São Paulo, domingo, 05 de março de 2006

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ELIO GASPARI

Um prêmio para os americanos ineptos

O ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, defende que os cidadãos americanos sejam dispensados de visto de entrada no Brasil. Os italianos e os franceses entram sem visto, por que os americanos precisam dele? Porque o exigem dos brasileiros. Mares Guia despreza o conceito de reciprocidade, um dos pilares do direito internacional, chamando-o de política do "olho por olho". A servidão voluntária é coisa velha. No século 19, os súditos ingleses tinham juízos especiais no Brasil. Hoje os soldados americanos gozam da prerrogativa da extraterritorialidade no Iraque e no Paraguai.
O Brasil já teve chanceler que tirou o sapato para um agente da imigração americana. Sabe-se lá qual peça de roupa Mares Guia pretende tirar. Deixando de lado a questão legal, o ministro deveria calçar as sandálias da patuléia e percorrer a trilha dos brasileiros que solicitam um visto de turista aos consulados americanos. São submetidos a uma rapina inepta e prepotente.
Aos fatos: para começo de conversa, o doutor Mares Guia deverá pagar R$ 38 para obter informações, por telefone, e marcar uma entrevista. Caso se habilite ao visto, pagará uma taxa de R$ 210, não reembolsável.
Os consulados marcam entrevistas de acordo com a planilha da própria incompetência. No Rio, a espera é de 140 dias. No Recife, de 70. Como o ministro é mineiro e os americanos fecharam seu consulado em Belo Horizonte, deverá ir a São Paulo para a entrevista. Espera de 45 dias.
No dia marcado, entrará numa fila de cerca de uma hora, na rua. No Rio são quatro horas. Uma vez admitido ao prédio, outra espera, menor.
Será atendido em pé.
Essas malfeitorias nada têm a ver com demanda, segurança e rigor. Se os serviços consulares americanos no Brasil trabalham com prazos semelhantes aos dos piores hospitais da rede do SUS, isso se deve ao desinteresse de seus titulares pela clientela que atendem. O consulado em La Paz tem espera de sete dias e, no de Havana, a demora é inferior à do Rio. Dando bois aos nomes, são cônsules americanos em Brasília, em São Paulo e no Rio de Janeiro os doutores Simon Henshaw, Christopher McMullen e Edmund Atkins.
Representam a degradação de um serviço que já teve funcionários de primeira, como Stephen Dachi, que ajudou a identificar a ossada do médico nazista Joseph Mengele.
Mares Guia deveria convidar Henshaw, McMullen e Atkins para uma sessão transparência. Explicaria porque os americanos devem ser dispensados dos vistos e o trio contaria porque os brasileiros devem ficar na fila.

O juiz do filme virou o único nazista

Pipoca para quem viu ou vai ver o filme "Uma mulher contra Hitler", a história de Sophie Scholl (23 anos) e seus amigos da universidade de Munique. Em 1943, depois da derrota alemã em Stalingrado, eles panfletaram a inutilidade da guerra perdida. Acabaram mal.
O filme dá a impressão de que, na Alemanha de 1943, o único verdadeiro nazista era o juiz Roland Freisler. Há universitários perplexos, carcereiros amáveis, oficiais hieráticos e até um meganha levemente atormentado.
Pena, mas não foi assim. Duas horas depois da cena final do filme houve uma manifestação de regozijo dos estudantes pelo desfecho do episódio. Uma assembléia aplaudiu de pé o bedel que deteve e denunciou Sophie e seu irmão. Freisler condenou 2.600 pessoas à morte. Obrigou um general a testemunhar segurando as calças.
Em fevereiro de 1945, o juiz estava em Berlim, no seu escritório, cuidando de um processo. Deu-se um ataque aéreo, o prédio foi atingido, uma viga soltou-se e acertou-o. Foi o único ferido.
Buscou-se um médico que passava pela rua e ele comprovou que nada mais havia a fazer. O juiz se acabara. Na véspera, Freisler condenara à morte o irmão do médico. (Julia Jentsch no papel de Sophie é uma das melhores caracterizações da história do cinema.)

Lula viu a uva
Em outubro passado, Lula disse em Roma, durante uma conversa com a esquerda local, que seria reeleito porque a escolha do candidato tucano seria "uma guerra". No mesmo dia, no Brasil, Delúbio Soares previu que as denúncias contra o governo seriam "esclarecidas, esquecidas e acabarão virando piada de salão".

Gripe tucana
Cenário da gripe aviária que pode dizimar os tucanos: Serra e Alckmin racham o eleitorado paulista levando parte dele a achar que Lula é preferível a um ou ao outro.
Em Minas Gerais, Aécio Neves joga para ganhar, como fez em 2002. Antes mesmo do segundo turno, ele já conversava com "nosso guia".
No Rio de Janeiro, o PSDB ainda não tem um pedaço de chão onde apoiar o pé.

El Supremo
São enormes os poderes do general Francisco Albuquerque, comandante do Exército.
Na Quarta-Feira de Cinzas, ele chegou ao aeroporto de Viracopos, em Campinas, 15 minutos antes da hora do embarque do seu vôo para Brasília. O funcionário da TAM explicou-lhe que o vôo estava fechado e lotado. Ocorrera um overbooking de feriadão. O avião já ia em direção à cabeceira da pista quando recebeu ordem da torre para retornar ao pátio. Uma escada foi levada para a porta e um casal de passageiros desceu. Subiu o general, com roupas civis, acompanhado pela mulher. Se o doutor Albuquerque descobriu o argumento supremo para reabrir vôos fechados e anular os efeitos do overbooking, deveria compartilhá-los com a patuléia. Ligou para quem?
Outra solução seria criar unidades do Exército para democratizar sua fórmula. Seriam os Grupos Especiais de Embarque Imediato.

Diplomacia marqueteira
"Nosso guia" patrocina a criação de uma sobretaxa para as viagens aéreas como forma de reduzir a fome no mundo. O aliado de Lula nessa tunga é o presidente francês Jacques Chirac. Só 13 países aderiram à idéia e os americanos recusam-se a ser taxados por governos alheios. A iniciativa é uma contribuição para o estudo da pobreza no Brasil e dos benefícios que a leviandade tributária dá a governantes interessados em fazer a escumalha de boba.
A idéia de Chirac é cobrar até US$ 5 de cada passageiro que decola de aeroportos franceses. A taxa de embarque no De Gaulle, em Paris, passará para US$ 15. Continuará abaixo da média mundial de US$ 16.
A idéia de Lula é avançar sobre o Tesouro e depois cobrar US$ 2 de cada passageiro de vôos internacionais. Com isso, a taxa de Pindorama, que já é a mais alta do mundo, passará a ser de US$ 40. (O Kennedy, em Nova York, cobra US$ 17.)
O oportunismo diplomático dos governos brasileiros não onerava a bolsa da Viúva. A diplomacia da marquetagem inova.

Mamãe eu quero
A banda do Copom, amparada em algumas tubas da banca, planeja um emparedamento do governo. Bote previsto para o início da campanha eleitoral.
A melodia será a mesma que usaram intramuros no ano passado: o governo precisa defender o Banco Central. Por quê? Os nove sábios do BC são maiores de idade, capazes de defender suas opiniões em público. Se não gostam da luz do sol, problema deles. Dois diretores do banco -Afonso Beviláqua e Rodrigo Rocha Azevedo- não têm biografia no sítio do banco na internet.


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