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São Paulo, sexta-feira, 05 de dezembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

Decisões de Rocha Mattos foram achadas pela PF, sem assinatura do juiz, no escritório de Wagner Rocha

Sentenças de juiz estavam com empresário

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Polícia Federal encontrou uma decisão do juiz federal João Carlos da Rocha Mattos (preso), sem assinatura e sem numeração, absolvendo o economista Wagner Baptista Ramos. Ele foi coordenador da dívida pública da Prefeitura de São Paulo entre 1993 e 1997, durante as administrações de Paulo Maluf e Celso Pitta.
A sentença sem assinatura, segundo avaliação da PF, é um dos mais fortes indícios de que a suposta quadrilha presa na Operação Anaconda mantinha um esquema de venda de decisões.
Ramos foi acusado de ser um dos mentores do desvio de títulos públicos na Prefeitura de São Paulo. Em maio de 1999, Rocha Mattos absolveu o economista das acusações de sonegar R$ 967,7 mil da Receita e de ocultar pelo menos R$ 1,041 milhão em contas no exterior. Segundo a CPI dos Precatórios, Ramos recebeu R$ 1,3 milhão de corretoras que se beneficiaram com a emissão fraudulenta de títulos da prefeitura.

Arquivo vivo
A sentença foi apreendida no escritório do empresário Wagner Rocha, no 32º andar do edifício Itália, na região central de São Paulo. Rocha, preso pela Operação Anaconda, guardava mais de uma centena de documentos de Rocha Mattos, que ocupam 37 páginas de um auto de apreensão.
Entre esse documentos, havia um cópia de sentença com "rasura de corretivo líquido na palavra recorrente", uma cópia da carta rogatória pedindo a abertura das contas de Ramos nos EUA, um pedido de mandado de segurança de Antonio Oliveira Claramunt, o doleiro Toninho da Barcelona, uma decisão de Rocha Mattos sobre um mandado de segurança também sem a assinatura do juiz.
Wagner Rocha guardava cópias de 69 sentenças de Rocha Mattos. Tinha também uma cópia do cartão de crédito American Express do juiz e de documentos classificados de confidenciais.

"Comercialização"
A Diretoria de Inteligência Policial da PF interpreta a ausência de assinatura em sentença judicial ou sentença de habeas corpus como um indício de que o teor da decisão era negociado com os acusados no escritório.
Eis um trecho do relatório da PF: "Documentos apreendidos em poder de Wagner Rocha (vulgo Wagner ou Peru), em um escritório situado no ed. Itália, São Paulo, bem como objetos e documentos apreendidos no escritório pertencente a Afonso Passarelli, Cesar Herman Rodriguez, Jorge Luiz [Bezerra da Silva] e outros, revelam que a organização criminosa mantinha um verdadeiro esquema de comercialização de decisões judiciais, extorsão, negociatas, envolvendo inquéritos policiais oriundos da Polícia Federal e Polícia Civil, ameaça, interceptação ilegal, corrupção, prevaricação, tráfico de influência e formação de quadrilha".
Três advogados ouvidos pela Folha disseram que o padrão é guardar sentenças numeradas, rubricadas e assinadas.
Luiz Flávio Gomes, ex-juiz criminal e professor da Pontifícia Universidade Católica de Curitiba, diz que "é estranhíssimo encontrar sentença sem assinatura", já que o documento não tem "valor jurídico".
Gomes acredita que está correta a hipótese da PF, de que a ausência revela a intenção de comercialização do teor da decisão. "O sujeito podia ter um projeto de sentença pronto para ser vendido. Se o original no cartório confere com a cópia encontrada, é uma prova de que a sentença estava sendo negociada", afirma.

Casos famosos
Wagner Rocha mantinha em seu escritório vários casos famosos em que o juiz federal atuou. Estavam lá o pedido de prisão do bispo Edir Macedo, quando ele comprou a Rede Record de Silvio Santos e era acusado de usar no negócio recursos de origem não esclarecida, e os inquéritos contra Silvio Santos e Luciano Callegari pela venda do canal de TV.
O processo contra o empresário Sérgio Chiamarelli Jr., acusado de participar do esquema de emissão de títulos irregulares da prefeitura paulistana e preso na Operação Anaconda, também estava lá.
Constava do arquivo um processo contra o empresário Giancarlo Nardi. A PF investiga a hipótese de Nardi ter sido o intermediário na abertura de conta de integrantes da suposta quadrilha no Banco do Vaticano.
O empresário tinha também duas folhas da denúncia do Ministério Público contra o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto.


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