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CELSO PINTO
Lições do BC de Tito Mboweni
A forte desvalorização cambial, a alta no preço dos alimentos e do petróleo fizeram com que a inflação superasse em muito
a meta inflacionária. Nem as projeções do Banco Central, nem as
do mercado previram um salto inflacionário tão grande, talvez porque, em desvalorizações anteriores, o impacto sobre os preços tenha sido bem menor.
Apesar de o BC ter aumentado
em quatro pontos percentuais os
juros, a meta está comprometida
este ano e no próximo, como mostram as projeções do mercado. A
credibilidade do sistema de metas
está arranhada, mas o BC teria
pouco a ganhar se tentasse mudar
para outro método.
Não estou me referindo ao Brasil e sim à África do Sul. Impressiona a semelhança entre alguns dos
problemas enfrentados pelos dois
países. A África do Sul adotou o
sistema de metas inflacionárias
em 2000, um ano depois do Brasil.
Escolheu não um índice pleno de
inflação, mas o CPIX, que exclui o
impacto do crédito imobiliário.
Funcionou bem em 2001, mas a
inflação disparou este ano. A meta está fixada num intervalo entre
3% e 6%, mas o CPIX, nos 12 meses encerrados em outubro, chegou a 12,5% (a inflação plena bateu em 14,5%), apesar da alta dos
juros ao longo do ano. O Banco
Central (SARB) manteve a meta
de 2003 (3% a 6%), embora seja
muito difícil cumpri-la, mas decidiu elevar a de 2004 (de 3% a 5%
para 3% a 6%). O mercado projeta um CPIX de 9,4% este ano,
8,6% em 2003 e 7,7% em 2004.
A experiência da África do Sul
interessa ao Brasil também pelo
lado político. Quando o Congresso
Nacional Africano (CNA) de Nelson Mandela chegou ao poder, em
1994, não viu nenhum problema
em deixar na presidência do Banco Central o africânder branco
Chris Stals. Ele já presidia o SARB
há cinco anos e ficou outros cinco
anos no governo do CNA.
Em julho de 1998, Tito Mboweni
foi trabalhar como assessor direto
de Stals. Mboweni, negro, jovem
(hoje com 43 anos), foi um ativo
militante político de esquerda
junto com Mandela. Formou-se
em economia no exílio, em Lesoto.
Fez parte do primeiro gabinete do
governo negro como ministro do
Trabalho. Sem experiência na
área financeira (fez um master em
economia do desenvolvimento na
Universidade de East Anglia, na
Inglaterra), não hesitou em ficar
um ano aprendendo com Stals.
Em agosto de 1999, foi nomeado
governador (presidente) do SARB.
Tem feito, desde então, uma gestão bem avaliada internamente e
respeitada no exterior. Criou admiradores e amigos em suas participações em fóruns internacionais, como o FMI e o BIS. Entre
eles, o presidente do BC brasileiro,
Armínio Fraga, que não poupa
elogios ao falar de Mboweni.
Quem fixa a meta inflacionária
na África do Sul é o governo, mas
o SARB tem independência operacional para persegui-la. Tem uma
política de transparência parecida
com a do BC brasileiro, mas com
uma idéia a mais. Mboweni criou
um Fórum de Política Monetária,
composto por empresários, trabalhadores e acadêmicos, que se reúne periodicamente com o SARB. O
câmbio é flexível e sofreu forte desvalorização em 2001 e no início
deste ano.
A exemplo do BC brasileiro, o
SARB se define como "flexível" e
não "estrito" na aplicação do sistema de metas. Ou seja, leva em
consideração outras variáveis, como o impacto sobre o crescimento
e o emprego, ao reagir a choques
de oferta. "Algum (poder) discricionário deve ser usado para evitar perdas na produção e no emprego", argumenta um extenso
texto publicado pelo SARB para
responder aos críticos do sistema:
"No entanto, é também importante que a disciplina inerente à meta
inflacionária não desapareça pelo
uso irrestrito da discrição".
Foi com esta flexibilidade que o
SARB tratou os choques (câmbio,
petróleo e alimentos) deste ano, de
forma bastante parecida à do BC
brasileiro. O texto lembra que vários BCs se definem como flexíveis,
no sentido de não tentar retornar
à meta a qualquer custo, rapidamente, mesmo quando enfrentam
choques exógenos.
No Canadá, o horizonte para
trazer a inflação de volta à meta é
de 18 a 24 meses. Na Suécia é de
até dois anos. No Reino Unido, o
BC pode propor em quanto tempo
pretende reconduzir a inflação à
meta. Na Austrália, o tempo de
resposta depende do momento no
ciclo econômico: a meta é manter
a inflação entre 2% e 3% ao longo
do ciclo, o que pode permitir desvios de curto prazo. Na Nova Zelândia, a meta é de médio prazo, e
o BC tem flexibilidade para decidir como reagir a choques.
Apesar do desvio em relação à
meta neste ano, o mercado acredita que a inflação vai cair e que a
meta será cumprida a médio prazo. Uma análise do banco americano JP Morgan argumenta que
desvios em sistemas recentes de
metas inflacionárias são comuns:
a Polônia, por exemplo, errou para cima, Hungria e República
Tcheca erraram para baixo. No
caso da África do Sul, mudar o sistema seria um equívoco, diz o
Morgan.
A África do Sul tem sido um dos
poucos países emergentes que continuaram a atrair investidores internacionais. Sua Bolsa subiu 19%
este ano e sua capitalização equivale a 13% do total dos emergentes, o dobro da brasileira (6,5%).
Ou seja, um descontrole inflacionário não é o fim do mundo, se o
mercado acreditar que será temporário, porque há um sistema de
metas claro, que embute alguma
flexibilidade, mas é conduzido por
um BC com autonomia operacional.
Há uma diferença relevante em
relação ao Brasil. O juro básico
(repo) é de 13,5%, negativo em relação à inflação passada (14,5%) e
de 5% em relação à inflação projetada para 2003 (8,6%). No Brasil,
o juro real é positivo em mais de
10%, para trás ou para frente.
Profecias de Lula
Num jantar com empresários,
em setembro do ano passado, Lula
fez três previsões corretas. Disse
que Aloizio Mercadante não seria
o ministro da Fazenda num eventual governo seu, que José Genoino não iria ganhar a eleição para
o governo de São Paulo e que ele
teria um empresário como candidato a vice-presidente em sua chapa.
E-mail: CelPinto@uol.com.br
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