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ELEIÇÃO/ANÁLISE
Exclusão explica melhor o voto que renda
Economia, desigualdade e domínio político local não predizem bem opção por Lula, indica estudo com 5.565 cidades
VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA
Não foi a economia. Não foi o
aumento "chinês" do comércio
nas regiões mais pobres. Ou a
renda per capita. Ou o fato de
uma cidade depender mais de
dinheiro federal para sobreviver. Nem a preferência por partidos. Entre todos esses e tantos outros motivos de voto nos
candidatos a presidente, o nível
de exclusão social em cada município foi o fator preponderante da reeleição de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT).
A Folha analisou a votação
de Lula e de Geraldo Alckmin
(PSDB) nos 5.565 municípios
do país. Relacionou a votação
dos candidatos nos dois turnos
a 16 fatores sociais e políticos
mensuráveis, que poderiam ter
relação com a decisão do voto.
O Índice de Exclusão Social
(IES), elaborado por um grupo
de cientistas sociais e economistas brasileiros, foi o fator
(ou "variável") mais associado
à variação do voto em Lula ou
em Alckmin -explica cerca de
61% do aumento do voto de Lula de 2002 para 2006 e 50% da
votação do petista neste ano.
O IES é uma espécie de IDH
(Índice de Desenvolvimento
Humano, da ONU) aperfeiçoado. Integra
em um único número indicadores como escolaridade, alfabetização, renda, pobreza, desigualdade, emprego e violência.
Causas e estatísticas
Vários analistas atribuíram o
voto em Lula ao crescimento
do comércio em certas regiões.
Nos Estados onde Lula bateu
Alckmin, o crescimento médio
das vendas no varejo entre
2003 e 2006 foi maior que naqueles onde o tucano venceu.
Mas a variação das vendas no
comércio explica pouco (23%)
a variação do voto.
Um exemplo. Tanto em Minas Gerais quanto na Bahia as
vendas do comércio cresceram
25% durante o governo Lula.
Mas, na Bahia, Lula venceu
Alckmin por 40 pontos de diferença. Em Minas, a vantagem
foi só de 10 pontos. Isto é, algum outro fator que não o poder de compra do consumidor
influenciou a decisão de voto.
A análise estatística não "explica a causa" do voto, mas estabelece correlações entre a decisão do eleitor e variáveis socioeconômicas e políticas; ajuda a descartar fatores que pouco influenciaram o voto. Isto é,
fornece pistas mais seguras para um estudo mais aprofundado da opção do eleitor.
A avaliação do efeito do crescimento do comércio e da economia municipal sobre o voto é
a mais precária, pois não existem bons indicadores recentes
-os melhores dados são relativos aos Estados. Para as cidades, a Folha recorreu a indicadores indiretos de atividade
econômica, como a arrecadação de impostos mais relacionados à variação da produção
local. Também não encontrou
correlação desses fatores com a
escolha do presidente.
A Folha contou com o auxílio do cientista político Timothy Powers na elaboração
de algumas hipóteses. Powers é
brasilianista, professor da Universidade de Oxford e fez estudos semelhantes sobre a eleição de 2006, mas baseado nos
dados socioeconômicos, políticos e eleitorais dos Estados.
Pobreza e exclusão
A proporção de chefes de família analfabetos em cada município foi um fator relevante
para "explicar" a opção por Lula (a taxa de analfabetismo "explica" 50% da variação do voto
em Lula em cada cidade). Mas a
taxa de pessoas com mais de 12
anos de estudo em cada cidade
prediz mal o voto em 2006
(27%, no caso de Lula; 20%, no
caso de Alckmin, com tendências inversas: mais estudo, menos voto em Lula).
Mas é o conjunto dos indicadores sintetizados no Índice de
Exclusão Social que tem o melhor desempenho nas estatísticas. Ou seja, os eleitores de uma
cidade em que as deficiências
sociais são múltiplas e grandes
tenderam a votar mais em Lula.
Causas? O Bolsa Família é
um motivo forte (veja gráfico
acima) nos municípios. Na avaliação de Timothy Powers, o
declínio da miséria entre 2003
e 2005 explica 64% da variação
dos votos estaduais de Lula.
Porém, o grau de dependência das cidades em relação ao
governo federal foi um fator irrelevante. Foram despesas específicas (renda mínima, aumento do salário mínimo), em
municípios com deficiências
sociais extensas e variadas, que
induziram a opção pelo petista.
A Folha calculou a dependência das cidades em relação
ao governo federal por meio de
um índice baseado na diferença entre as receitas próprias do
município e aquelas provenientes de transferências do
governo federal (per capita).
Política local e voto
Fatores como desigualdade
de renda, ocupação profissional e emprego formal também
pareceram muito pouco relacionados ao voto em 2006.
A política local teria efeitos
relevantes? Certamente lideranças e conjunturas políticas
estaduais e municipais devem
ter efeito no voto. Mas alianças
políticas estaduais, o voto para
prefeito em 2004 e o fato de o
prefeito ser petista ou de oposição (do PSDB ou PFL) também
não tiveram quase nenhuma
relação com o desempenho do
presidente-candidato reeleito.
Os motivos da opção de voto
que o eleitor declara nas pesquisas Datafolha reforçam a hipótese "exclusão social" como o
grande tema da eleição de 2006
(veja quadro abaixo). A revolta
contra a classe política é visível
nos motivos da eleição do "outsider" Collor. O Real foi o eleitor de FHC. Programas sociais
e compromisso com os pobres
foram os motivos para votar em
Lula em 2006. Mas, em 2002, o
motivo principal do voto no petista era o cansaço com o PSDB.
Preferência partidária? Desde 2003, o eleitorado que diz
não ter partido flutua em torno
de 45%; a preferência pelo PT
flutua em torno de 25%. Não
parece determinante. E a interiorização do voto? Os dados
mostram que o padrão de voto
em Lula segue o de ocupantes
anteriores do poder federal,
que passam a ganhar mais votos nos grotões e nos Estados
oligárquicos, analisa Powers.
Outra hipótese aventada nas
análises da eleição foi a influência negativa da crise da agropecuária no voto em Lula. A hipótese do "fazendeiro irado", como a denominou Timothy Powers, também não se sustenta
nos fatos disponíveis. A repercussão do protesto de empresários na opinião pública influenciou análises infundadas.
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