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OLHAR ESTRANGEIRO
A "brasilização" da Argentina
LUIS ESNAL
"O que eu conquistei/ não vou
jogar pra cima/ com todo o
respeito/eu não vou ser outra Argentina." O jingle de campanha
de José Serra, abortado antes de
provocar um conflito diplomático, é, sem dúvida, um caso curioso
de marketing político. O candidato de um governo que tem relações fluentes com um outro país
que considera sócio estratégico
diz que não quer ser como o seu
sócio estratégico. E o diz com musiquinha e passos de dança.
A utilização que quase todos os
candidatos desta campanha estão fazendo da crise argentina seria apenas um lance de marketing de gosto duvidoso, não fosse
pelo fato de também esconder um
discurso contraditório e falso.
Alguns meses atrás, Serra dizia
em propaganda que, "para continuar com o rumo, muitas vezes o
governo [brasileiro] teve que tomar medidas que os governos argentinos não quiseram tomar".
Serra falava da "oportuna" desvalorização do real, em contraposição à demora em desvalorizar a
moeda na Argentina. Mas, tanto
na Argentina de 2001 como no
caótico janeiro de 1999 no Brasil,
não foi o próprio mercado quem
atropelou os governos, desvalorizando o real e o peso na marra?
Lula também criticou a condução da economia argentina. O
problema, definiu, é que Fernando de la Rúa "se subordinou às diretrizes do FMI". Não foram essas
diretrizes que Lula aceitou há
duas semanas para receber o dinheiro do Fundo, caso seja eleito?
Ciro Gomes também incorporou o papel de rebelde em território alheio. Disse que a Argentina
"foi induzida e coagida a cumprir
todo o receituário neoliberal do
Consenso de Washington". Mas
não é esse o receituário que seu
novo guru econômico, o "Chicago
boy" José Alexandre Scheinkman,
sempre assinou embaixo?
Soa tragicamente engraçado escutar candidatos dizendo que "o
Brasil pode virar uma Argentina". O que acontece é o contrário:
é a Argentina que se transforma
em Brasil. Era a Argentina o país
que tinha classe média expressiva
e que a está perdendo. Se a crise
não regredir, talvez a Argentina
vire um Brasil por completo em
alguns anos, com desigualdade de
renda comparável à brasileira.
Por ora, no pior dos infernos, a
Argentina está longe desse índice.
Anos atrás, quem ia para as
Províncias do norte, como Salta
ou Jujuy, encontrava tradição na
área rural e um povo urbano que,
embora dependente do Estado,
vivia com dignidade. Agora, onde
havia classe média, há pobreza e
desemprego; onde havia sobrevivência, há miséria absoluta. Como em boa parte do interior brasileiro e na periferia de São Paulo.
A brutalidade da crise argentina pode se explicar pelo impacto
social. A Argentina levou só quatro anos de recessão para virar o
que Brasil foi por 500 anos. Conseguiu-o em agosto: com 5 milhões de novos pobres, o número
de pessoas que vivem abaixo da
linha de pobreza chegou a 19 milhões e agora tem uma proporção
que não destoa dos 53 milhões de
brasileiros na mesma situação.
Mas o quadro ainda é diferente,
por exemplo, no quesito segurança. Enquanto na grande Buenos
Aires houve 200 sequestros relâmpagos no primeiro semestre, na
Grande São Paulo acontecem entre 6.000 e 8.000 por ano.
Em resposta aos candidatos
brasileiros, que parecem esquecer
os números em suas afirmações,
os candidatos argentinos às eleições de 2003 poderiam levantar a
mesma consigna: "Para que a Argentina não acabe virando o Brasil, vote...". Seria a chance para
novo intercâmbio no Mercosul:
troca de maus exemplos para uso
no marketing político.
LUIS ESNAL, correspondente no Brasil
do jornal argentino "La Nación", escreve
mensalmente nesta seção, às quintas
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