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NO PLANALTO
Palocci ignora desvio 14 vezes maior que o dos Correios
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
A oposição diz que falta
articulação política ao governo. Maledicência. Os articuladores abundam ao redor de Lula.
Pode faltar miolo, mas cabeças há
de sobra. Eram duas: Aldo Rebelo
e José Dirceu. Surgiu uma terceira: "Tenho sido colaborador em
tempo integral", confessou Antonio Palocci.
Os três vivem brigando, contra-atacam os inimigos. Tolice. A verdade é que eles mal se falam. O
que os une é a afinidade ideológica. Têm raízes políticas no marxismo. Divergiram no passado.
Rebelo era maoísta; Dirceu, stalinista; Palocci, trotskista. Reencontraram-se, porém, sob os escombros das ideologias. Trocaram a cartilha do velho Karl pela
doutrina dos irmãos Marx. Tornaram-se "grouchomarxistas".
Daí a atmosfera de comédia
"nonsense" que vigora em Brasília. Em co-produção com o PC do
B de Aldo, o ex-PT de Dirceu e Palocci produz, no escurinho dos estúdios do Planalto, gags que demolem a lógica. Os articuladores
inspiram-se numa das frases geniais do cômico Groucho Marx:
"Sou um homem de princípios. Se
eles não o agradarem, tenho outros".
Um detalhe diferencia o roteiro
encenado pelo petismo dos enredos protagonizados pelos irmãos
Groucho, Chico e Harpo. Na peça
brasiliense o papel de palhaço é
reservado aos expectadores. Isso
fica especialmente claro no esquete estrelado por Palocci.
Dedicando-se "em tempo integral" à sensibilização monetária
dos deputados que enterrarão a
CPI dos Correios, o chefão da Fazenda ignora afazeres de sua pasta. Negligencia, por exemplo, o
combate à sonegação de impostos. O repórter está rouco de tanto
escrever contra os embustes escondidos atrás dos parcelamentos
tributários feitos com base no Refis e no Paes.
O Refis, o leitor bem sabe, é
aquela mamata fiscal criada sob
FHC. O Paes, ou Refis 2, é a reedição do logro, sob Lula. Criados a
pretexto de oferecer oxigênio a
empresas penduradas no fisco, os
programas lesam o erário em bilhões de reais. Os sucessivos casos
saltam dos computadores da Fazenda como grãos de pipoca em
gordura quente.
O escândalo dos Correios nasceu de uma suspeita de fraude em
licitação orçada em R$ 60 milhões. As fraudes do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil) envolvem suposta mesada mensal de
R$ 400 mil para o petebê. Abaixo
se relatará um caso de sonegação
fiscal de R$ 850 milhões. Corresponde a 14 vezes a concorrência
micada dos Correios. Daria para
bancar a gratificação do IRB ao
partido de Roberto Jefferson por
177 anos.
Deu-se o seguinte:
1) a empresa Milano Distribuidora de Veículos, sediada em São
Paulo, responde a 40 processos de
execução fiscal. Nasceram de autuações lavradas pela Receita e
pelo INSS. Referem-se a dívidas
que, inscritas em dívida ativa, são
consideradas "líquidas e certas";
2) 6 das 40 ações correm na 5ª
Vara de Execuções Fiscais de São
Paulo. É comandada pelo juiz
Celso Bedin, que vem se notabilizando por tratar sonegadores a
pão, água e lei;
3) numa das ações submetidas
ao crivo do juiz Bedin, a empresa
levou aos autos uma "falsa guia"
de recolhimento de débitos previdenciários. Outros quatro processos, distribuídos à 1ª Vara de Execuções, "desapareceram misteriosamente";
4) por ordem de Bedin, o oficial
de Justiça José Elias dos Santos
compareceu à sede da Milano,
para penhorar-lhe os bens. Em relatório datado de 16 de agosto de
2000, Santos informou ao juiz:
"Deixei de proceder a penhora,
em virtude de não haver conseguido encontrar bens suficientes
para a garantia da dívida";
5) instada a indicar bens penhoráveis, a Procuradoria da Fazenda Nacional, órgão subordinado ao "articulador" Palocci,
endereçou ao juiz Bedin, em 10 de
outubro de 2003, ofício pedindo a
"suspensão" das cobranças. Assina-o a procuradora fazendária
Maria Salete de Oliveira Sucena.
Alegou que a Milano aderira ao
Paes em 30 de maio de 2003;
6) o juiz Bedin determinou a
apresentação, em dez dias, de documentos que comprovassem a
adesão ao programa de parcelamento tributário. Cobrou também cópias das guias de "recolhimentos até então efetuados" pela
Milano;
7) em vez de exibir os comprovantes, a Procuradoria da Fazenda Nacional enviou ao juiz, em 24
de setembro de 2004, um segundo
pedido de "suspensão" dos processos de cobrança. A nova petição foi assinada pela procuradora fazendária Rosa Maria M. de
A. Cavalcanti;
8) intrigado, o juiz Bedin foi à
internet. Pesquisando no sítio do
Ministério da Fazenda, descobriu
que a Milano, de fato, aderira ao
Paes. Confessara uma dívida tributária de R$ 850 milhões. Porém
a firma pagara apenas quatro
parcelas do financiamento. O último pagamento ocorrera em em
31 de outubro de 2003. Ou seja, a
Milano tornara-se inadimplente
um anos antes da segunda petição em que a Fazenda pede a interrupção das cobranças;
9) habituado a lidar com execuções de dívidas fiscais, Bedin anotou, em despacho de 13 de abril de
2005, que a "criminosa omissão"
da Procuradoria da Fazenda, por
"rotineira", não lhe causou "nenhum espanto";
10) no mesmo despacho, o juiz
realçou um detalhe inusitado.
Manda a lei que os parcelamentos do Paes sejam feitos em, no
máximo, 15 anos. "Uma boa calculadora", escreveu Bedin, "informa que o resultado da divisão de
R$ 850 milhões por 180 meses é R$
4,7 milhões". As quatro parcelas
efetivamente pagas pela Milano
estampavam valor extraordinariamente menor: R$ 50 mil. Os
contribuintes "honestos", em dia
com o fisco, "ficam com cara de
trouxas", assinalou o juiz, antes
de enviar cópia do processo ao
Ministério Público;
11) o repórter tentou ouvir a Milano. O telefone da empresa, porém, não consta da lista. No serviço de auxílio da Cia. Telefônica,
informou-se que a firma não autoriza o fornecimento do número.
Contatado, o escritório da Procuradoria da Fazenda Nacional em
São Paulo não quis se manifestar.
Como se vê, submetida à doutrina "grouchomarxista", a República do petismo não é propriamente engraçada. É, antes, desgraçadamente tragicômica.
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