São Paulo, sábado, 06 de fevereiro de 2010

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ANÁLISE

Programa lembra obra antiliberal

VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA

Além de título com mania de grandeza do programa do PT, "A Grande Transformação" é um estudo brilhante e erudito de história econômica publicado em 1944 por Karl Polanyi (1886-1964), intelectual húngaro nascido em Viena e que lecionou nos EUA. O livro é, porém, um clássico algo marginal. Com a decadência do marxismo, ressuscitou nos 1980-90 em cantos de esquerda de universidades de França e EUA.
A tese de Polanyi é que, "nunca antes", relações sociais foram tão subordinadas à economia mercantil como em meados dos século 19, auge do liberalismo. Tal sistema não poderia subsistir na forma "pura" por provocar degradação dos mais pobres e por ofender interesses de classes diversas, como agricultores ou até banqueiros.
No liberalismo ideal, por um breve período real, o sistema econômico era ou deveria ser livre de interferências de qualquer outra instituição social; o produto (bens) é distribuído apenas por meio do comércio (venda); os indivíduos agem apenas pelo interesse de maximização do ganho material.
Em particular, Polanyi observa que, em tal sistema, trabalho, terra e dinheiro também são feitos mercadorias, mas "mercadorias fictícias" (não foram criados para a venda), uma novidade histórica. Normas quase feudais por exemplo limitavam a circulação de trabalhadores ainda na Inglaterra da Revolução Industrial; a caridade organizada criava um piso para salários: não havia mercado livre de trabalho.
No auge do livre comércio e da utopia liberal, havia autorregulação (quase) automática do sistema monetário e do comércio mundiais, ausência quase total de proteção ao trabalho e de intervenção estatal antimercado. Foi época também de crises financeiras e recessões brutais devidas aos ajustes no comércio e na produção provocadas pelo padrão-ouro (um tipo de câmbio fixo universal) e, consequentemente, de revoltas sociais revolucionárias. O liberalismo "puro" acabou por provocar as reações que lhe deram cabo. Redundaram em intervenções como a regulação da finança, impostos para financiar direitos sociais e, enfim, no Estado de Bem-Estar Social do mundo rico do pós-guerra.


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