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São Paulo, sexta-feira, 05 de dezembro de 2003

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VIAGEM AO ORIENTE

Professor critica fato de Lula ter mencionado terras sírias invadidas, mas não as ocupadas pela Síria

Analista vê diplomacia "desequilibrada"

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O comunicado conjunto da visita do presidente Lula à Síria não traz novidades em termos diplomáticos e não poderia melindrar os Estados Unidos.
É o que diz o brasileiro Alfredo Valladão, 58, professor de relações internacionais da Sciences Po, o Instituto de Estudos Políticos de Paris.
No entanto, diz ele, no discurso feito na quarta-feira, em Damasco, o presidente brasileiro citou a devolução das colinas do Golã (ocupadas em 1967 pelos israelenses), sem referir-se a contrapartidas que permitissem a Israel se abastecer da água doce que tem nascentes naquela região.
Lula tampouco mencionou, ainda que indiretamente, o fato de a Síria ocupar o Líbano.
São posições "desequilibradas", diz Valladão, que deverão ser compensadas no futuro para não abrir atritos com Israel e com os conservadores norte-americanos, sensíveis à lógica dos israelenses.
A seguir, trechos da entrevista.
 

Folha - Os Estados Unidos vêem a Síria como um país hostil. O comunicado da visita de Lula a Damasco traria algum recado aos norte-americanos?
Alfredo Valladão -
Não creio. Lula tem procurado dar ao Brasil um papel ativo no mundo, transformá-lo em protagonista da política internacional. O comunicado não dissona dessa linha.

Folha - E quanto à ênfase do comunicado à autonomia do Iraque?
Valladão -
Precisamos diferenciar o comunicado de ontem do discurso do presidente Lula na véspera. O comunicado é ortodoxo, com a menção ao princípio de terra pela paz, no conflito entre Israel e palestinos, que os norte-americanos apóiam. Os EUA também concordam com a autonomia iraquiana, com os "passos acelerados" nessa direção e com maior papel à ONU. Lula não se contrapõe a Washington.

Folha - Mas com relação ao discurso de quarta-feira?
Valladão -
Lula se manteve na tradição da diplomacia brasileira, ao condenar o terrorismo e a expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia. O desequilíbrio surge com a menção da necessidade de Israel devolver à Síria as colinas do Golã. Mas isso não basta. O Golã é a "caixa d'água" de Israel e da Cisjordânia, com as nascentes e a reserva de água doce do lago Tiberíades. Lula não citou, como contrapartida, a necessidade de a Síria dar garantias sobre os mananciais.

Folha - Melindraria Israel?
Valladão -
Isso pode acontecer. E poderia também afetar a parcela da elite americana mais sensível à causa israelense, sobretudo a dos conservadores. Haverá a necessidade de o Brasil, proximamente, demonstrar que se preocupa também com a segurança de Israel.

Folha - Como interpretar o fato de Lula não ter mencionado no discurso, mesmo indiretamente, a ocupação do Líbano pela Síria?
Valladão -
Se houve menção à ocupação do Golã e dos territórios palestinos, seria preciso mencionar também a ocupação do Líbano. É normal que um presidente não critique o país visitado. Mas Israel acreditaria que a diplomacia brasileira se desequilibrou.

Folha - E sobre a necessidade de implantar uma ordem econômica e social "mais justa e democrática"?
Valladão -
A Síria não é um país democrático. É uma ditadura de uma facção minoritária do islamismo. A Síria também patrocinou o terrorismo. Esse regime não pode ser interpretado erroneamente. Lula não deveria criticar seus anfitriões. Mas não era preciso enfocá-lo positivamente.


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