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JANIO DE FREITAS
A pequena ditadura
O Legislativo concentra todo seu esforço em renegar a atribuição que lhe dá nome; quem legisla é o Executivo
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O NOME JÁ diz tudo: "esforço
concentrado". O esforço que
os deputados precisam fazer
para ir à Câmara. Não por todo o
mês, Deus os livre, mas só por três
dias -ontem, hoje e amanhã-, daí o
"concentrado". E "concentrado"
ainda pelo bolo de matérias que lhes
cabe votar. Com nova dose de esforço e de maneira não muito diferente
de quem se livra de um monte de papéis sem interesse. No caso, só de
iniciativa do governo, cinco projetos
com pedido de urgência e 20 medidas provisórias. Lá no final da fila, a
proposta de extinção do voto secreto dos parlamentares, ao qual está
atribuída a dificuldade de aprovação
de cassações de mandatos.
Para chegar à votação dessa proposta, as anteriores da fila precisam
estar resolvidas. É claro que não haveria tempo de votá-las, pelo processo normal, em três dias (e até ontem
com o número de presenças incerto). O presidente da Câmara, Aldo
Rebelo, encaminhou a sugestão, não
inovadora, mas muito significativa.
Pediu ao presidente da República a
retirada dos projetos governamentais e, aos líderes partidários, um
acordo para votar as medidas provisórias em um único bloco. Vinte medidas provisórias em uma só tacada:
um pacotaço. Para que o hábito não
se perca.
Nas votações de projetos um a um,
é notório que grande parte dos deputados vota sem ao menos saber o
que é o projeto. Segue o líder ou a
onda. No pacotaço, várias medidas
provisórias ficam destinadas à mesma consideração. E entre elas há liberações de verbas cuja soma está
bem para lá de bilionária. Mas tudo
isso faz parte da vida parlamentar
cada vez mais dissoluta.
Se, porém, a votação em bloco de
matérias tão díspares já é, por si só,
um procedimento antiparlamentar
e antidemocrático, ainda mais grave
é essa evidência que o pacotaço torna mais eloqüente: a quantidade de
medidas provisórias que jorram da
Presidência da República.
Desrespeitosas da Constituição
não só como método mas também
pela violação dos requisitos para justificá-las. O que há, por exemplo, da
combinação de "relevância e urgência", exigida pela Constituição para
as medidas provisórias, na autorização para que centrais sindicais sejam reconhecidas como representantes oficiais dos trabalhadores em
entidades e setores públicos? Medidas provisórias com tal relevância e
urgência são comuns.
O Legislativo não abandonou só
os valores éticos e culturais que lhe
seriam próprios, e um dia foram.
Concentra todo o seu esforço em renegar a atribuição primordial que
lhe dá nome. Quem legisla é o Executivo, é a Presidência da República.
A deformação não é nova, mas nem
por isso é menos aberrante: o regime do Brasil é uma ditadura parcial,
sem horizontes ilimitados e sem sujeições autoritárias, mas, como condução administrativa e ordenação
legislativa, uma forma ditatorial. A
pequena ditadura da medida provisória.
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