São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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ELEIÇÃO/ANÁLISE

Exclusão explica melhor o voto que renda

Economia, desigualdade e domínio político local não predizem bem opção por Lula, indica estudo com 5.565 cidades

VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA

Não foi a economia. Não foi o aumento "chinês" do comércio nas regiões mais pobres. Ou a renda per capita. Ou o fato de uma cidade depender mais de dinheiro federal para sobreviver. Nem a preferência por partidos. Entre todos esses e tantos outros motivos de voto nos candidatos a presidente, o nível de exclusão social em cada município foi o fator preponderante da reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A Folha analisou a votação de Lula e de Geraldo Alckmin (PSDB) nos 5.565 municípios do país. Relacionou a votação dos candidatos nos dois turnos a 16 fatores sociais e políticos mensuráveis, que poderiam ter relação com a decisão do voto.
O Índice de Exclusão Social (IES), elaborado por um grupo de cientistas sociais e economistas brasileiros, foi o fator (ou "variável") mais associado à variação do voto em Lula ou em Alckmin -explica cerca de 61% do aumento do voto de Lula de 2002 para 2006 e 50% da votação do petista neste ano.
O IES é uma espécie de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU) aperfeiçoado. Integra em um único número indicadores como escolaridade, alfabetização, renda, pobreza, desigualdade, emprego e violência.

Causas e estatísticas
Vários analistas atribuíram o voto em Lula ao crescimento do comércio em certas regiões. Nos Estados onde Lula bateu Alckmin, o crescimento médio das vendas no varejo entre 2003 e 2006 foi maior que naqueles onde o tucano venceu. Mas a variação das vendas no comércio explica pouco (23%) a variação do voto.
Um exemplo. Tanto em Minas Gerais quanto na Bahia as vendas do comércio cresceram 25% durante o governo Lula. Mas, na Bahia, Lula venceu Alckmin por 40 pontos de diferença. Em Minas, a vantagem foi só de 10 pontos. Isto é, algum outro fator que não o poder de compra do consumidor influenciou a decisão de voto.
A análise estatística não "explica a causa" do voto, mas estabelece correlações entre a decisão do eleitor e variáveis socioeconômicas e políticas; ajuda a descartar fatores que pouco influenciaram o voto. Isto é, fornece pistas mais seguras para um estudo mais aprofundado da opção do eleitor.
A avaliação do efeito do crescimento do comércio e da economia municipal sobre o voto é a mais precária, pois não existem bons indicadores recentes -os melhores dados são relativos aos Estados. Para as cidades, a Folha recorreu a indicadores indiretos de atividade econômica, como a arrecadação de impostos mais relacionados à variação da produção local. Também não encontrou correlação desses fatores com a escolha do presidente.
A Folha contou com o auxílio do cientista político Timothy Powers na elaboração de algumas hipóteses. Powers é brasilianista, professor da Universidade de Oxford e fez estudos semelhantes sobre a eleição de 2006, mas baseado nos dados socioeconômicos, políticos e eleitorais dos Estados.

Pobreza e exclusão
A proporção de chefes de família analfabetos em cada município foi um fator relevante para "explicar" a opção por Lula (a taxa de analfabetismo "explica" 50% da variação do voto em Lula em cada cidade). Mas a taxa de pessoas com mais de 12 anos de estudo em cada cidade prediz mal o voto em 2006 (27%, no caso de Lula; 20%, no caso de Alckmin, com tendências inversas: mais estudo, menos voto em Lula).
Mas é o conjunto dos indicadores sintetizados no Índice de Exclusão Social que tem o melhor desempenho nas estatísticas. Ou seja, os eleitores de uma cidade em que as deficiências sociais são múltiplas e grandes tenderam a votar mais em Lula.
Causas? O Bolsa Família é um motivo forte (veja gráfico acima) nos municípios. Na avaliação de Timothy Powers, o declínio da miséria entre 2003 e 2005 explica 64% da variação dos votos estaduais de Lula.
Porém, o grau de dependência das cidades em relação ao governo federal foi um fator irrelevante. Foram despesas específicas (renda mínima, aumento do salário mínimo), em municípios com deficiências sociais extensas e variadas, que induziram a opção pelo petista.
A Folha calculou a dependência das cidades em relação ao governo federal por meio de um índice baseado na diferença entre as receitas próprias do município e aquelas provenientes de transferências do governo federal (per capita).

Política local e voto
Fatores como desigualdade de renda, ocupação profissional e emprego formal também pareceram muito pouco relacionados ao voto em 2006.
A política local teria efeitos relevantes? Certamente lideranças e conjunturas políticas estaduais e municipais devem ter efeito no voto. Mas alianças políticas estaduais, o voto para prefeito em 2004 e o fato de o prefeito ser petista ou de oposição (do PSDB ou PFL) também não tiveram quase nenhuma relação com o desempenho do presidente-candidato reeleito.
Os motivos da opção de voto que o eleitor declara nas pesquisas Datafolha reforçam a hipótese "exclusão social" como o grande tema da eleição de 2006 (veja quadro abaixo). A revolta contra a classe política é visível nos motivos da eleição do "outsider" Collor. O Real foi o eleitor de FHC. Programas sociais e compromisso com os pobres foram os motivos para votar em Lula em 2006. Mas, em 2002, o motivo principal do voto no petista era o cansaço com o PSDB.
Preferência partidária? Desde 2003, o eleitorado que diz não ter partido flutua em torno de 45%; a preferência pelo PT flutua em torno de 25%. Não parece determinante. E a interiorização do voto? Os dados mostram que o padrão de voto em Lula segue o de ocupantes anteriores do poder federal, que passam a ganhar mais votos nos grotões e nos Estados oligárquicos, analisa Powers.
Outra hipótese aventada nas análises da eleição foi a influência negativa da crise da agropecuária no voto em Lula. A hipótese do "fazendeiro irado", como a denominou Timothy Powers, também não se sustenta nos fatos disponíveis. A repercussão do protesto de empresários na opinião pública influenciou análises infundadas.


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