São Paulo, domingo, 06 de fevereiro de 2005

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GUERRA TRIBUTÁRIA

De olho na classe média, partido de Lula teme efeito "Martaxa"

Excesso de tributos vira mote da oposição e preocupa o PT

FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A carga de impostos pagos pelo cidadão, tema caro ao eleitorado de classe média que ajudou a tirar do PT a Prefeitura de São Paulo na eleição do ano passado, está no centro das preocupações do partido de Luiz Inácio Lula da Silva para definir a estratégia eleitoral para 2006. E da oposição também.
O PT teme o surgimento da versão federal do "efeito Martaxa", apelido dado ao aumento de taxas cobradas em São Paulo na gestão Marta Suplicy (2001-2004). O motivo é o aumento da carga tributária na gestão Lula e, principalmente, a medida provisória 232, que aumentou a cobrança de impostos sobre vários setores.
Tucanos, que apostam no governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, como candidato, e pefelistas, que já lançaram o prefeito do Rio, Cesar Maia, querem colar em Lula o rótulo de presidente que aumenta impostos e gasta mal. É uma possibilidade que vêem, hoje, de minar os atuais índices de popularidade de Lula.
O PT está escaldado pelo fiasco eleitoral em São Paulo, debitado inclusive pela ex-prefeita Marta Suplicy no fato de ela não ter defendido adequadamente as taxas que criou. O presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), quer uma ação imediata para que o mesmo não se repita no plano federal.
"O episódio "Martaxa" foi uma lição. Temos que ter uma política ofensiva, do ponto de vista do governo e do partido, para responder às acusações de que estamos aumentando a carga tributária e gastando irresponsavelmente."
A ofensiva, prega ele, precisa começar já. "Tem que começar rapidamente, antes que o rótulo cole. Temos que defender as coisas positivas, como a correção na tabela do Imposto de Renda."
Em São Paulo, o apelido "Martaxa" foi criado pelo PSDB para caracterizar uma gestão que criou taxas para iluminação pública e coleta de lixo. Pegou.
Em Brasília, o partido sonha fazer o mesmo lembrando o fato de que a carga tributária em 2004 atingiu o patamar recorde de 35,67% do PIB, segundo estudo dos economistas Amir Khair (simpatizante do PT) e José Roberto Afonso (ligado ao PSDB).
A MP 232, editada no apagar das luzes de 2004, que aumentou impostos para prestadores de serviços e produtores rurais, caiu como uma luva para as pretensões da oposição -tanto que o governo adiou sua entrada em vigor contando com sua alteração no Congresso Nacional.
A coalizão na sociedade civil que surgiu em reação, da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), foi comemorada por PSDB e PFL.
"Existe um movimento crescente de resistência a essa ordem tributária. Começou no grande empresário, passou para o médio empresário, para o micro e agora chegou ao contribuinte", afirma o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC).
Para os tucanos, a estratégia é vincular a carga tributária à questão do emprego. "Depois da "Martaxa, vamos agora criar a "Lulaxa'", diz o deputado federal Alberto Goldman (PSDB-SP), um dos escudeiros de Alckmin.
Na última quinta, o governador de São Paulo fez um de seus mais duros ataques a Lula, justamente baseado na questão tributária.
Disse que o governo tem uma "sanha arrecadatória altíssima". "Em São Paulo, era necessário ter explicado melhor a criação das taxas", admite o presidente nacional do PT, José Genoino.
De olho na experiência, o PT já se movimenta. A primeira providência, diz o presidente do partido, é unificar o discurso a favor do governo, pois a oposição já galvanizou o discurso contra.
A estratégia tem duas pernas. A primeira é responder na mesma moeda: lembrar que nos dez anos de Fernando Henrique Cardoso (oito como presidente e dois como ministro da Fazenda), a carga tributária subiu de 25,72% (1993) para 35,53% do PIB (2002).
"O PFL e o PSDB simplesmente não têm moral para falar sobre isso", declarou Genoino.
A segunda parte é defender os gastos do governo federal por seu perfil "socialmente responsável". Ou seja, passar a idéia de que a carga tributária pode ser alta, mas ela financia programas sociais.
"Estamos sendo responsáveis no gasto público. Nossos investimentos são coisas como o Prouni [acesso a universidades para jovens carentes], o Projovem [incentivo ao estudo para jovens], o aumento no Pronaf [agricultura familiar]", declara.

Vulnerável
O fato é que o governo Lula é vulnerável à crítica de que taxa muito e gasta mal, mesmo que isso não seja 100% justo, na avaliação do especialista em finanças públicas Raul Velloso.
"O jogo político segue fatos reais, mas nem sempre isso se faz com toda a justificativa. Grande parte da alta carga tributária é um legado do sistema de seguridade social criado pela Constituição de 1988", afirma Velloso.
Mas, segundo ele, o PT "tem, sim, culpa no cartório". "É um partido que historicamente é mais gastador, ao priorizar ações como o Bolsa-Família e o aumento do salário mínimo."
Para Velloso, Lula deu o "azar" de chegar ao poder quando a carga tributária já estava perto do limite. "FHC tomou medidas que aumentaram a carga tributária mais que a MP 232 aumenta, mas na época isso era possível. O PT chegou tarde para a festa", afirma.
David Fleischer, professor de política da Universidade de Brasília, afirma que o grande pesadelo para o governo é a oposição dos prestadores de serviços, os mais afetados pela MP 232. "É um grupo influente e que tem uma vocalização muito grande", diz.
Para ele, o eleitor está vulnerável ao apelo pelo corte de impostos, o que faz a estratégia de PSDB e PFL ser "muito inteligente".
Mas ela embute um risco, principalmente se o corte vier acompanhado de queda nos investimentos públicos: "O cidadão gosta da idéia de corte de imposto até o momento que o pneu do seu carro estoura num buraco de estrada", diz Fleischer.


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