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Seria mais difícil governar se PT tivesse feito Carta, diz Lula
Partido não aceitou a falta de regulamentação dos direitos sociais, afirma presidente
Petista defende as reformas política e tributária, mas diz que elas não são urgentes e que país é perfeitamente governável com Carta atual
FERNANDA ODILLA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Vinte anos depois de votar
contra o texto final da Constituição, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva critica as "soluções mágicas" propostas pelo
PT em 1988. "O PT chegou ao
Congresso com uma proposta
de Constituição pronta e acabada [com] que, se fosse aprovada, certamente seria muito
mais difícil governar do que hoje", disse Lula à Folha, em entrevista por e-mail.
Lula não vê urgência em fazer mais alterações na Carta
Magna, mesmo tendo encaminhado neste ano duas propostas de reforma -política e tributária- ao Congresso: "Não
acho que haja necessidade de
reformas emergenciais".
FOLHA - Em 1987, chegaram ao
Congresso mais de 72 mil formulários com sugestões da população
para a nova Constituição. O sr. se recorda de algum desses textos?
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA - Acredito que fizemos uma Constituição extremamente avançada. É
bem possível que a principal razão disso tenha sido a participação popular, como jamais
houve na história deste país. Eu
lembro das milhares de pessoas
que circulavam dentro da Câmara e do Congresso Nacional,
fazendo reuniões com todos os
líderes, entregando cartas e
propostas, fazendo pressão.
Conseguimos retratar na
Constituição um pouco da cara
do que a sociedade pensava naquele momento, sobretudo a
sociedade organizada. Acho
que isso foi extremamente importante para o país, porque ela
está hoje balizando e garantindo que a gente tenha o maior
período de democracia contínua no Brasil.
FOLHA - Há alguma proposta que
surgiu ao longo da Constituinte e
que ainda pretende implementar no
governo? O fato de alguns dos pleitos serem muito semelhantes aos
de hoje é sinal de que nem tudo mudou da forma como o povo gostaria?
LULA - Nós colocamos na
Constituição uma série de
princípios e compromissos para a sociedade brasileira alcançar e, nestes 20 anos, já evoluímos bastante na direção de
concretizá-los, sobretudo na
economia e nos direitos sociais.
Avançamos bastante como
país, mas ainda precisamos
avançar mais. No entanto, isso
não depende de um decreto ou
de uma lei, e sim das possibilidades de o país ter condições de
cumprir a Constituição totalmente. Mas eu penso que tudo
que nós alcançamos até agora
foi fruto da participação da sociedade naquela Constituinte.
FOLHA - A Constituição faz 20 anos
com uma trégua nas tentativas de
reformas profundas do texto da Carta Magna (neste ano ainda não se
aprovou nenhuma PEC). Essa trégua
coincide com o melhor período econômico desde a promulgação da
Carta. O que isso significa? O país é
governável com essa Constituição?
LULA - Claro que é governável.
Talvez haja uma ou outra dificuldade em algum momento.
Algo que gostaria que avançasse mais rapidamente fica embaraçado por ausência ou rigidez da legislação e excesso de
zelo das instituições fiscalizadoras. Mas isso faz parte da democracia. Essa é a grandeza da
democracia brasileira: é tudo
mais demorado, mas quando as
coisas acontecem, acontecem
de verdade. Por isso é que acho
que não tem que temer as dificuldades que a gente enfrenta.
FOLHA - As reformas, como a política e tributária (que estão no Congresso Nacional), podem ser consideradas emergenciais?
LULA - Não acho que haja necessidade de reformas emergenciais. Mas penso que seria
muito importante para o país
termos um sistema político que
fortaleça as organizações políticas e diminua a influência do
poder econômico. Precisamos
ter financiamento público de
campanhas, fidelidade partidária e partidos fortes.
Da mesma forma, é necessário melhorar o sistema tributário, dar a ele um pouco mais de
racionalidade e de simplificação. Por isso, tentamos reformá-lo em 2003 e agora estamos
tentando de novo, com o projeto enviado ao Congresso em fevereiro. O governo vai se esforçar para que essas reformas
possam ocorrer. Não porque
sejam emergenciais, mas porque são importantes para o país
avançar.
FOLHA - Eram 16 os congressistas
do PT participando da Constituinte.
Gostaria de uma avaliação do sr. sobre o desempenho do PT na Assembléia Nacional Constituinte.
LULA - O PT chegou ao Congresso com uma proposta de
Constituição pronta e acabada
[com] que, se fosse aprovada,
certamente seria muito mais
difícil governar do que hoje.
Como um partido de oposição
que nunca havia chegado ao poder, tínhamos soluções mágicas para todas as mazelas do
país. Talvez não nos déssemos
conta de que, num prazo tão
curto de tempo, poderíamos
chegar ao governo. E aí teríamos a responsabilidade de colocar em prática tudo o que
propúnhamos.
FOLHA - Quais embates memoráveis o PT ganhou? E onde o partido
errou?
LULA - Foram muitos os embates memoráveis. Mas é bom
lembrar que o PT só tinha 16
deputados entre mais de 500
constituintes. Cada artigo progressista tinha de ser muito negociado com os partidos de
centro-esquerda e depois com
o Centrão. Não considero que o
PT tenha errado. Nós defendemos o que precisávamos defender. O que nossas bases queriam que defendêssemos.
Talvez o grande erro, não do
PT, mas da Constituinte como
um todo, tenha sido aprovarmos uma Constituição mais
adaptada a um regime parlamentarista. Lembro que, na
época, nós, da direção do PT,
éramos parlamentaristas.
Quando teve o plebiscito, fomos para a disputa e a base nos
derrotou.
FOLHA - Votar contra o texto final
foi uma decisão acertada?
LULA - O PT votou contra o texto final da Constituição porque
não concordava com a regulamentação posterior de uma série de direitos sociais que estavam sendo garantidos. Tínhamos convicção de que o que ficasse para ser regulamentado
depois teria muita dificuldade
para ser implementado. Como
de fato ocorreu.
Mas, ao contrário do que alguns dizem por aí, nós assinamos a Constituição. Eu era o líder da bancada e lembrei que
trabalhamos três anos, participamos dos debates, ganhamos
algumas batalhas, perdemos
outras. Tínhamos de deixar o
nosso nome na história e assinar.
FOLHA - Como o sr. classifica a própria performance durante os trabalhos da Constituinte?
LULA - Não acho apropriado
avaliar minha performance.
Procurei ser um líder democrático, discutindo todas as propostas com a sociedade e encaminhando o que fosse desejo da
maioria da nossa bancada.
Foi um momento grandioso
para o Brasil. Graças a Deus eu
participei dele e por isso sou
muito agradecido.
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