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VIAGEM AO ORIENTE
Professor critica fato de Lula ter mencionado terras sírias invadidas, mas não as ocupadas pela Síria
Analista vê diplomacia "desequilibrada"
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
O comunicado conjunto da visita do presidente Lula à Síria não
traz novidades em termos diplomáticos e não poderia melindrar
os Estados Unidos.
É o que diz o brasileiro Alfredo
Valladão, 58, professor de relações internacionais da Sciences
Po, o Instituto de Estudos Políticos de Paris.
No entanto, diz ele, no discurso
feito na quarta-feira, em Damasco, o presidente brasileiro citou a
devolução das colinas do Golã
(ocupadas em 1967 pelos israelenses), sem referir-se a contrapartidas que permitissem a Israel se
abastecer da água doce que tem
nascentes naquela região.
Lula tampouco mencionou,
ainda que indiretamente, o fato de
a Síria ocupar o Líbano.
São posições "desequilibradas",
diz Valladão, que deverão ser
compensadas no futuro para não
abrir atritos com Israel e com os
conservadores norte-americanos,
sensíveis à lógica dos israelenses.
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - Os Estados Unidos vêem a
Síria como um país hostil. O comunicado da visita de Lula a Damasco
traria algum recado aos norte-americanos?
Alfredo Valladão - Não creio. Lula tem procurado dar ao Brasil um
papel ativo no mundo, transformá-lo em protagonista da política
internacional. O comunicado não
dissona dessa linha.
Folha - E quanto à ênfase do comunicado à autonomia do Iraque?
Valladão - Precisamos diferenciar o comunicado de ontem do
discurso do presidente Lula na
véspera. O comunicado é ortodoxo, com a menção ao princípio de
terra pela paz, no conflito entre Israel e palestinos, que os norte-americanos apóiam. Os EUA
também concordam com a autonomia iraquiana, com os "passos
acelerados" nessa direção e com
maior papel à ONU. Lula não se
contrapõe a Washington.
Folha - Mas com relação ao discurso de quarta-feira?
Valladão - Lula se manteve na
tradição da diplomacia brasileira,
ao condenar o terrorismo e a expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia. O desequilíbrio surge com a menção da necessidade de Israel devolver à Síria as colinas do Golã. Mas isso
não basta. O Golã é a "caixa d'água" de Israel e da Cisjordânia,
com as nascentes e a reserva de
água doce do lago Tiberíades. Lula não citou, como contrapartida,
a necessidade de a Síria dar garantias sobre os mananciais.
Folha - Melindraria Israel?
Valladão - Isso pode acontecer. E
poderia também afetar a parcela
da elite americana mais sensível à
causa israelense, sobretudo a dos
conservadores. Haverá a necessidade de o Brasil, proximamente,
demonstrar que se preocupa também com a segurança de Israel.
Folha - Como interpretar o fato
de Lula não ter mencionado no discurso, mesmo indiretamente, a
ocupação do Líbano pela Síria?
Valladão - Se houve menção à
ocupação do Golã e dos territórios palestinos, seria preciso mencionar também a ocupação do Líbano. É normal que um presidente não critique o país visitado.
Mas Israel acreditaria que a diplomacia brasileira se desequilibrou.
Folha - E sobre a necessidade de
implantar uma ordem econômica e
social "mais justa e democrática"?
Valladão - A Síria não é um país
democrático. É uma ditadura de
uma facção minoritária do islamismo. A Síria também patrocinou o terrorismo. Esse regime
não pode ser interpretado erroneamente. Lula não deveria criticar seus anfitriões. Mas não era
preciso enfocá-lo positivamente.
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