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JANIO DE FREITAS
Perigos do complexo
A decisão do governo Lula
de instalar agências da
Abin, a sucessora reformada do
SNI, em vários países da América Latina, além das já existentes
agências na Argentina e nos Estados Unidos, tem um sentido e
um perigo implícito que são, no
mínimo, assustadores.
O sentido é claro em si mesmo
e clareia outras linhas de ação
internacional que se vêm desenvolvendo e acelerando. O Brasil
do governo Lula está com complexo de potência. O que é uma
forma aguda de provincianismo.
Os tentáculos imaginados para a
Abin não passam de imitação
suburbana, confundida com
equiparação, da CIA.
Os "esclarecimentos" dados
agora ao Congresso pelo diretor
da Abin, Marcelo Mauro de Lima e Silva, atribuíram o plano
de "ampliar a atuação na região", com as agências que chamou de escritórios, à troca de informações sobre terrorismo, tráfico de drogas, segurança em geral e, mais esquisito, economia.
Tal troca não precisa de agências, bastando-lhe os recursos de
comunicações hoje tão avançados. Além de muitas outras
áreas do governo brasileiro, a
Abin já pratica troca sistemática
de informações sobre aqueles e
outros temas, sem para isso operar da maneira que não deve e
onde não deve.
As atividades de agências de
entidades como a Abin, no exterior, fatalmente acabam confundindo-se com ingerência em assuntos internos do país hospedeiro. Seja em que grau for, seja
ingerência efetiva ou suposta pelo país interessado, o problema
decorrente tem sempre consequências imprevisíveis. Tão
mais graves quanto se trate de
perigo levado às relações com
países do que se pretende vir a
ser a Comunidade da América
do Sul.
Há pouco mesmo, a crise no
Equador deixou um exemplo
desse perigo. Ainda que não o tenha afirmado por palavras, o
Brasil ficou contrariado com a
destituição de Lucio Gutiérrez,
que demonstrava simpatias especiais pelo governo Lula, ao
qual procurou mesmo seguir em
política econômica - razão, por
sinal, de sua queda.
Com tal posição do governo
brasileiro, que chegou ao cúmulo de acompanhar Condoleezza
Rice na cobrança de eleições
imediatas contra a permanência
do empossado vice, agentes brasileiros operando no Equador ficariam realmente alheios ao embate que houve entre oposição e
Gutiérrez? Seria uma neutralidade única na história dos serviços secretos em terras alheias sob
crise. Menos ou mais, esse serviços sempre servem à política do
governo que representam.
As agências já planejadas e citadas pelo diretor da Abin são
na Colômbia, Venezuela, Bolívia e Paraguai, enquanto são estudadas outras na Ásia e na Europa. Com Cuba, há um projeto
especial de intercâmbio dos serviços de informação, do qual se
pode esperar um tipo de problema diferente dos possíveis nos
outros países: o cunho inevitavelmente político desse intercâmbio, dada a natureza do regime cubano, é uma fonte potencial de problema com o governo
dos EUA.
Não há razão alguma, só há
perigos, na reprodução, pelo
Brasil, de práticas com que as
potências deterioraram o mundo.
Esquecimentos
Em carta ao Painel do Leitor, o
missivista Glauco Pereira dos
Santos afirma, em óbvia recusa
a uma frase aqui publicada na
véspera, que "o presidente Lula
não prometeu criar 10 milhões
de empregos. O que ele disse [...]
na posse foi que o Brasil precisava dessa quantidade de postos
de trabalho". O missivista diz
que não leu a promessa na imprensa.
Poderia ter lido, porque Lula a
fez e reiterou durante a campanha, e a imprensa a deixou registrada. Se não leu, poderia ter ouvido e visto, porque Lula a fez
durante a campanha em programas de seu horário gratuito, que
estão gravados. José Serra até o
contestou, mas nem por isso Lula abandonou a promessa na
campanha. Abandonou-a depois que conseguiu se eleger e foi
empossado.
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