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Dirceu encontrou Morales dias antes da crise do gás
Parlamentares bolivianos dizem que ex-ministro agiu como emissário de Lula
Agenda de presidente da
Bolívia registra reunião com
"alto dirigente do PT", mas
Planalto nega que petista
tenha falado pelo governo
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ
Afastado do governo desde 16
de junho do ano passado e fora
da Executiva do PT, o ex-ministro da Casa Civil e deputado federal cassado José Dirceu manteve encontros políticos na Bolívia em abril, onde teria agido
na condição de emissário do
Palácio do Planalto e tratado do
tema da nacionalização do gás e
do petróleo bolivianos.
Questionado, o Planalto negou ontem que o ex-ministro
estivesse falando em nome do
governo Lula.
Dirceu esteve na capital boliviana nos dias 23 e 24 de abril,
quando a Bolívia vivia a expectativa do anúncio da nacionalização dos hidrocarbonetos. O
decreto seria assinado em seguida, no dia 1º de maio, pelo
presidente Evo Morales, e afetou sobretudo as operações da
Petrobras na Bolívia, como o
aumento da tributação e a nacionalização de duas refinarias
da empresa.
A reportagem da Folha apurou que Dirceu manteve ao menos dois compromissos no dia
23, um domingo: com Morales,
no Palácio de Governo -a
agenda presidencial marca o
encontro às 15h30 e o registra
como "alto dirigente do PT"-,
e uma reunião com seis parlamentares de Podemos (Poder
Democrático e Social), o principal partido de oposição,
quando disse que havia chegado num vôo particular.
A viagem entre São Paulo e
La Paz teria sido feita numa aeronave pertencente à empresa
MMX, de Eike Batista. O empresário é proprietário da EBX,
siderúrgica instalada parcialmente em Puerto Quijarro, a 15
km de Corumbá (MS), e proibida de operar no país pelo governo Morales, sob acusação de
ter começado a ser construída
sem licença ambiental. Batista
anunciou a saída da EBX da Bolívia dois dias depois da visita
de Dirceu, em 25 de abril.
Em 23 de abril, segundo registro do Aeroporto Internacional de El Alto, o único vôo
privado vindo do Brasil chegou
a La Paz às 12h38 locais, proveniente do aeroporto de Guarulhos. O avião, um jato Cessna
Citation 7, prefixo PTOVU, levantou vôo no dia seguinte, às
21h47, e voltou a Guarulhos
com uma escala em Santa Cruz
de la Sierra.
"Ele não veio tratar de negócios, não veio fazer turismo,
não veio por motivos particulares. Ele veio tratar de temas bilaterais entre os governos do
Brasil e da Bolívia", afirmou
um dos parlamentares de Podemos presentes ao encontro,
sob a condição do anonimato.
"Não sei se usou estas palavras,
mas veio definitivamente em
nome do governo do Brasil."
Segundo o relato desse parlamentar da oposição, Dirceu
contou que foi recebido no aeroporto por representantes do
governo. Dali, foi levado à comunidade de Achocalla, na
mesma região do aeroporto,
onde participou de cerimônia
de boas-vindas da etnia aimará,
à qual pertence Morales.
Aos oposicionistas, Dirceu
não mencionou o encontro
com o presidente boliviano,
mas disse que jantaria com
membros da cúpula do governo
e que um dos temas principais
era o projeto de nacionalização. Segundo o parlamentar,
Dirceu não mencionou a EBX
durante a conversa.
A reportagem ligou para o
porta-voz da Presidência boliviana, Alex Contreras, mas ele
desligou o telefone antes do
fim da pergunta sobre o teor do
encontro. Ele não respondeu
ao recado deixado em seguida
na caixa postal do seu celular e
em seu escritório.
"Conversa cortada"
O encontro do ex-ministro
petista com a oposição durou
duas horas e começou por volta
das 17h. O local foi a casa do suplente de senador Andrés Fermín Heredia Guzmán, do departamento (Estado) fronteiriço de Pando, uma região com
forte influência do Brasil.
Dirceu falou sobre a relação
entre Lula e Morales, as eleições no Brasil e ouviu relatos de
preocupação sobre a ingerência
do presidente venezuelano,
Hugo Chávez, na Bolívia. "Foi
uma conversa muito cortada,
ele tinha dois celulares que não
paravam de tocar."
Mas o assunto principal de
Dirceu foi a expectativa em torno da nacionalização dos hidrocarbonetos. Ele avaliou -equivocadamente, hoje se sabe-
que não haveria ações duras
contra o Brasil por causa das
boas relações entre Lula e Morales. "O José Dirceu disse
acreditar que, sob nenhuma hipótese, haveria medidas contra
os interesses do Brasil", afirma
o parlamentar boliviano. "Mas
disse também que, se Evo se
porta mal, "nós vamos embora".
Assim mesmo, em português",
recorda o parlamentar.
Em outra ocasião em que falou como representante do governo, Dirceu se comprometeu
a arranjar um encontro entre
Lula e o líder da oposição, o ex-presidente Jorge "Tuto" Quiroga, o que não ocorreu até agora.
Dirceu "deixou claro que era
mais próximo do governo, mas
que as relações com o PT iam
mal", diz o parlamentar.
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