São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Discussão sobre salários gerou atritos na pasta

ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Os atritos entre o ministro José Viegas (Defesa) e os comandantes das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) ganharam destaque em abril deste ano, com a discussão do reajuste salarial dos militares.
Na Defesa, porém, o início das discordâncias remonta ao primeiro semestre de 2003, quando a pasta contratou a FGV (Fundação Getúlio Vargas) para elaborar um projeto de "reengenharia de gestão das Forças Armadas". Hoje, ainda em fase de estudo, o projeto visa retirar dos comandos os processos de licitação para a compra de alimentos e uniformes.
À época, a atitude da pasta foi vista pelos militares como afronta às Forças Armadas, principalmente pelo fato de a coordenação do projeto estar sob a responsabilidade de Antônio Bogado, homem de confiança de Viegas. Assessores próximos a Viegas dizem que a presença de um civil no "comando" dos militares trouxe carga óbvia e natural de resistências.
Inegável, porém, foi a discussão salarial como o principal ponto de atrito entre os lados. Tudo começou quando mulheres de militares fizeram uma manifestação em cerimônia de troca da bandeira, na praça dos Três Poderes. Enfraquecido na ocasião, Viegas era visto pelos comandos como incapaz de negociar um reajuste digno com o Palácio do Planalto.
A provocação dos militares veio, em seguida, por meio de uma nota oficial da Aeronáutica. Assinado por seu comandante, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, o texto dizia que a defasagem salarial nas Forças acarretava uma "possibilidade real de florescer insatisfações sociais".
Foi aí que Viegas reagiu, enviando aos comandantes um ofício no qual os desautorizava a qualquer tipo de manifestação sobre os soldos dos militares. Como único interlocutor com o Planalto, ganhou sustentação no cargo e colocou, em julho, um ponto final nos rumores de sua demissão ao conseguir um reajuste linear de 10% a partir de setembro.
Um novo capítulo sobre o reajuste, desta vez com um novo ministro à frente das negociações, deve começar em 2005, pois a proposta dos militares era de 10% em 2004 e 23% (mais inflação) no primeiro trimestre de 2005.
A efervescência dos atritos veio no mês passado, quando o Exército foi obrigado a se retratar publicamente em relação a uma nota à imprensa na qual defendeu as ações de repressão da ditadura militar (1964-1985).
Feita sob pressão de Viegas e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a retratação do general Francisco Roberto Albuquerque causou uma onda de descontentamento nas Forças Armadas.
Para alguns, o Exército deveria ter mantido a primeira nota sob a tese de que as ações repressivas na ditadura foram absolutamente necessárias para conter suposta onda revolucionária esquerdista.
Já outra corrente entre os militares da reserva critica diretamente o general Albuquerque, na linha de que ele, na condição de comandante da Força, deveria ter assumido toda a responsabilidade pelo teor da primeira nota, e não ter jogado explicitamente a culpa no Centro de Comunicação Social do Exército. (EDUARDO SCOLESE)


Texto Anterior: Questão militar: Arquivos do regime serão problema para vice
Próximo Texto: Questão militar: Queda expõe falha institucional, diz analista
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.