São Paulo, domingo, 6 de abril de 1997.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ruralista propõe pacto para reforma

BRUNO BLECHER
Editor do Agrofolha

O presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Luiz Hafers, 61, propõe um pacto entre produtores rurais, os sem-terra e o governo para desatolar a reforma agrária.
``O que causa uma enorme frustração é que todos nós queremos uma reforma agrária decente, mas o processo não evolui'', disse Hafers à Folha.
Disposto a sentar-se à mesa com as lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Hafers acredita que a ampliação do número de assentamentos pode restaurar a confiança e eliminar a tensão no campo.
Para ele, o diálogo é possível desde que o MST suspenda as invasões de terras. ``Esses conflitos só provocam desânimo no campo e incentivam a violência.''
A seguir os principais trechos da entrevista de Hafers à Folha.

Folha - O senhor já fez elogios ao MST e demonstrou simpatia pela causa dos sem-terra. Ainda mantêm esta opinião?
Luiz Hafers -
Não elogiei, apenas reconheci o problema. Mas hoje acho que eles estão exagerando no argumento. E a melhor maneira de se perder a razão é exagerar.
A maioria da sociedade rural e urbana se deu conta que existe um grave problema social no campo. A solução desse problema passa pela situação da agricultura, pela parceria e pela reforma agrária. Vencida essa barreira e contando hoje com a simpatia da sociedade, o MST recrudesceu os seus esforços em atividades fora da lei.
A invasão, que eles chamam de ocupação, é um instrumento de pressão contra o governo, mas a vítima é o fazendeiro. Não concordo com a violência. E a invasão é uma violência.
Folha - Qual é a solução para os conflitos agrários?
Hafers -
Terra não é problema. O que nós mais temos no país é terra. O problema atual é resultado da falta de uma política agrícola nos últimos 30 anos.
A política agrícola tem que atender a segurança alimentar, a segurança social e a segurança cambial. Mas nós não conseguimos convencer a sociedade que a agricultura é uma atividade importante. O que temos hoje são duas agriculturas, dois problemas e duas soluções.
Há uma agricultura de mercado, extremamente competente, mas não tão eficiente no aspecto social, porque não cria muitos empregos. Temos também uma agricultura familiar, que foi abandonada em nome de uma suposta eficiência ortodoxa, embora seja razoável do ponto de vista da produção e muito boa no aspecto social.
Quando a agricultura engasgou, deixou de criar empregos. Isto foi se agravando, veio a crise da dívida, e geramos essa massa de desempregados que forma o movimento sem-terra.
O que esse povo quer é dignidade e oportunidade. E isto a sociedade deve a eles. Mas o MST, que é um movimento político, fala muito mais em expropriação do que em assentamento.
Folha - Já houve alguma tentativa de pacto entre as lideranças rurais e o MST? Ou é impossível esse diálogo?
Hafers -
Não, não é impossível. O que nós queremos é a reforma agrária dentro da ordem, dentro da lei. Fica difícil convencer meus pares da não-violência, quando eles são vítimas da violência. Mesmo o fazendeiro produtivo hoje tem medo das invasões.
Folha - Como o senhor avalia a ação do governo?
Hafers -
Tem melhorado, mas não tem sido suficiente.
Outro dia tive uma reunião com a cúpula do PT na casa do meu primo Eduardo (o senador Eduardo Matarazzo Suplicy). Estavam Eduardo, Marta, José Dirceu e José Graziano. Eles acham que o governo FHC não quer fazer a reforma agrária.
Eu acho o contrário. Já foram assentadas 100 mil famílias. É muita gente. Se fizermos um movimento grande de assentamento este ano e no próximo, vamos restaurar a confiança.
Temos que sair do conflito para gerar soluções.
Folha - A queda dos preços das terras também é resultado das invasões?
Hafers -
Não. Talvez isto aconteça em regiões como o Pontal do Paranapanema.
Folha - A nova lei do ITR pode ser instrumento para a reforma agrária?
Hafers -
Como instrumento sinalizador foi muito importante. Nós apoiamos a nova lei. O conceito era de que o agricultor produtivo ficasse igual e o improdutivo fosse taxado. Acho até que fizemos um favor para o improdutivo.
Folha - Sem a invasão de terras, a reforma agrária teria evoluído?
Hafers -
Acho que sim. Tem muita gente inteligente neste país que sabe da necessidade de um grande avanço agrícola e da importância da reforma agrária. É verdade que o MST conseguiu acelerar o processo. Mas agora eles estão caindo. Acho que podemos fazer uma reforma agrária maior do que deseja o próprio MST.
Folha - Há muita terra improdutiva para ser desapropriada?
Hafers -
Tem de tudo: terra improdutiva, terra que o proprietário quer vender, terra que o sujeito desistiu. Isto é uma coisa que eu não consigo convencer os urbanos. Terra não é o problema. Terra é apenas o botão do terno. Você tem que ter alfaiate, pano, linha, uma porção de coisas. Existe uma quantidade enorme de fazendeiros dispostos a vender suas terras por um preço razoável. Mas os mais radicais do MST acham que se deve tomar a terra. Querem punir. São revanchistas.
Folha - O senhor é contra a desapropriação?
Hafers -
Antes da desapropriação, deve haver uma negociação. Se o governo abrir a boca e oferecer preços razoáveis, se entope de terra.
Folha - Os sem-terra ganharam um grande espaço na mídia, a ponto de virarem personagens de novela. Como conquistaram essa simpatia?
Hafers -
O pobre sempre teve mais simpatia do que o rico. Só que hoje o fazendeiro também está pobre. A imagem do fazendeiro melhorou muito, mas ainda não é boa.
Folha - Por quê o fazendeiro tem uma imagem ruim?
Hafers -
Ele tem medo da mídia e acaba se isolando. O sujeito que mexe com boi é mais rústico. A sociedade urbana tem uma série de preconceitos em relação ao homem do campo.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright 1997 Empresa Folha da Manhã