São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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JANIO DE FREITAS

À espera do estouro


O trabalho fora dos padrões humanos não se ocupava da migração de andorinhas, mas da vida de muitas pessoas

A BAGUNÇA dos vôos de passageiros reflete muito mais do que jornais, rádios e TV relataram. É mais uma notícia do caos encoberto que existe em inúmeros setores da administração pública, cada qual à espera do seu dia de eclosão, enquanto todos se alastram por outros setores.
O apagão no governo passado e a crise do setor oficial de saúde no Rio, para ficarmos nos casos mais lembrados nestes dias, foram outras eclosões da precariedade administrativa. Apesar de sua gravidade econômica e social, não escaparam à tradição das explicações malandramente simplistas, para que responsabilidades, causas e soluções sejam logo esquecidas. As causas nunca são únicas, nem as mesmas nos focos caóticos da administração pública federal, estadual e municipal. Escassez de recursos, retenção de recursos orçamentários para desagravar as contas, falta de pessoal e incompetência/irresponsabilidade nos degraus crescentes da hierarquia funcional são, além de outros menos expostos, ingredientes que variam suas dosagens a cada caso, mas se combinam em quase todos.
O caos dos vôos pareceria impossível. Em um só dia, a véspera do feriado, informações sobre cerca de 700 deles com horários loucamente descontrolados (em Cumbica-SP, atrasos de mais de 20 horas; em Brasília, perto disso), além de cancelamentos sem conta e sem aviso, não podem ocorrer só porque dois ou meia dúzia de controladores de vôo foram afastados, para investigação do choque aéreo na Amazônia -como alegaram os comandos da FAB.
Se aumentar a carga horária dos controladores e contratar 60 interinos fará a volta progressiva à "normalidade", então havia carga horária excessiva -como controladores informaram e os comandos da FAB negaram.
O trabalho fora dos padrões humanos e técnicos não se ocupava da migração de andorinhas, mas da vida de milhares de pessoas a cada dia, depressa contadas em milhões. Foi necessária uma tragédia, porém, para que a anormalidade se tornasse conhecida. E ainda assim porque um grupo de controladores, já se sentindo no papel de lado mais fraco sob as investigações do desastre, ousou exercer também os seus direitos, não só os seus deveres. Os comandos da FAB estão muito mal em todos os aspectos da bagunça que se instalou, na qual se provaram incompetentes até para logo encontrar atenuantes, assim como nas revelações e nos reflexos que o episódio projeta.
O Ministério da Aeronáutica recebeu esse nome, e não o de Ministério da Força Aérea, porque destinado a ocupar-se da aviação militar e da civil. Pela mesma razão, seu primeiro ministro e organizador foi o civil Salgado Filho. A FAB apoderou-se do ministério e de tudo o que diz respeito à aviação civil, até os preços de passagens. Só há pouco, com a criação da ainda deficiente Agência Nacional da Aviação Civil, abriu-se uma brecha naquela prepotência despreparada, anacrônica e perplexa, como todos pudemos testemunhar na longa e abandonada agonia de um patrimônio nacional chamado Varig.
Desmilitarizar o controle da aviação civil -literalmente, civilizá-lo- é uma decisão de grande significado -e admirável pela disposição pessoal de encará-la- anexada pelo ministro Waldir Pires, da Defesa, às providências que teve ele mesmo de perscrutar e adotar, para contenção da bagunça e valorização do excelente trabalho dos controladores de vôo no Brasil.


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