São Paulo, quinta-feira, 05 de dezembro de 2002

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CELSO PINTO

Lições do BC de Tito Mboweni

A forte desvalorização cambial, a alta no preço dos alimentos e do petróleo fizeram com que a inflação superasse em muito a meta inflacionária. Nem as projeções do Banco Central, nem as do mercado previram um salto inflacionário tão grande, talvez porque, em desvalorizações anteriores, o impacto sobre os preços tenha sido bem menor.
Apesar de o BC ter aumentado em quatro pontos percentuais os juros, a meta está comprometida este ano e no próximo, como mostram as projeções do mercado. A credibilidade do sistema de metas está arranhada, mas o BC teria pouco a ganhar se tentasse mudar para outro método.
Não estou me referindo ao Brasil e sim à África do Sul. Impressiona a semelhança entre alguns dos problemas enfrentados pelos dois países. A África do Sul adotou o sistema de metas inflacionárias em 2000, um ano depois do Brasil. Escolheu não um índice pleno de inflação, mas o CPIX, que exclui o impacto do crédito imobiliário.
Funcionou bem em 2001, mas a inflação disparou este ano. A meta está fixada num intervalo entre 3% e 6%, mas o CPIX, nos 12 meses encerrados em outubro, chegou a 12,5% (a inflação plena bateu em 14,5%), apesar da alta dos juros ao longo do ano. O Banco Central (SARB) manteve a meta de 2003 (3% a 6%), embora seja muito difícil cumpri-la, mas decidiu elevar a de 2004 (de 3% a 5% para 3% a 6%). O mercado projeta um CPIX de 9,4% este ano, 8,6% em 2003 e 7,7% em 2004.
A experiência da África do Sul interessa ao Brasil também pelo lado político. Quando o Congresso Nacional Africano (CNA) de Nelson Mandela chegou ao poder, em 1994, não viu nenhum problema em deixar na presidência do Banco Central o africânder branco Chris Stals. Ele já presidia o SARB há cinco anos e ficou outros cinco anos no governo do CNA.
Em julho de 1998, Tito Mboweni foi trabalhar como assessor direto de Stals. Mboweni, negro, jovem (hoje com 43 anos), foi um ativo militante político de esquerda junto com Mandela. Formou-se em economia no exílio, em Lesoto. Fez parte do primeiro gabinete do governo negro como ministro do Trabalho. Sem experiência na área financeira (fez um master em economia do desenvolvimento na Universidade de East Anglia, na Inglaterra), não hesitou em ficar um ano aprendendo com Stals.
Em agosto de 1999, foi nomeado governador (presidente) do SARB. Tem feito, desde então, uma gestão bem avaliada internamente e respeitada no exterior. Criou admiradores e amigos em suas participações em fóruns internacionais, como o FMI e o BIS. Entre eles, o presidente do BC brasileiro, Armínio Fraga, que não poupa elogios ao falar de Mboweni.
Quem fixa a meta inflacionária na África do Sul é o governo, mas o SARB tem independência operacional para persegui-la. Tem uma política de transparência parecida com a do BC brasileiro, mas com uma idéia a mais. Mboweni criou um Fórum de Política Monetária, composto por empresários, trabalhadores e acadêmicos, que se reúne periodicamente com o SARB. O câmbio é flexível e sofreu forte desvalorização em 2001 e no início deste ano.
A exemplo do BC brasileiro, o SARB se define como "flexível" e não "estrito" na aplicação do sistema de metas. Ou seja, leva em consideração outras variáveis, como o impacto sobre o crescimento e o emprego, ao reagir a choques de oferta. "Algum (poder) discricionário deve ser usado para evitar perdas na produção e no emprego", argumenta um extenso texto publicado pelo SARB para responder aos críticos do sistema: "No entanto, é também importante que a disciplina inerente à meta inflacionária não desapareça pelo uso irrestrito da discrição".
Foi com esta flexibilidade que o SARB tratou os choques (câmbio, petróleo e alimentos) deste ano, de forma bastante parecida à do BC brasileiro. O texto lembra que vários BCs se definem como flexíveis, no sentido de não tentar retornar à meta a qualquer custo, rapidamente, mesmo quando enfrentam choques exógenos.
No Canadá, o horizonte para trazer a inflação de volta à meta é de 18 a 24 meses. Na Suécia é de até dois anos. No Reino Unido, o BC pode propor em quanto tempo pretende reconduzir a inflação à meta. Na Austrália, o tempo de resposta depende do momento no ciclo econômico: a meta é manter a inflação entre 2% e 3% ao longo do ciclo, o que pode permitir desvios de curto prazo. Na Nova Zelândia, a meta é de médio prazo, e o BC tem flexibilidade para decidir como reagir a choques.
Apesar do desvio em relação à meta neste ano, o mercado acredita que a inflação vai cair e que a meta será cumprida a médio prazo. Uma análise do banco americano JP Morgan argumenta que desvios em sistemas recentes de metas inflacionárias são comuns: a Polônia, por exemplo, errou para cima, Hungria e República Tcheca erraram para baixo. No caso da África do Sul, mudar o sistema seria um equívoco, diz o Morgan.
A África do Sul tem sido um dos poucos países emergentes que continuaram a atrair investidores internacionais. Sua Bolsa subiu 19% este ano e sua capitalização equivale a 13% do total dos emergentes, o dobro da brasileira (6,5%). Ou seja, um descontrole inflacionário não é o fim do mundo, se o mercado acreditar que será temporário, porque há um sistema de metas claro, que embute alguma flexibilidade, mas é conduzido por um BC com autonomia operacional.
Há uma diferença relevante em relação ao Brasil. O juro básico (repo) é de 13,5%, negativo em relação à inflação passada (14,5%) e de 5% em relação à inflação projetada para 2003 (8,6%). No Brasil, o juro real é positivo em mais de 10%, para trás ou para frente.

Profecias de Lula
Num jantar com empresários, em setembro do ano passado, Lula fez três previsões corretas. Disse que Aloizio Mercadante não seria o ministro da Fazenda num eventual governo seu, que José Genoino não iria ganhar a eleição para o governo de São Paulo e que ele teria um empresário como candidato a vice-presidente em sua chapa.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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