São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

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ELIO GASPARI

Os laboratórios deram veneno ao PT

O comissário-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, informou que, ao cabo de uma articulação conduzida pelo lobista Laerte de Arruda Correa Jr. (o "Gordo", para os íntimos), os laboratórios farmacêuticos doaram cerca de R$ 1,5 milhão à campanha de Lula. Isso é o que o companheiro diz e não há por que duvidar dele. A lista dos doadores entregue pelo PT ao Tribunal Superior Eleitoral soma R$ 1 milhão em mimos dos laboratórios. Também não há por que deixar de acreditar nela. Está assinada por Delúbio. As duas cifras não batem, e o companheiro anunciou que vai explicar a discrepância.
Acreditando-se no que diz o comissário, os laboratórios farmacêuticos pingaram o equivalente a mais de 20% do custo da campanha de Lula na televisão. Segundo a prestação de contas do PT, todo o serviço de vídeo de Duda Mendonça saiu por R$ 7 milhões.
Fica por conta do comissário Delúbio e do ministro Humberto Costa especular os motivos pelos quais Laerte/"Gordo" e os laboratórios depositaram suas doações à porta do comitê de Lula.
Começando pelo lobista. Ele foi mandado para a cadeia por estar metido nas fraudes de licitações feitas no Ministério da Saúde. Foi solto. A Justiça mandou prendê-lo de novo quando sua sócia tentou sacar R$ 3,5 milhões de uma conta bancária. É o tesoureiro Delúbio quem conta: "Eu o conheci na campanha. Ele ia lá com vários empresários da área. Depois da eleição, veio várias vezes aqui no PT. Disse que queria ficar perto do PT, que queria filiar pessoas ao partido".
Eremildo é um idiota e há dias se pergunta se há uma semelhança entre Sérgio Buarque de Holanda e o "Gordo". Ambos decidiram "ficar perto" do PT. O idiota teme que haja uma enorme di$tância entre as duas proximidades. Tem muito petista que não sabe quem são seus atuais companheiros no esforço de recrutamento de novos militantes.
Pode-se admitir que cifras não batam e que os prontuários dos intermediários deixem a desejar. Sobram os doadores, os laboratórios.
Eles nunca revelaram os motivos e as políticas públicas que os estimularam a dar dinheiro à campanha de Lula. Eles financiaram o PT para não terem José Serra no caminho. O candidato tucano encrencara com eles ao tempo em que foi ministro da Saúde. Uma briga na qual Serra defendeu publicamente o interesse da patuléia.
Um dos doadores de Lula, o laboratório Schering -não confundir com Schering Plough- é figurinha carimbada. É aquele do qual em 1998 saíram alguns milhares de cartelas do anticoncepcional Microvlar com farinha dentro. Quando souberam da anomalia, seus diretores calaram. Disso resultou que centenas de consumidoras engravidaram. O Schering deu R$ 100 mil à campanha de Lula. É mais do que pagará a cada uma das vítimas de sua farinha, com as quais combate valentemente na Justiça.
Serra também brigou com o laboratório Novartis, multinacional suíça. Acusou-o de marretar o preço do remédio Glivec, usado contra um tipo de leucemia. Conseguiu baixar a conta de US$ 2.400 por paciente/mês para US$ 1.620. Gente boa essa. Baixaram em um terço o preço da ciclosporina (Sandimmun) logo que o governo liberou a produção do genérico. Serra atacou o Novartis porque ele aumentou o preço do Cataflan em 35% em apenas 18 meses. Quando se encontrou com o presidente mundial da empresa, disse-lhe, em boas palavras, que sua filial andava metida em maracutaias no Brasil. O Novartis deu outros R$ 100 mil à campanha de Lula.
O "Gordo" facilitou para o comissário Delúbio um suplemento alimentar para bombar a campanha do PT. Era veneno para Lula.

A imperial bagunça da Casa Branca

Saiu um bom livro, bálsamo para quem acredita que a esculhambação nacional é inigualável e irremediável. É "Contra Todos os Inimigos", de Richard Clarke, o czar da máquina antiterrorista do governo americano entre 1992 e 2003. Ele conta o que aconteceu dentro da Casa Branca no dia 11 de setembro de 2001 com um estilo capaz de dar ao leitor a sensação de que estava lá. Lendo-o, aprende-se o seguinte:
. George Bush estava na Flórida na hora do atentado. Passou algumas horas protegido numa base aérea. O vice-presidente, Richard Chenney, assumiu o comando do Centro de Operações de Emergência da Casa Branca e ligou para ele para colocá-lo a par das últimas providências tomadas em Washington. Pffff. As chamadas caíam. Quando Bush chegou à Casa Branca tentou falar com Chenney em outro aparelho. Os sistemas eram incompatíveis.
. Por volta das 12h30, Clarke pediu a um de seus assessores que telefonasse para o Departamento do Tesouro. Era preciso começar a pensar no funcionamento do mercado financeiro no dia seguinte. Pfff. A turma das comunicações da ekipekonômica já se escafedera.
. Em junho de 1993, o presidente Bill Clinton decidiu bombardear a sede do serviço de inteligência do Iraque. Logo que as bombas caíssem em Bagdá, ele pretendia anunciar o ataque, em cadeia nacional de televisão. Perguntou quanto tempo seria necessário para confirmar a destruição do prédio, e os militares responderam: 12 horas. Pediu pressa. Mobilizaram-se agentes, redirecionaram-se satélites e pfff. Clinton foi para o estúdio da Casa Branca e anunciou o bombardeio. Gozou seus assessores, contando como soube do êxito da missão: "Liguei para a CNN. Eles não tinham gente em Bagdá naquela noite, mas um câmera que estava na Jordânia tinha um primo, ou um parente, que vivia perto do prédio e ligou para ele. O sujeito informou que o prédio explodira".

O americano tem proposta. Lula não

O companheiro Lula ainda não sabe o que fazer para facilitar as remessas de dinheiro dos trabalhadores brasileiros que vivem no exterior. Coisa de presidente de país rico.
Preocupado com as tungas dos bancos sobre as economias dos emigrantes latino-americanos, companheiro John Kerry, candidato a presidente dos Estados Unidos, anunciou que tornará obrigatória a divulgação das taxas cobradas aos trabalhadores. Também pretende reduzir os controles do governo federal sobre as remessas.
O plano de Kerry não distingue dinheiro remetido por trabalhadores que cumprem (ou não) as exigências da imigração americana.
Um mundo de cabeça para baixo:
O candidato democrata a presidente dos Estados Unidos quer facilitar as remessas de dinheiro para fora de seu país.
O presidente do Brasil não consegue criar mecanismos formais para que a economia do seu país receba a poupança de trabalhadores que emigraram para conseguir salários e trabalho.
A proposta de Kerry pode ser consultada no seguinte endereço: http://www.johnkerry.com/esp/noticias/comunicados/pr-2003-0630.html

A Shell desiste

A Shell está planejando sua saída do negócio de distribuição de derivados de petróleo no Brasil. É o fim de um empreendimento de 91 anos, que se estende por 4.000 postos de gasolina. A providência faz parte de uma estratégia da multinacional, que decidiu enxugar seus negócios na América Latina. No caso brasileiro, a concha amarela continuará com seus empreendimentos de exploração e produção de petróleo na bacia de Campos.
Ela já vendeu 285 postos para a Agip, mas, se a Petrobras der bom preço, ficará com os demais.
Maravilha da globalização nacional. Anunciou-se a quebra do monopólio estatal e a liberalização do mercado de combustíveis. Tudo isso atrairia investidores estrangeiros. Conseguiu-se produzir o aparelhamento da Petrobras e a proliferação de bibocas predadoras na comercialização da gasolina.

Visão viperina

Previsão de uma víbora para a campanha pela Prefeitura de São Paulo:
"O comitê da campanha pela reeleição de Marta Suplicy é presidido pelo José Serra (com sua pontualidade). O comitê pela eleição de Serra é presidido pela Marta (com sua serenidade). O comportamento da Marta decidirá a eleição do Serra, e o do Serra, a da Marta".

Incentivo à cultura

O mercado editorial brasileiro (inclusive as editoras universitárias) vem pagando um magnífico mico. Até hoje o professor Frank McCann, da Universidade de New Hampshire, não achou quem queira publicar seu livro "Soldiers of the Patria" ("Soldados da Pátria"), uma história do Exército brasileiro entre 1889 e 1937. O livro saiu nos Estados Unidos no ano passado. Há poucos trabalhos sobre o assunto, e esse é, disparado, o melhor. É de McCann um clássico sobre a aliança militar Brasil-Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, também inédito em português.
É natural e benfazejo que pesquisadores estrangeiros estudem a vida nacional. Chato é ter que aprender inglês para ler uma boa história do Exército.

Antropofagia

O chanceler Celso Amorim deve lembrar a alguns de seus principais colaboradores que não fica bem para a diplomacia brasileira ter embaixadores que se dedicam a espinafrar, grosseiramente, as pessoas que formulavam e conduziam a política externa do governo anterior.
Comportamentos desse tipo dão a impressão de que o embaixador do Brasil em Paris, Carlos Alves de Souza, estava certo ao dizer, em 1962, que o Brasil não era um país sério. (Essa frase é equivocadamente atribuída ao general Charles De Gaulle.)
Os interlocutores estrangeiros acabam suspeitando de que os diplomatas brasileiros sejam antropófagos, o que também não é verdade.

Falta de educação

O Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro pode entender de números, mas parece dar pouco valor aos direitos individuais de seus associados.
A um deles, Fernando Alberto Lopes Meza, aconteceu o seguinte:
Em 1979 escreveu ao conselho pedindo que o desligassem da instituição. Passados 25 anos, descobriu que sua carta valia nada e que o CRE conseguira a penhora ou arresto dos seus bens se não pagasse mensalidades atrasadas que somavam algo como R$ 2 mil. Os doutores devem ter gasto mais do que isso com as despesas do processo.
Meza descobriu que, de acordo com a resolução nš 1.638 do CRE, um pobre mortal só pode livrar-se dele se fizer um requerimento e devolver a carteirinha do conselho. Precisa mandar o diploma, para que seja anotado. Até aí, tudo bem. O CRE desrespeita os direitos dos cidadãos quando exige que suas vítimas comprovem que não exercem a profissão, apresentando cópias das três últimas declarações de Imposto de Renda, "mesmo nos casos de isento".
A exigência é autoritária, deselegante e ilegal. Num clube que aceita gente capaz de mostrar sua declaração de Imposto de Renda aos outros, nem Groucho Marx seria capaz de se sentir confortável.

Ave, BNDES

Para um balanço da privataria tucana: a Brasil Ferrovias, que comprou a Novoeste, informou ao BNDES que não tem como pagar os R$ 100 milhões que deve à Viúva pelo arrendamento da estrada que liga Bauru a Corumbá. Também não tem como pagar os R$ 18 milhões anuais contratados em 1996. Em nome da eficiência, mandaram embora cerca de 400 trabalhadores, quase um terço da mão-de-obra privatizada. Demitiram metade dos maquinistas e manobreiros. Esses desempregados, como todos os demais, pagam suas dívidas e ninguém lhes vende fiado.
Para um balanço do privatismo petista: vão bem as conversações entre a Brasil Ferrovias e o bondoso BNDES, com seus 43 novos grupos de trabalho.
A empresa quer reestruturar seus débitos, que somam R$ 1,5 bilhão, avisando que não tem como pagar o que deve nem o que vence. Se a choldra bobear, os direitos dos empregados da falecida Rede Ferroviária levam um tranco.
Os camelôs do Largo da Carioca farão estátuas para o doutor Carlos Lessa, seus antecessores e seus sucessores, quando se descobrir uma fórmula capaz de reestruturar dívida de trabalhador demitido.

Chão de dólares

Bem que o governo poderia tentar descobrir a origem dos US$ 3 milhões encontrados no chão do cofre forte da agência do Citibank de Salvador em setembro passado.
Eles foram deixados pela quadrilha que saqueou os cofres individuais e fugiu às pressas. Ninguém reclamou a falta do ervanário. Suspeita-se que o cafofo tinha poucos donos.


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