São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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JANIO DE FREITAS

Caminhos do voto

Fim de campanha eleitoral tem sempre um toque melancólico, impermeável às celebrações. O princípio das eleições não é a justiça, que pode acontecer ou não, sem que sua ausência diminua a validade formal do resultado. Muitos dos que mereceriam o êxito não o têm, e a falta de reconhecimento é sempre triste, pela dose de injustiça que nunca lhe falta, mesmo quando involuntário, e às vezes de ingratidão.
Bons candidatos não faltam. O problema está na facilidade muito maior que os maus candidatos têm para eleger-se, pela falta de escrúpulos no ludibriar o eleitorado e pela maior facilidade de recursos, por se prestarem a retribuições sem limites. Campanha muito farta para parlamentar só raramente falha como indicador de mau candidato.
A escolha, pelo eleitor, coerente com suas idéias e aspirações depende de informação. E o eleitorado brasileiro está entre os menos informados. Em parte, pelas características que a mídia adotou desde o fim das restrições impostas pelo regime militar. Em vários sentidos, é como se tais restrições estivessem vigentes ainda, apenas menos fortes. A vida diária do Congresso, por exemplo, é o mais fértil (e interessante) fator de conhecimento político geral e, no entanto, é mais ignorada pelos jornais do que ao tempo do regime militar. A mídia só tem olhos para uma ou outra votação, dependendo dos interesses em jogo, e para casos esporádicos, escandalosos de preferência. Dos três Poderes, a imprensa brasileira só identifica vida na Presidência da República e, nos anos recentes, se o reconhecimento funda-se na pessoa do presidente.
A par dessa falência indeclarada do jornalismo dito político, entre outras expressas na venda insignificante dos jornais no Brasil, a dimensão do próprio eleitorado dificulta, se não impossibilita, um razoável padrão médio de informação. Além de serem 115 milhões de eleitores, integram uma população em que só um quarto das pessoas compreende, de fato, o que "lê" em um texto vulgar.
A combinação de tais condicionantes explicaria, por si só, a piora do nível cultural e ético da atividade parlamentar, igualmente nos planos federal, estadual e municipal. Mas há ainda a influência dos reflexos da degenerescência cultural do país em todos os aspectos possíveis do que, bem ou mal, se chame de cultura.

Cuidados
Uma das peculiaridades da campanha eleitoral para a Presidência: o governo foi muito poupado de modo geral e, em particular, Fernando Henrique Cardoso e Pedro Malan, que são, afinal, os responsáveis pela insatisfação dos 77% que se declaram desejosos de um governo diferente do atual. Uma proporção fantástica, mais de 3/4 dos cidadãos, quase 8 em cada 10.
A pregação de mudança, a que mesmo o candidato do governo precisou recorrer, eventualmente até de maneira explícita, foi feita pelos candidatos, digamos, mudancistas com o mínimo possível de referências às responsabilidades presidenciais e governamentais pelo agravamento que precisa ser revertido.
Foi como se houvesse os feitos sem autores. Um evidente cuidado para não ativar as iras da mídia e dos poderosos setores beneficiados pela política financeira e antieconômica.

Outro placar
Dentro da disputa entre candidatos transcorreu a disputa privada, disseram que "a guerra baiana", entre os marqueteiros Nizan Guanaes, de José Serra, e Duda Mendonça, de Lula da Silva.
O acompanhamento, feito pelo Datafolha, da avaliação de cada horário eleitoral deu a Duda uma vitória afirmada desde o primeiro ao último programa, sem uma só interrupção e, em geral, com vantagem ampla (chegou a 80% de aprovação contra 52%). Nizan Guanaes, perto do final, perdeu o segundo para Anthony Garotinho, marqueteiro de si mesmo, e chegou ao programa de encerramento já em situação de empate no último lugar.
Até aqui, porém, Nizan Guanaes foi frequentemente vitorioso, e Duda Mendonça nem sempre teve o êxito de agora. O que prova que os propalados saberes e poderes do marketing político são frutos, sobretudo, do marketing de si mesmo. Ainda bem, para a vida política.



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