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Acordo marca expectativa de ser "potência", diz estudioso
Acerto para a compra de submarinos é o mais importante desde o fim da Guerra Fria
João Roberto Martins Filho
diz que pacote militar faz parte "do interesse do Brasil de afirmar uma política sem hegemonia americana"
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
O acordo que será assinado
amanhã com a França é o mais
importante na área militar desde o fim da Guerra Fria e o primeiro entre governos desde o
negociado com a Alemanha, há
34 anos, lembra João Roberto
Martins Filho, especialista em
história e estratégia militares
que coordena o Arquivo de Política Militar Ana Lagôa, da
UFSCar (Universidade Federal
de São Carlos).
"O acordo marca a retomada
da expectativa do Brasil de ser
uma potência mundial nas próximas décadas", diz Martins Filho, que é vice-presidente do
Comitê de Pesquisa sobre Forças Armadas e Sociedade da Associação Internacional de
Ciência Política. Autor de três
livros sobre a ditadura militar,
ele prepara o lançamento de "A
Marinha Brasileira na Era dos
Encouraçados".
FOLHA - Historicamente, qual a importância do acordo com a França?
JOÃO ROBERTO MARTINS FILHO - Só
há dois precedentes, o acordo
nuclear com a Alemanha, em
1975, e o acordo com os Estados
Unidos, de 1952 [e que foi denunciado no governo do general Ernesto Geisel, quando já
estava inoperante]. É o primeiro acordo militar entre o governo brasileiro e outro governo
no período pós-Guerra Fria.
FOLHA - No que ele difere do acordo com os EUA dos anos 50?
MARTINS FILHO - O nível de capacidade tecnológica que o Brasil
tinha na época levou o país a
aceitar receber material militar
já obsoleto. No final dos anos
50, foram entregues navios fabricados na Segunda Guerra.
O acordo marca a retomada
da expectativa do Brasil de ser
uma potência mundial nas próximas décadas, o que implica
conseguir certa autonomia tecnológica. Isso está sintetizado
na possibilidade de construção
do submarino nuclear.
FOLHA - Há implicações para as relações com os EUA, na área militar?
MARTINS FILHO - Esse acordo é
resultado tanto de um interesse da França em ter esse tipo de
relação privilegiada com o Brasil, quanto do interesse do Brasil de afirmar uma política sem
hegemonia americana. Ele vai
contrariar não só interesses estratégicos americanos como interesses das indústrias naval e
aeronáutica americanas.
FOLHA - O acordo corresponde a intenções políticas do atual governo,
ou seus fins são compartilhados pelos militares?
MARTINS FILHO - Vejo uma convergência das visões das Forças
e do Ministério da Defesa.
FOLHA - Segundo seus estudos, a
Marinha foi a primeira Força a expressar intenção de maior independência em relação aos EUA. Como?
MARTINS FILHO - Antes do final
da Guerra Fria, nos anos 70,
dois almirantes publicaram um
texto, confidencial, em que diziam que o Brasil deveria procurar se afastar das amarras da
visão hegemônica americana.
Nessa visão, que previa uma
guerra entre as superpotências
da época [EUA e União Soviética], sobrava muito pouco papel
para o Brasil, que queria começar a pensar em termos de
ameaças regionais.
FOLHA - Do ponto de vista da França, o interesse é realmente estratégico e comercial?
MARTINS FILHO - A França tem
interesse estratégico político e
industrial. Há um conjunto de
benefícios que ela poderia tirar
de uma aliança com o Brasil,
que tem economia considerável, para conseguir a boa vontade do país em outras áreas.
Mas o acordo também lhe
causa problemas na União Europeia. Provocou tensões com a
Alemanha, que forneceu ao
Brasil os submarinos da classe
Tikuna e está por trás dos questionamentos feitos agora.
FOLHA - Por que o senhor diz que
seria impossível um acordo igual
com os EUA?
MARTINS FILHO - Nos EUA existem restrições maiores à transferência tecnológica e não haveria a possibilidade de um
acordo em nível de governos.
FOLHA - Por quê?
MARTINS FILHO - Porque os EUA
não têm interesse em fazer um
acordo que destaque o Brasil na
América do Sul, onde vêm privilegiando a Colômbia, e porque o foco de sua política está
no Iraque e no Afeganistão.
O acordo com a França é tão
significativo que [o presidente
colombiano Álvaro] Uribe cobrou [explicações de Lula, para
se contrapor às críticas ao acordo que permitirá aos EUA o uso
de sete bases na Colômbia]. A
diferença é que os franceses
não disporão de bases aqui.
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