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REFORMA SOB PRESSÃO
Ex-embaixador dos EUA diz que Brasil é "Estado cartorial"
Gordon critica pressão do Judiciário
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
O economista e ex-embaixador
dos EUA no Brasil Lincoln Gordon afirma que o país "ainda vive
uma democracia falsa" e, nesse
contexto, qualifica como "vergonhosa" a posição de segmentos
do Poder Judiciário que se opõem
à reforma da Previdência.
"O Brasil continua sendo um
Estado cartorial, com poder e privilégios concentrados nas mãos
de poucos e onde a democracia
ainda é exercida por semi-analfabetos no campo e na cidade."
Gordon, 89, foi embaixador no
Brasil entre 1961 e 1966 e acompanhou de perto a decisão americana de dar o sinal verde para o golpe militar que derrubou o presidente João Goulart (1961-64).
Formado em Oxford, Gordon
também lecionou em Harvard e
foi secretário-assistente de Estado
dos EUA durante o governo de
Lyndon Johnson (1963-69).
Diante das recentes ameaças do
MST e de invasões de imóveis no
Brasil, Gordon afirma: "Lula vive
um dilema. Concorde ou não, deveria tomar ações mais sérias para
conter esse tipo de liderança e evitar uma confrontação maior".
Leia entrevista que o ex-embaixador concedeu à Folha:
Folha - Houve uma mudança de
percepção em relação ao Brasil nos
últimos dias. Como o sr. vê esse movimento?
Lincoln Gordon -Não assinaria
embaixo de quem diz que a administração Lula está perdida. Há
dificuldades muito sérias, sem
dúvida, mas elas não vão além do
que ainda pode ser gerenciado.
No lado macroeconômico, apesar
da expectativa de crescimento pequena, o Brasil conseguiu, mais
uma vez, controlar a inflação. Não
consideraria o dólar a R$ 3,10 ou
R$ 3,20 como em um patamar
muito perigoso.
Se a reforma da Previdência for
aprovada agora, mesmo que não
seja a lei que todos esperavam inicialmente, creio que isso terá um
forte impacto positivo.
Folha - Há uma forte pressão de
setores organizados contra a reforma, que pode sair bem pior do se
imaginou?
Gordon - Todo mundo sabe que
tipo de reforma o Brasil precisa
realizar e muita gente conhece as
desigualdades revoltantes que
existem no país. Os chamados
marajás, a irracionalidade do sistema previdenciário e outras contradições. Qual a razão de isso durar tanto tempo? O Brasil continua sendo um Estado cartorial,
com poder e privilégios concentrados nas mãos de poucos e onde
a democracia ainda é exercida por
semi-analfabetos no campo e na
cidade. As coisas mudaram nos
últimos anos, mas os eleitores ainda são manipuláveis.
O Brasil ainda vive uma espécie
de imitação da democracia, uma
democracia falsa. O poder efetivo,
que controla o dinheiro e as decisões importantes, continua concentrado numa classe dominante
relativamente pequena. O país
tem uma classe média pequena e
uma força de trabalho desorganizada. Na América Latina o Brasil é
o país com a maior mobilidade
social, mas isso não é suficiente.
Não há uma circulação da elite.
A resistência de alguns grupos
contra a reforma, especialmente
dos juizes, é vergonhosa. Não há
como defender que esses grupos
tenham uma parcela desproporcional do dinheiro público.
Folha - Como o sr. avalia as ações
recentes do MST e de sem-teto?
Gordon - O tipo de desafio diário
que o MST vem impondo a Lula é
muito duro, já que tradicionalmente o movimento vinha
apoiando politicamente o presidente. Esse apoio ainda não foi
pago, e as reivindicações ocorrem
em tom de confronto e desafio,
embora o MST diga que não está
fazendo nada de ilegal.
As ocupações urbanas na escala
em que estamos vendo também
são algo relativamente novo. No
dia-a-dia, esses assuntos vem ganhando muita publicidade, e isso
não é bom. O fato de Lula ter sido
eleito sem que a sua posse fosse
bloqueada é um sinal de mudança
e maturidade no Brasil. Ele assumiu e tomou atitudes saudáveis.
Não está pregando uma revolução social como algumas pessoas
no MST, como o [João Pedro] Stedile, que quer se livrar dos donos
de terras no Brasil com atitudes
violentas. Lula, concorde ou não,
deveria tomar algumas ações
mais sérias para conter essas lideranças. Está se abrindo um precedente para ações ilegais no país.
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