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JANIO DE FREITAS
À espera do estouro
O trabalho fora dos padrões
humanos não se ocupava da
migração de andorinhas, mas
da vida de muitas pessoas
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A BAGUNÇA dos vôos de passageiros reflete muito mais do
que jornais, rádios e TV relataram. É mais uma notícia do caos
encoberto que existe em inúmeros
setores da administração pública,
cada qual à espera do seu dia de eclosão, enquanto todos se alastram por
outros setores.
O apagão no governo passado e a
crise do setor oficial de saúde no Rio,
para ficarmos nos casos mais lembrados nestes dias, foram outras
eclosões da precariedade administrativa. Apesar de sua gravidade econômica e social, não escaparam à
tradição das explicações malandramente simplistas, para que responsabilidades, causas e soluções sejam
logo esquecidas. As causas nunca
são únicas, nem as mesmas nos focos caóticos da administração pública federal, estadual e municipal. Escassez de recursos, retenção de recursos orçamentários para desagravar as contas, falta de pessoal e incompetência/irresponsabilidade
nos degraus crescentes da hierarquia funcional são, além de outros
menos expostos, ingredientes que
variam suas dosagens a cada caso,
mas se combinam em quase todos.
O caos dos vôos pareceria impossível. Em um só dia, a véspera do feriado, informações sobre cerca de
700 deles com horários loucamente
descontrolados (em Cumbica-SP,
atrasos de mais de 20 horas; em Brasília, perto disso), além de cancelamentos sem conta e sem aviso, não
podem ocorrer só porque dois ou
meia dúzia de controladores de vôo
foram afastados, para investigação
do choque aéreo na Amazônia -como alegaram os comandos da FAB.
Se aumentar a carga horária dos
controladores e contratar 60 interinos fará a volta progressiva à "normalidade", então havia carga horária excessiva -como controladores
informaram e os comandos da FAB
negaram.
O trabalho fora dos padrões humanos e técnicos não se ocupava da
migração de andorinhas, mas da vida de milhares de pessoas a cada dia,
depressa contadas em milhões. Foi
necessária uma tragédia, porém, para que a anormalidade se tornasse
conhecida. E ainda assim porque
um grupo de controladores, já se
sentindo no papel de lado mais fraco
sob as investigações do desastre, ousou exercer também os seus direitos, não só os seus deveres. Os comandos da FAB estão muito mal em
todos os aspectos da bagunça que se
instalou, na qual se provaram incompetentes até para logo encontrar atenuantes, assim como nas revelações e nos reflexos que o episódio projeta.
O Ministério da Aeronáutica recebeu esse nome, e não o de Ministério
da Força Aérea, porque destinado a
ocupar-se da aviação militar e da civil. Pela mesma razão, seu primeiro
ministro e organizador foi o civil Salgado Filho. A FAB apoderou-se do
ministério e de tudo o que diz respeito à aviação civil, até os preços de
passagens. Só há pouco, com a criação da ainda deficiente Agência Nacional da Aviação Civil, abriu-se
uma brecha naquela prepotência
despreparada, anacrônica e perplexa, como todos pudemos testemunhar na longa e abandonada agonia
de um patrimônio nacional chamado Varig.
Desmilitarizar o controle da aviação civil -literalmente, civilizá-lo-
é uma decisão de grande significado
-e admirável pela disposição pessoal de encará-la- anexada pelo ministro Waldir Pires, da Defesa, às
providências que teve ele mesmo de
perscrutar e adotar, para contenção
da bagunça e valorização do excelente trabalho dos controladores de
vôo no Brasil.
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