São Paulo, sexta-feira, 06 de outubro de 2000

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JANIO DE FREITAS

O fardo inútil

A cada vez que um setor do governo repete uma conta relativa à vida nacional, fica-se sabendo que os números verdadeiros, menos incompatíveis com a realidade social e econômica, são bem piores do que os propalados antes. Assim acaba de acontecer com o pretenso crescimento econômico do país em 99, dado como já desastroso 1,12%, mas corrigido agora pelo IBGE para 0,79%. Ou seja, nada, no país que precisaria crescer mais de 6% a cada ano, para recuperar tempo perdido.
A correção se reflete nos números relativos à população. Como o pretenso crescimento econômico ficou aquém do crescimento de 1,33% da população, o "brasileiro empobreceu de novo em 99", na fórmula de um título da Folha, com o segundo ano consecutivo de diminuição da renda per capita.
Isso seria suficiente para contestar a afirmação, feita a propósito por Armínio Fraga, presidente do Banco Central, de que "a carga tributária no Brasil não é exagerada" (entendido como carga tributária o montante dos impostos pagos, em relação ao PIB ou valor total dos produtos e serviços feitos no ano). Os brasileiros pagaram impostos, em 99, correspondentes a 31,67% do valor do PIB, a imensidão de um terço.
Apanhado pela revisão das contas, que denunciam a contramão da política econômica - ou a ausência de políticas econômica e social -, o governo vem logo com um malabarismo ilusório. O peso dos impostos em relação ao PIB é muito alto, sim, e no governo Fernando Henrique Cardoso cresce sem interrupção há cinco para seis anos.
Na maior parte dos países desenvolvidos a carga dos impostos alcança percentuais até maiores do que no Brasil. Mas o que Armínio Fraga desconsidera, em nome do governo e do adoçamento da realidade, é que o montante de impostos, em relação ao PIB ou a qualquer outro indicador, não é avaliável por si só. Os países desenvolvidos devolvem aos habitantes os impostos pagos e lhes dão ainda muito mais. Em assistência médica e hospitalar, em educação primorosa e ampla para os filhos, em aposentadorias que respeitam a vida trabalhada, em serviços especiais para idosos, em segurança eficaz e em toda a infra-estrutura que assegura a melhor qualidade nas condições de vida. O que a população paga em impostos lhe sai barato, em relação ao que recebe.
O que faz o governo com a carga tributária aplicada à população está expresso, também, em índices. Dos quais o de desenvolvimento humano pode resumir muitos dos outros: o Brasil é o 78º na lista, perde até para republiquetas aqui do continente. Desnecessário, pois, lembrar o quanto o montante de impostos pagos passa distante da assistência médico-hospitalar, de aposentadorias honestas, da educação pública, da segurança, das condições de vida em geral.
Logo, os 31,67% de carga tributária no Brasil representam muito mais para o brasileiro do que 40% em país europeu, e mesmo mais. Negá-lo não é só negar a evidência, é também distorcê-la para que não seja reconhecida como obra governamental.



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