São Paulo, domingo, 6 de abril de 1997.

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NOVO OESTE
Em Sapezal (MT), produtores são donos das ruas, dos canos de água, dos postes e da energia elétrica da cidade
Fronteira agrícola cresce `apesar' do Estado

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
enviado especial a Sapezal (MT)

Com o Estado, sem o Estado ou apesar do Estado. Esse é o lema que rege a vida na mais promissora fronteira agrícola do país, a Chapada dos Parecis, no noroeste de Mato Grosso. É a maior área ``agriculturável'' contínua do mundo.
Lá, os produtores rurais autofinanciaram suas lavouras, assumiram obrigações que são tradicionalmente estatais e desenvolveram a região. Os resultados podem ser estimados a partir de um estudo do governo federal.
A partir do ano 2000, o 1,5 milhão de hectares plantado no chapadão deve chegar a 20 milhões de hectares e multiplicar a produção de grãos de 3,8 milhões de toneladas para 50 milhões de toneladas.
A Chapada dos Parecis alia topografia plana e regime de chuvas perfeito para o cultivo de soja à alta tecnologia dos produtores. O resultado: picos de produtividade de 5,5 toneladas por hectare, o dobro da média nacional.
Com 3.373 habitantes, o município de Sapezal é, ao mesmo tempo, a mais nova face e a síntese dessa região. Desmembrado de Campo Novo do Parecis em 1994 e instalado em janeiro passado, já se pretende o pólo regional da chapada.
Lá, da rede de energia elétrica à torre de transmissão que permite a ligação telefônica com o mundo externo, tudo foi construído com o dinheiro dos empresários, à margem do aparelho estatal.
Estrategicamente situada entre a produção e seu escoamento, a cidade é porta de acesso ao corredor noroeste: misto de estrada e hidrovia que forma a rota mais curta do cerrado até os portos dos países importadores, na Europa.
O prefeito de Sapezal é, não por acaso, o principal empresário da região. André Maggi, 70, é o novo rei da soja. Lidera um grupo que fatura R$ 280 milhões por ano e está construindo a parte hidroviária do corredor de exportação.
É o dono da maior parte das áreas urbanas (que ele próprio loteou), da hidrelétrica, da rede de água e até do prédio da prefeitura, que dirige como se fosse uma empresa -investe 69% da receita e só tem 11 funcionários.
A estrada, única contribuição estatal ao desenvolvimento da região, é eleita pelos produtores como seu principal problema. De terra e cheia de buracos, ela fica quase intransitável justamente na época da colheita.
Nesse período, tráfego e chuva são intensos. Até cem carretas com soja cruzam diariamente os atoleiros do trecho de 130 km de terra até o asfalto mais próximo. Isso custa dinheiro aos agricultores.
``A saca de soja está de US$ 2,50 a US$ 3,00 mais barata em Sapezal do que em Rondonópolis (no sul de Mato Grosso). A diferença nunca foi maior do que US$ 1,20'', reclama Inácio Webler, um dos maiores produtores da região.
Ele culpa o governo estadual, mas também critica o prefeito de Sapezal. É que Maggi usou as máquinas de suas empresas para melhorar a estrada na direção norte, rumo à sua hidrovia, mas não fez o mesmo na direção sul.
``Eu o questionei sobre isso como prefeito, e ele me respondeu como empresário: disse que no ano que vem o preço da soja para o norte vai melhorar'', afirma Webler, um dos pioneiros em Sapezal.
Mesmo assim, ele diz que a chegada de grupos grandes como o Maggi foi um ``mal necessário'': ``A região evoluiu''.
Produtor e presidente da Câmara Municipal de Sapezal, Eleanor Dal'Maso defende o prefeito. ``Sapezal é o que é hoje por causa do dinheiro do `seu' André. Ele bancou toda a infra-estrutura'', diz.
De fato. Em 1991, quando começou a se formar o núcleo urbano, Maggi construiu uma hidrelétrica que permitiu a eletrificação de todas as fazendas da região. Os produtores só pagavam os postes e os fios. A energia era de graça.
Detalhe: 80% dos municípios de Mato Grosso têm problemas de falta de eletricidade.
Em 1994, quando um plebiscito emancipou o município, Maggi fundou a Companhia de Desenvolvimento de Sapezal. Desde então até janeiro deste ano, quando o prefeito tomou posse, a Cidezal assumiu a administração municipal.
A empresa perfurou poços artesianos e construiu toda a rede de água e iluminação da cidade. Além de ter plantado 10 mil árvores. Tudo financiado por Maggi.
Do lado empresarial, o grupo construiu na cidade um armazém com capacidade para estocar 117 mil toneladas de grãos. Os Maggi compram a produção e vendem as sementes para os agricultores.
Como prefeito, o principal objetivo de André Maggi é resolver o problema da estrada. Conseguiu transformar a MT-235, que corta o município, em BR-364. A vantagem é que esta rodovia deve ser asfaltada pelo governo federal.
Enquanto o asfalto não vem, Maggi inovou: fez aprovar uma lei na Câmara Municipal autorizando a prefeitura a emprestar cerca de R$ 1,6 milhão em soja dos maiores produtores locais. Com o dinheiro, vai comprar máquinas para melhorar a estrada.
Dal'Maso resume a atuação de Maggi: ``Ninguém planta para não colher. Mas até agora ele gastou muito mais do que tirou. E vai continuar gastando. É o sonho dele''.

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