São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

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QUESTÃO MILITAR

Após convocação "irrecusável", Alencar terá o objetivo de buscar um entendimento com as Forças Armadas

Viegas sai magoado com Lula; autoridade do vice definiu troca

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A escolha do vice-presidente José Alencar para ministro da Defesa foi justificada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como forma de nomear uma pessoa com "autoridade inquestionável" para comandar as Forças Armadas. Segundo um interlocutor do presidente, ao mesmo tempo em que prestigia os militares, colocando o vice na Defesa, Lula diz que não quer que ocorram novas tentativas de "atropelar" o ministro, como aconteceu com José Viegas. Viegas deixa o governo irritado com o Exército e magoado com o presidente Lula.
Convidado em conversa na última terça-feira, Alencar terá como missão, além de acalmar as Forças Armadas após a crise provocada pela nota do Exército defendendo o golpe militar de 1964, negociar a abertura de arquivos da ditadura.
A disposição do vice é buscar um entendimento com os três comandantes, mas comentou com interlocutores que não tem perfil para ser "Quintão nem Viegas", se referindo a dois antecessores.
Geraldo Quintão, nomeado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foi colocado no posto para fazer figuração. Já Viegas, que tentou se impor, foi queimado pelos militares. Alencar aceitou porque Lula lhe fez uma "convocação irrecusável".
O vice contou a interlocutores que não tinha como recusar, mas no início do governo viu problemas em assumir um ministério. "Imaginem o presidente sendo obrigado a demitir o vice", disse a amigos na ocasião, quando foi cotado para assumir o Ministério do Desenvolvimento ou da Defesa.
No meio militar, a avaliação é que o vice não ficará em definitivo na pasta. Será nomeado como titular, mas deverá permanecer até que conclua a missão que o presidente lhe delegou. Essa possibilidade é negada pelo governo, mas foi ouvida pela Folha inclusive dentro do Palácio do Planalto.
Conservador e de temperamento "mandão", Alencar é tido por Lula como alguém capaz de dialogar, mas também de se impor aos militares. Pesou favoravelmente à sua escolha o bom relacionamento que mantém com o comandante do Exército, Francisco Albuquerque, pivô da crise que derrubou Viegas. As mulheres de Alencar e Albuquerque são amigas.

Viegas contra Exército
Viegas defendia a demissão do comandante do Exército. Sua principal queixa era a de que o general não obedecia a suas ordens e tinha linha direta com a Presidência por meio do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) e do ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo). Assessores do ministro demissionário comentam que em nenhum momento Viegas acreditou na versão de Albuquerque -a de que ele não conhecia o teor da nota divulgada.
A nota foi publicada pela imprensa no dia 17 de outubro em resposta a uma reportagem do jornal "Correio Braziliense" que trazia fotos de um homem nu, identificado como sendo o jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975 sob custódia do Exército.
Dois dias depois, o Exército foi obrigado a se retratar. Viegas queria mais: a demissão de Albuquerque ou, pelo menos, a punição dos autores da primeira nota.
Não houve punições e Viegas não conseguiu o que desejava. Apesar de preservá-lo na nota que divulgou ontem, Viegas ficou magoado com o comportamento de Lula. Em sua avaliação, faltou vontade política para enfrentar Albuquerque. Já Lula considera que o ministro não conseguia controlar seus subordinados.
Ao sentir que o general tinha mais força do que ele, o ministro da Defesa decidiu então sair. Ele tinha a opção de aguardar a reforma ministerial, quando trocaria a pasta por uma embaixada na Europa. Mas encaminhou sua carta de demissão no dia 22 para ter a oportunidade de manifestar já a sua contrariedade. Aceitou, porém, pedido de Lula para esperar o fim das eleições municipais, quando ele buscaria um nome.
Lula não tem a intenção de afastar Albuquerque. O próprio comandante, porém, já teria manifestado seu desejo de deixar o cargo no próximo ano para assumir uma posição militar na ONU.


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