São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

Texto Anterior | Índice

NO PLANALTO

Senado oscila entre o inacreditável e o impensável

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No seio de suas estruturas arredondadas, o Congresso produz uma rotina cada vez mais chata. O nada que passeia pelos túneis obscuros de Niemeyer vive de emboscar o interesse público. A penúltima cilada é uma peemedebice. Mais uma.
Sob a cuia emborcada que esconde o plenário do Senado, vai a voto nos próximos dias a indicação do senador Luiz Otávio (PMDB-PA) para o posto de ministro do TCU. Se referendado pelos colegas, Luiz Otávio ocupará simultaneamente duas cadeiras.
Acumulará os assentos de membro do Tribunal de Contas e de réu em processo que corre no STF. À condição de suposto profanador das arcas públicas, o senador agregará a credencial de guardião do erário. Será juiz e suspeito.
Luiz Otávio foi indicado no ano passado. Designou-o o líder do PMDB, Renan Calheiros. Obteve a aquiescência dos demais líderes. Entre eles os petistas Tião Viana e Aloizio Mercadante.
Passou pelo crivo da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado -20 votos a favor; um contra, de Eduardo Suplicy. O placar dilatado não diluiu o constrangimento. Dos 27 titulares da comissão, 11 faltaram à reunião. Tiveram de ser substituídos por suplentes.
Em 2001, Luiz Otávio foi denunciado à Comissão de Ética do Senado. Relatora do processo, a senadora Heloísa Helena, petista insurreta, hoje sem partido, propôs a abertura de processo disciplinar contra o colega. "Tenho farta documentação", dizia.
O processo foi ao arquivo. Mas a idoneidade de Luiz Otávio manteve-se em suspenso. O Senado esquivando-se de enfrentar o mérito das acusações. Alegou-se que as supostas malfeitorias haviam sido praticadas em 1992, ano em que o político paraense ainda não era senador.
Luiz Otávio gerenciava à época uma firma de navegação do sogro, a amazônica Rodomar. Obteve financiamento de cerca de R$ 13 milhões. Grana do BNDES, repassada pelo Banco do Brasil. Serviria para a aquisição de 13 balsas. Jamais foram construídas. Mas Luiz Otávio atestou o recebimento das embarcações.
Investigação da Polícia Federal concluiu que a verba foi malversada. O Ministério Público ofereceu denúncia. A "farta documentação" de que falava Heloísa Helena foi às mãos do então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro. Embora afeiçoado à gaveta, Brindeiro viu-se forçado a remeter a papelada ao STF. O Supremo abriu uma ação penal, ainda em curso.
O advogado Ricardo Luiz Rocha Cubas moveu no ano passado uma ação contra a indicação de Luiz Otávio para o TCU. O juiz federal Guilherme Brito sustou o processo de nomeação. O Senado recorreu. E a sentença foi cassada.
Há 15 dias o TCU enviou ofício ao presidente do Congresso. Em tom polido, o tribunal cobrou de José Sarney uma definição. Sarney foi a Luiz Otávio. Disse-lhe que levaria o assunto ao plenário. "Não vejo razões para abrir mão de uma indicação que não postulei", disse, impávido, Luiz Otávio.
Se aprovado no Senado, o nome será submetido ao escrutínio do plenário da Câmara. Deve passar. O ex-PT não parece disposto a comprar brigas. Na bica de se aposentar, o ministro Humberto Souto abrirá nova vaga no TCU. O substituto virá da Câmara. E o petismo deseja emplacar o deputado José Pimentel (PT-CE).
Passando pelo crivo dos deputados, o nome de Luiz Otávio subirá ao Palácio do Planalto. Lula pode vetá-lo. Mas é improvável que o faça. A despeito das interrogações que envenenam sua biografia, o senador integra o consórcio governista. É padrinho de graduados funcionários da administração do ex-PT.
Um deles, Djalma Bezerra de Mello, é diretor da ADA (Agência de Desenvolvimento da Amazônia), a autarquia que sucedeu a $udam. "O Djalma é meu fraternal amigo há muitos anos, mas não fui eu quem o indicou", exime-se Luiz Otávio. "Indiquei gente sim, mas para a Dataprev [autarquia de processamento de dados da Previdência Social]."
O bom senso desaconselharia a aprovação para o TCU de alguém ainda sujeito a condenação por improbidade. Mas, se o Congresso fosse feito à base de sensatez, talvez faltasse material.
Luiz Otávio está sendo apontado para a vaga do também peemedebista Iram Saraiva. O ex-senador aposentou-se do TCU sob constrangimentos. Foi denunciado pelo Ministério Público. Acusaram-no de ser sócio oculto de uma faculdade goiana, supostamente beneficiada por favores de empreiteiras.
Ouvido na semana passada, Luiz Otávio jurou ao repórter: "Não me beneficiei de nenhum centavo de verba pública. A empresa que dirigi ficou insolvente porque foi perseguida por Jader Barbalho, que governava o Pará. Mas não devemos nada ao BNDES".
Filiado a um PMDB que, no Pará, é controlado pelo mesmo Jader Barbalho que teria sido seu algoz, Luiz Otávio traz o rosto pintado para a guerra. "Fui indicado pelo partido. Não postulei nada. O Senado, se quiser, pode rejeitar o meu nome."
Nos bastidores, o PMDB chegou a tramar candidaturas alternativas ao posto de ministro do TCU. A mais sólida é a da senhora Íris de Araújo. É suplente do senador Maguito Vilela. Suas credenciais? Foi primeira-dama de Goiás. É mulher do ex-governador e ex-senador homônimo Iris Resende (PMDB-GO). O inacreditável seria trocado pelo impensável.



Texto Anterior: Toda Mídia - Nelson de Sá: "Kill Bill"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.