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ESQUERDA NO DIVÃ
Filósofa afirma que crise do governo é "encomendada"
Mídia é pior que a Inquisição, diz Marilena Chaui
RICARDO MELO
DA REPORTAGEM LOCAL
A filósofa Marilena Chaui, 63,
não tem dúvidas: a crise que corrói o governo Lula é encomendada e teve como gatilho o trabalho
de um jornalista especializado em
vender dossiês. Tudo isso amplificado pela ação da mídia, que chega a ser pior do que a Santa Inquisição [antigo tribunal da igreja
que investigava e punia crimes
contra a fé católica].
Uma das fundadoras do PT e
personalidade do mundo acadêmico, Chaui expôs sua visão ontem em debate realizado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC,
em São Bernardo do Campo (SP).
Para sustentar seu raciocínio,
Chaui se baseia em artigo publicado pela jornalista Marina Amaral
na revista-jornal "Caros Amigos",
edição especial de setembro. A reportagem fala de um jornalista
que ganha a vida atualmente dissolvendo ou criando crises, um
gerenciador de crises, no jargão
do mercado. "É apavorante, porque eu sabia que a crise era encomendada, eu sabia que tinha sido
uma operação de produção da
crise, isso todos nós sabemos",
disse Chaui para os cerca de 200
metalúrgicos presentes ao evento.
"Mas eu não pensei que fosse
dessa maneira. Digamos que eu
pensei que fosse mais sofisticado,
mais político. Mas não: o cara
vendeu para alguns políticos os
dossiês que ele tinha acumulado,
alguns verdadeiros, outros ele recheou segundo a fantasia dele, para derrubar o Lula, porque ele não
gostou do Lula."
A versão conspiratória recebeu
aplausos da platéia, que na verdade compareceu ao sindicato não
exatamente para ver uma palestra
sobre "Ética na Política", como
constava da faixa colocada à frente da mesa. O jornal do sindicato,
distribuído logo na entrada, já dava o tom do que deveria ser o debate, ao pôr em manchete: "Filósofa responde por que a direita
quer criar, a imprensa alimenta e
você deve entender a crise".
Escalada como alvo, a imprensa, ou a mídia, não foi poupada
por Chaui. Ao responder a pergunta de um metalúrgico sobre o
poder da mídia em comparação
com o poder da Igreja Católica
nos tempos inquisitoriais, a filósofa afirmou que a ação dos meios
de comunicação é mais nefasta.
Para Chaui, a mídia só age com
alguma isenção quando os donos
dos meios de comunicação se
sentem ameaçados por algum governo ou ordem política. Ou
quando os interesses econômicos
desses mesmos donos podem ser
beneficiados por uma mudança
de governo. Fora isso, "a ação deles é pior do que a Igreja Católica",
pensa Chaui. Na visão dela, o poder da Inquisição era pelo menos
mais transparente. "A Igreja católica operava pela produção visível, direta e clara do medo", afirmou. "Já a mídia opera não só por
meio da destruição de instituições
e da destruição de pessoas. Ela
opera pela acusação sem provas."
Entre exposição e debate, o
evento durou duas horas. Antes
da sessão de perguntas, Chaui falou uma hora sobre o conceito de
ética e repetiu idéias sobre a necessidade de uma reforma política, já expostas em artigo publicado quando da eclosão do "affair"
Waldomiro Diniz.
No final do evento, a reportagem da Folha tentou dirigir algumas perguntas a Chaui sobre os
desdobramentos da crise do governo Lula. Sem sucesso. Quando
percebeu a aproximação do repórter da Folha e de um jornalista
do Estado de S. Paulo, a filósofa
preferiu interromper uma entrevista para o jornal do sindicato.
"Não é nada pessoal, mas não falo", desculpou-se.
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