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QUESTÃO MILITAR
Especialista na relação entre militares e civis, Zaverucha diz que Viegas não quis papel de "rainha da Inglaterra"
Queda expõe falha institucional, diz analista
FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO
A renúncia de José Viegas revela
um problema institucional do Ministério da Defesa, que já nasceu
fraco, com a figura do "ministro
rainha da Inglaterra", "despachante dos militares".
A análise é do cientista político
Jorge Zaverucha, 48, professor da
Universidade Federal de Pernambuco. Autor de "Frágil Democracia: Collor, Itamar, FHC e os Militares (1990-1998)", ele diz que a
pasta foi criada para que o Brasil
pleiteasse posto no Conselho de
Segurança da ONU, e não para
"estabelecer controle civil sobre
os militares". "Viegas começou a
cair antes de assumir", diz ele.
Folha - Como o sr. avalia a saída
de Viegas da Defesa?
Jorge Zaverucha - Voltemos à
criação do ministério. A criação
por FHC não foi um passo para
estabelecer um controle civil sobre os militares. Foi criado para
favorecer a candidatura do Brasil
no Conselho de Segurança da
ONU, porque era incompatível
reunir os ministros da Defesa dos
países e o Brasil ser representado
por generais. O primeiro relator
do projeto, Benito Gama, disse à
época que, do jeito que estava no
projeto, o ministro da Defesa seria
uma "rainha da Inglaterra". O ministério já nasceu fragilizado, para
ser despachante dos interesses
dos militares. Toda vez que assumir um ministro que não queira
se comportar assim, vai sair. Com
Viegas, foi mais dramático: ele começou a cair antes de assumir.
Lula escolheu primeiro os comandantes militares e indagou se
aceitavam Viegas. Subverteu a
hierarquia. Era como se Viegas
fosse refém. Quando houver um
choque entre Viegas e o comandante do Exército vai prevalecer
quem? Isso é um problema institucional, muito mais que pessoal.
Vai ver ele [Viegas] não quis esse
papel de rainha da Inglaterra.
Quem não quiser ser rainha da Inglaterra vai entrar em choque. Por
outro lado, sem choque, não
avança a democracia.
Folha - Na renúncia, Viegas critica o Exército ao defender que os escritores das primeira nota sobre o
caso Herzog "saiam de cena". Qual o
tamanho desse setor no Exército?
Zaverucha - Vejamos o processo
de transição brasileira. Na transição, os militares se sentiram fiadores da Nova República. Disseram: "Vamos admitir uma democracia eleitoral desde que vocês
não interfiram em domínios reservados nossos: a Polícia Militar,
a Justiça Militar, tudo vai continuar do jeito que a gente quer, os
arquivos da repressão não serão
abertos". Isso são os termos do
pacto de transição. Essa área é
nossa e aqui a democracia não entra. Os termos desse pacto estão
entranhados na Constituição. Se o
Viegas só descobriu isso agora...
Esses [defensores da nota de
Herzog] não deveriam estar fora
de cena agora, deveriam estar há
muito tempo. A mídia e parte da
academia passam a visão, ao meu
ver equivocada, de que a democracia no Brasil está consolidada.
É uma democracia frágil. Tão frágil que o presidente não tem autoridade para mandar abrir os arquivos [da repressão].
Folha - O governo cogitou rever o
decreto de FHC sobre sigilo, abrir
arquivos. Esse pacto com os militares está sendo revisado?
Zaverucha - Não. A prova é essa:
quem está saindo é o ministro, e
não o comandante do Exército.
Viegas dizia que os documentos
do Araguaia foram incinerados. A
primeira nota [do caso Herzog]
diz que todos os documentos foram incinerados. A segunda nota
não toca no tema. Essa segunda,
que a imprensa erroneamente viu
como retratação, não mudou os
aspectos básicos, só o tom. Esse
ponto dos arquivos é básico: "Nós
vamos decidir sobre isso, não é o
presidente, não é o Congresso,
não é o ministro". O que pode
acontecer [sobre a abertura dos
arquivos] é o governo, para tentar
não ficar mal com a sociedade,
mostrar a ponta do iceberg. Se tudo foi incinerado, o que existe para ser aberto? Se vier a ser aberto,
vão ser coisas irrelevantes.
Folha - A nomeação do vice-presidente para o cargo é sinal de prestígio para os militares?
Zaverucha - Exatamente. O grau
de insatisfação das Forças Armadas é tão alto que para aplacar a
fera Lula quis sinalizar aos quartéis. Nomeou alguém de muita influência, para a hora em que eles
quiserem aumento salarial. Alguém que tem canal direto com o
presidente, e que é, eventualmente, o próprio presidente.
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