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São Paulo, quarta-feira, 06 de agosto de 2003

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REFORMA SOB PRESSÃO

Ex-embaixador dos EUA diz que Brasil é "Estado cartorial"

Gordon critica pressão do Judiciário

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

O economista e ex-embaixador dos EUA no Brasil Lincoln Gordon afirma que o país "ainda vive uma democracia falsa" e, nesse contexto, qualifica como "vergonhosa" a posição de segmentos do Poder Judiciário que se opõem à reforma da Previdência.
"O Brasil continua sendo um Estado cartorial, com poder e privilégios concentrados nas mãos de poucos e onde a democracia ainda é exercida por semi-analfabetos no campo e na cidade."
Gordon, 89, foi embaixador no Brasil entre 1961 e 1966 e acompanhou de perto a decisão americana de dar o sinal verde para o golpe militar que derrubou o presidente João Goulart (1961-64).
Formado em Oxford, Gordon também lecionou em Harvard e foi secretário-assistente de Estado dos EUA durante o governo de Lyndon Johnson (1963-69).
Diante das recentes ameaças do MST e de invasões de imóveis no Brasil, Gordon afirma: "Lula vive um dilema. Concorde ou não, deveria tomar ações mais sérias para conter esse tipo de liderança e evitar uma confrontação maior".
Leia entrevista que o ex-embaixador concedeu à Folha:
 

Folha - Houve uma mudança de percepção em relação ao Brasil nos últimos dias. Como o sr. vê esse movimento?
Lincoln Gordon -
Não assinaria embaixo de quem diz que a administração Lula está perdida. Há dificuldades muito sérias, sem dúvida, mas elas não vão além do que ainda pode ser gerenciado. No lado macroeconômico, apesar da expectativa de crescimento pequena, o Brasil conseguiu, mais uma vez, controlar a inflação. Não consideraria o dólar a R$ 3,10 ou R$ 3,20 como em um patamar muito perigoso.
Se a reforma da Previdência for aprovada agora, mesmo que não seja a lei que todos esperavam inicialmente, creio que isso terá um forte impacto positivo.

Folha - Há uma forte pressão de setores organizados contra a reforma, que pode sair bem pior do se imaginou?
Gordon -
Todo mundo sabe que tipo de reforma o Brasil precisa realizar e muita gente conhece as desigualdades revoltantes que existem no país. Os chamados marajás, a irracionalidade do sistema previdenciário e outras contradições. Qual a razão de isso durar tanto tempo? O Brasil continua sendo um Estado cartorial, com poder e privilégios concentrados nas mãos de poucos e onde a democracia ainda é exercida por semi-analfabetos no campo e na cidade. As coisas mudaram nos últimos anos, mas os eleitores ainda são manipuláveis.
O Brasil ainda vive uma espécie de imitação da democracia, uma democracia falsa. O poder efetivo, que controla o dinheiro e as decisões importantes, continua concentrado numa classe dominante relativamente pequena. O país tem uma classe média pequena e uma força de trabalho desorganizada. Na América Latina o Brasil é o país com a maior mobilidade social, mas isso não é suficiente. Não há uma circulação da elite.
A resistência de alguns grupos contra a reforma, especialmente dos juizes, é vergonhosa. Não há como defender que esses grupos tenham uma parcela desproporcional do dinheiro público.

Folha - Como o sr. avalia as ações recentes do MST e de sem-teto?
Gordon -
O tipo de desafio diário que o MST vem impondo a Lula é muito duro, já que tradicionalmente o movimento vinha apoiando politicamente o presidente. Esse apoio ainda não foi pago, e as reivindicações ocorrem em tom de confronto e desafio, embora o MST diga que não está fazendo nada de ilegal.
As ocupações urbanas na escala em que estamos vendo também são algo relativamente novo. No dia-a-dia, esses assuntos vem ganhando muita publicidade, e isso não é bom. O fato de Lula ter sido eleito sem que a sua posse fosse bloqueada é um sinal de mudança e maturidade no Brasil. Ele assumiu e tomou atitudes saudáveis. Não está pregando uma revolução social como algumas pessoas no MST, como o [João Pedro] Stedile, que quer se livrar dos donos de terras no Brasil com atitudes violentas. Lula, concorde ou não, deveria tomar algumas ações mais sérias para conter essas lideranças. Está se abrindo um precedente para ações ilegais no país.


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