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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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CIDADÃ REVISTA

Especialistas se dividem entre a real aplicação da Carta e a revisão completa do texto constitucional

Antigas polêmicas ainda envolvem a Constituição de 88

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Passados 15 anos, a Constituição segue hoje marcada pela mesma polêmica em que foi gerada. Anacrônica e poluída por minúcias, dizem alguns que defendem a substituição completa do texto aprovado em 1988. Perfeita na teoria, mas desprezada pelos governantes, afirmam os que apontam como caminho a educação política da sociedade.
Quatro especialistas ouvidos pela Folha concordam em um único ponto: a Constituição foi o estopim da mais ampla discussão sobre temas sociais. Definiu garantias e deveres individuais, deu sentido à expressão "democracia de massas" e estabeleceu irrestrita liberdade de expressão.
Na prática, no entanto, diz Fábio Konder Comparato, especialista em direito constitucional, a democracia social não foi minimamente realizada e o direito universal à saúde e à assistência social permanecem no papel.
Para Comparato, a culpa não é da Carta, mas de uma sociedade fraca. "Não precisa mudar o texto. Precisa educar politicamente a população e dar ao poder público força suficiente para lutar contra a elite dominante da globalização capitalista. Para garantir o cumprimento da Constituição, a soberania deve estar com o povo."
Na época consultor-geral da República, o advogado e ex-ministro da Justiça Saulo Ramos diz que a ampla lista de direitos individuais de 1988 deu a diretriz para novas leis de cunho social. "Mas o texto precisa ser revisto. A Constituição nasceu de costas para o futuro."
Um "equívoco lamentável", segundo Ramos, foi provocado pelo próprio contexto político da época, marcada ainda pelo trauma das prisões de militantes políticos. "Nas garantias individuais, por exemplo, há uma preocupação maior com o direito dos presos do que com o direito das vítimas."
Mais radical, o tributarista Ives Gandra Martins chama o texto de "monstrengo" e defende uma substituição da Constituição. Para ele, o enunciado das garantias individuais é positivo, mas o texto está poluído de interesses isolados. "Todos os políticos quiseram participar. Incluíram absurdos, como o artigo 242, que determina que o colégio Pedro 2º, no Rio, seja mantido na esfera federal. Isso nunca deveria entrar num texto constitucional."
Para Gandra Martins, o resultado foi um texto pormenorizado e em constante conflito com o mundo atual. "A Constituição transforma tudo em inconstitucional", diz o advogado, que defende a elaboração de um novo texto, mas que nasça das mãos de especialistas.
"Na época, foram criadas 24 subcomissões, que trabalhavam de forma independente. Quando juntou tudo, [a Constituição] virou um monstrengo", disse.
Para o economista e especialista em contas públicas Raul Velloso, pelo menos três áreas que "engessam" o Orçamento da União deveriam ser revistas.
A primeira e mais polêmica se refere à determinação constitucional de ampliar a destinação de parte da receita da União para a cobertura de programas de assistência social -de 5% para 20% da receita. "Será que são beneficiadas as pessoas certas? E, numa época de crise social, é adequado engessar o Orçamento? Eu acho que não", diz Velloso.
Para ele, precisam de revisão outros dois pontos: a criação de regime especial do funcionalismo e a descentralização de recursos da União para Estados e municípios. "Não é à toa que a gente vive de reforma em reforma."


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