido pelo juiz da 6ª Vara Federal, deveria ter recuado da censura das publicações, mas até o final da tarde de quinta-feira não o havia feito.
Resta um problema. O primeiro recuo deu-se no dia da abertura das inscrições. O segundo, ainda não se sabe quando acontecerá. Antes da mudança das regras, um cidadão com diploma de uma universidade federal brasileira com quatro artigos publicados na revista da Unicamp, poderia sentir-se inibido, pois teria apenas seis pontos na prova de títulos. Com a mudança, tem 25, mas as inscrições fecharam-se. Nesse caso, a seleção colonial terá funcionado por dissuasão.
A menos que o doutor Armínio reabra as inscrições, a maracutaia foi parcialmente bem-sucedida.
Num país cujo presidente do Banco Central saiu da Casa de Soros e o do BNDES do Morgan Stanley é o caso de pensar se a coisa não está indo longe demais. O governo dos Estados Unidos é extremamente restritivo na concessão aos estrangeiros do direito de trabalhar em seu território. Quando o permite, lhes dá um documento chamado "green card" (cartão verde). Tem todo o direito de agir assim. O que não faz sentido é que meia dúzia de senhores que têm "green card" (y muchas cositas verdes más) restrinjam, em Pindorama, com critérios americanos, o direito dos brasileiros de disputar um emprego no Banco Central.

Coisas da vida

As relações do doutor Pedro Parente com o professor Pedro Malan continuam boas, mas já foram melhores.

Uma grande dama

Lucy Geisel morreu na manhã de sexta-feira. Foi uma das grandes primeiras-damas da história brasileira. Seu estilo foi a discrição e seu triunfo deu-se há pouco mais de um ano, quando dois colunistas sociais de Brasília não conseguiram lembrar o seu nome durante uma entrevista que davam à televisão.
Viveu por 56 anos com o capitão Ernesto Geisel, que lhe prometeu um futuro de "miséria dourada".
Acompanhou-o em silêncio enquanto esteve na vida pública, mesmo tendo horror a viagens de avião e a salões repletos. Nunca se conseguiu relacionar o seu nome a futricas do poder ou a disputas políticas. Vivia para a filha Amália e para o marido, que morreu em 1996. Carregavam juntos a dor da morte do filho do casal, colhido por um trem enquanto atravessava os trilhos de uma ferrovia, em 1957, em Quitaúna (SP).

Erro

O deputado Márcio Fortes corrige: o PFL não é o maior partido da Câmara. Tem 103 deputados (e não 105).
Até ontem o maior partido no plenário era o PSDB, com 104 deputados.

Novidades no mistério da filha de Einstein

É possível que se tenha achado o caminho que desvendará um dos maiores mistérios do século, o destino da filha de Albert Einstein.
Em 1902, aos 22 anos, Einstein teve uma filha com Mileva Maric, sua namorada e colega no Instituto Politécnico de Zurique. Eles viriam a se casar, mas da menina, chamada Lieserl, nada se soube. Só em 1986 é que se descobriu sua existência. Einstein só a mencionou numa carta, em 1903, e nunca mais falou do assunto. Em 1935, ao saber que havia uma mulher dizendo-se sua filha, contratou um detetive, sem nenhum sucesso. Soube-se apenas que a criança ficou na Sérvia, com a família da mãe.
Einstein não foi o único responsável pelo desaparecimento da criança, visto que ele e Mileva viveram juntos por mais 17 anos e tiveram outros dois filhos (um dos quais esquizofrênico). Ele a abandonou, para casar-se com uma prima.
A escritora Michele Zackheim correu atrás do mistério durante cinco anos. Revirou lembranças e livros de paróquias. Perseguiu pistas que a levavam a quatro mulheres que poderiam ter sido Lieserl (mas não eram). Não chegou a uma conclusão definitiva, mas se convenceu de que a menina nasceu com deficiências mentais e morreu aos dois anos, de escarlatina.
A pesquisa de Zackheim está no seu livro, "Einstein's Daughter: A Dark Chapter in the Early Life of Albert Einstein (A Filha de Einstein: Um Capítulo Negro na Juventude de Albert Einstein", inédito em português). Pelo noticiário que o livro provocou, percebe-se que, mesmo sendo cautelosamente inconclusiva, a descoberta esbarra na história do detetive. Se Lieserl tivesse morrido durante o matrimônio do físico com Mileva, Einstein não tinha por que procurá-la.
Zackheim trabalhou com a ajuda de uma jovem sérvia que estudava física nos Estados Unidos. Chama-se Marija Dokmanovic. Ela ajudou-a traduzindo documentos sérvios e depois foi à luta por conta própria. Chegou a uma conclusão diferente. Lieserl teria chegado à idade adulta. Por enquanto, Dokmanovic recusa-se a revelar o nome dessa mulher, pois admite que lhe faltam provas.
Essa hipótese confere com as suspeitas do professor Robert Schulmann, da Boston University e guardião do papelório de Einstein. Ele contou ao escritor Denis Brian, magnífico biógrafo do cientista ("Einstein - Uma Vida", editado no Brasil), que Lieserl sobreviveu ao pai, que morreu em 1955. É possível que Lieserl tenha vivido sem saber que era filha de Einstein.
Se Lieserl viveu o suficiente para se casar, ela poderia ser acrescentada à composição da vida de John Malatesta, um personagem de ficção, soldado americano que desembarcou em Nápoles em 1944.
John namorou uma menina pobre da cidade, passou por Florença e lá comprou uma cabeça de fauno de mármore, supostamente esculpido no tempo dos césares, obra falsificada no século 16. Seu batalhão foi para a Sérvia, onde ele conheceu uma moça de 22 anos, com quem viria a se casar.
Nesse caso, Malatesta seria um caso extremo de pessoa que passou pela vida sem perceber o que ela lhe deu.
Namorou Sofia Loren, comprou um fauno esculpido por Michelangelo e se casou com a filha de Einstein.

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música, mas adora as madrinhas das baterias. Ela concedeu uma de suas bolsas de estudo a Francisco Gros, presidente do BNDES, pelo que disse ao repórter Roberto Cosso.
Falando das eventuais negociações do banco BFC, do qual foi sócio e faliu, devendo R$ 32 milhões ao BNDES, Gros disse o seguinte:
"Qualquer tipo de negociação, de flexibilização que o BNDES poderia ter tido anteriormente à minha presidência, talvez se torne inviável com a minha presença no BNDES. Uma negociação normal, dentro de padrões normais do BNDES, sem que ninguém prestasse nenhuma atenção nisso, hoje seria absolutamente inviável. Essa negociação, qualquer que seja, vai ter que ocorrer à luz do sol, com total divulgação e sujeita a toda e qualquer crítica".
Madame acha que ele se atrapalhou ao repetir um velho enunciado do sábio americano Henry Mencken:
"Consciência é aquele medo que a gente tem de que alguém esteja olhando".

Poesia

Francisco Alvim
(61 anos. Acaba de reunir seus poemas recentes num livro, que se chamará "Elefante". O primeiro poema é inédito.)
Futebol


Tem bola em que ele não vai.

As Mãos de Deus


Morreu na explosão
me deixou sozinha
Chovia fazia sol
a gente sempre em casa
As pessoas comentavam
que vida mais gostosinha
a de vocês
Dei sim, dei tudo
mas só para ele
(hoje, por grana,
pra todos)
Não roubo, não mato


mesmo assim me pergunto
se não faço algo de
errado

Escolho


(...) Sublimes virtudes do acaso
Por que não me tomais
por dentro
e me protegeis do frio de fora
da incessante, intolerável, fuga do enredo?
da escolha?

Mula


A mãe casou cedo
tinha 19 anos
sempre dentro de casa
criando os filhos
nunca saiu na rua
Separou
agora entrou nessa,
de desespero
E agora?


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