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ENTREVISTA
FERNANDO
LIMONGI
PT bateu no teto em São Paulo e deve perder, afirma estudioso
Fernando Limongi diz que disputa Kassab-Alckmin não rachou bloco de centro-direita
MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO
O PT bateu em seu teto eleitoral em São
Paulo e não deve vencer a eleição para
prefeito. A avaliação é de Fernando Limongi, 50, professor titular do Departamento de Ciência Política da USP, que publicou, com
a cientista política Lara Mesquita, uma análise sobre
"As eleições municipais em São Paulo entre 1985 e
2004" na revista "Novos Estudos" do Cebrap nº 81.
Em seu estudo, Limongi e
Mesquita argumentam que são
os eleitores de centro que decidem as eleições em São Paulo,
"inclinando-se ora à direita, ora
à esquerda", mas, na disputa
entre PSDB e PT, o primeiro
tem levado vantagem sobre o
segundo. Essa vantagem não
lhe garante uma vitória de antemão, porque a competição
entre os dois partidos é muito
equilibrada: basta uma pequena perturbação na distribuição
das preferências para alterar o
resultado. Como explica Limongi na entrevista a seguir,
concedida na quarta-feira passada, o confronto entre Geraldo Alckmin (PSDB) e Gilberto
Kassab (DEM) não produziu
nenhuma fratura irreversível
nesse eleitorado, capaz de possibilitar uma vitória do PT:
FOLHA - O sr. observa que Paulo
Maluf vinha conseguindo bloquear
a emergência de outros líderes de direita em São Paulo -como Antônio
Ermírio em 1986 e Romeu Tuma em
2000. Agora, a passagem de Gilberto Kassab ao segundo turno é um sinal de que a direita conseguiu se renovar na cidade ou o DEM paulistano é só uma sublegenda do PSDB?
FERNANDO LIMONGI - É cedo para
uma avaliação. É impossível saber hoje qual vai ser o futuro
político do Kassab e se ele vai
ganhar autonomia em relação
ao PSDB e a José Serra. É óbvio
que no momento ele só decolou
porque contou com esse apoio,
com a estrutura de campanha
que ele recebeu do Serra. A
equipe que fez a campanha dele
é a equipe do Serra. Você não
sabe o que Kassab vai ser, se em
algum momento ele vai ganhar
autonomia ou se vai ficar como
uma criatura do Serra.
O que eu acho interessante é
que, no fundo, o PSDB é o herdeiro de Paulo Maluf. Na verdade, a história seria um pouco
assim: você teve uma polarização Maluf/anti-Maluf, na qual
o PT se constituiu na força anti-Maluf e, quando o Maluf cai, a
clivagem passa a ser PT/anti-PT. Você não consegue ver o
PSDB ainda, embora ele esteja
crescendo, com uma imagem
muito clara, que o defina como
um pólo. Eu acho que essa ascensão do Kassab aponta para
essa fragilidade do PSDB.
FOLHA - O sr. acha que o PSDB ainda não se consolidou como representante do centro na cidade?
LIMONGI - Tem um certo mistério aí, há uma certa dificuldade
de definir qual é a base eleitoral
do PSDB. Não é fácil encontrar
o que seria essa estrutura partidária-eleitoral que sustenta o
PSDB. Ele teve muita dificuldade para se pôr de pé. Mesmo
com o deslanche nas eleições
nacionais a partir de 1994, ainda assim o PSDB teve dificuldades tanto na cidade como no
Estado de São Paulo. Você não
pode esquecer que Mário Covas quase foi derrotado na tentativa de se reeleger em 1998.
Passou para o segundo turno
cabeça a cabeça com a Marta. A
base do PSDB não é clara. Ele
herdou um eleitorado, mas não
se sabe se ele conseguiu controlar esse eleitorado.
Vamos fazer uma comparação. Você teve facções saindo
do PT e competindo com o PT.
Primeiro a Luiza Erundina, que
foi mais forte, que em 2000 teve uma votação significativa,
mas que volta inteiramente ao
PT no segundo turno. Agora você tem o PSOL, que bem ou mal
é uma facção, uma dissidência
que saiu do PT e lançou candidatura. E não se estabeleceu.
É óbvia a comparação com o
Kassab. Você pode pensar: o
que é o Kassab? Uma facção do
PSDB que conseguiu, por fora
do partido, conquistar votos
dos peessedebistas. A suposição é que quem está votando
Marta agora é quem votou em
Lula e Mercadante em 2006. O
eleitor do PT está mantido: a
projeção para o segundo turno
da Marta é basicamente o que
Lula teve no segundo turno na
cidade de São Paulo em 2006. O
eleitorado está sobrevivendo a
tentativas de dissidências do
PT à esquerda, e está muito estável. Já o eleitor do PSDB já esteve com Maluf, com o próprio
PSDB e agora se dividiu entre
Alckmin e Kassab. Quando você olha as pesquisas por nível
de escolaridade e renda, você vê
que a Marta dá de lavada nos
estratos de educação e renda
mais baixa, e Kassab mais Alckmin dão de lavada nos estratos
de educação e renda mais alta.
Essas grandes tendências vão
se confirmando. O mercado
eleitoral está muito previsível:
o desempenho do PT é notável,
mas mesmo assim está batendo
no teto na cidade de São Paulo.
Lula em 2006 teve 32,8% na cidade de São Paulo, e a projeção
para Marta é essa: 40 e tantos
por cento no segundo turno.
FOLHA - As últimas pesquisas de
intenção de voto indicam que Marta
perderia no segundo turno tanto para Kassab como para Alckmin.
LIMONGI - Quer dizer que o eleitor é Kassab-Alckmin. E como
eles têm garantia de que vão ao
segundo turno, não precisam
coordenar agora. Então podem
se dividir. No início da campanha, a chance do PT era justamente explorar essa divisão, ou
que essa divisão permitisse ao
PT adentrar no campo de centro-direita. Aparentemente a
campanha não provocou esse
tipo de resultado. Você tem
eleições em que isso acaba afetando. Como a decisão é muito
equilibrada, e se dá numa faixa
de eleitorado muito específica,
se você penetra um pouco mais
numa faixa do eleitorado, você
pode virar a eleição. Essa briga
poderia ser a forma de o PT sair
desse teto, além de todo o atual
boom econômico. Mas a cidade
de São Paulo é impressionante:
muito estável e muito inclinada
para a direita. E isso desde a
eleição de Fernando Collor.
Se você pegar a eleição de
1989, no segundo turno, a cidade de São Paulo está completamente fora do esquadro em relação aos outros grandes centros urbanos do país. Ela é mais
Collor do que o esperado por
renda, população urbana etc.
No fundo, foi isso que garantiu
a eleição de Collor. Enquanto
Brasília e Rio de Janeiro são o
contrário -sempre desviam
para a esquerda. E a explicação
é mais a força da burocracia estatal, do funcionalismo público.
FOLHA - Por que o eleitorado de
centro aprova Lula, mas não Marta?
LIMONGI - São coisas independentes. Você pergunta: você
aprova o governo Lula? Aprovo. Você vota no Lula? Não necessariamente. Você tem que
fazer a comparação: como seria
se o PSDB estivesse na Presidência. Você pode muito bem
gostar do governo Lula, mas
achar que, se o presidente fosse
outro, as coisas estariam ainda
melhores. É óbvio que o prestígio do Lula é imenso. Ele tem
mais votos do que o PT -sempre teve. A questão, mais para a
frente, é saber o quanto será
um cabo eleitoral importante
para eleger o seu sucessor.
Kassab saiu do traço, saiu
praticamente do zero. Se você
tem uma administração bem
avaliada e monta uma boa campanha, o eleitorado sabe reconhecer. Você pode pensar: o
Lula está perdendo aqui, não
está transferindo voto. Mas se
ele chegar à eleição presidencial como está hoje e lançar um
candidato, ele tem como tirar
Dilmas do chão. Não é difícil. Se
você tirou Kassab do chão, você
tira qualquer coisa. Não é a primeira vez. Maluf tirou o Pitta
do chão. O eleitor é inteligente:
se há uma administração bem
avaliada, o eleitor se pergunta:
por que eu devo mudar?
FOLHA - O sr. observa que o PT não
perdeu em 1992 por causa da "reação da classe média", mas devido a
uma deserção dos eleitores de baixa
renda da periferia. O sr. tem uma interpretação sobre esse fenômeno?
LIMONGI - Não, realmente isso
é estranho. O PT aparentemente não segura parte do voto da
periferia. O problema é que,
mais adiante, esse eleitor volta
para o PT. Se o PT não segurou
esse eleitor naquele momento,
depois ele pegou e não largou
mais. Se você compara Marta
em 2000 e 2004, cresce bem o
voto na classe mais baixa.
FOLHA - E perde votos no centro.
LIMONGI - Perdeu votos na classe média. Que é muita extensa,
não é? O problema está em saber onde está essa classe média
que está fazendo a diferença.
FOLHA - As pesquisas indicam que
as chances de Kassab são melhores.
LIMONGI - Isso só confirma a
análise que a gente fez. O PT só
vence o PSDB na cidade de São
Paulo em 2002, quando Lula
derrota o Serra. Mas já o Alckmin derrota o Genoino na cidade, e nos dois turnos. Tem um
eleitor que flutua entre o PSDB
e o PT. Em 2002 teve gente que
votou em Alckmin para governador e Lula para presidente.
Mas mesmo quando o PT está
crescendo e o PSDB está no seu
pior momento, ainda assim foi
só para presidente que o PT ganhou. E só o Lula, e uma vez só,
porque Alckmin ganha do Lula
no primeiro e no segundo turno na cidade de São Paulo. A
chance de o PT vencer era ou
bem o governo do PT redundar
em avanços para a Marta ou a
divisão do PSDB-DEM criar
uma fissura pela qual o PT pudesse conquistar eleitores desse grupo. Aparentemente isso
não se confirmou. O PT bateu
no seu teto e não vai vencer. Em
2006, no segundo turno, o Lula
bateu em 43,2% e Alckmin teve
51,6%. Essa diferença de oito
pontos percentuais é pequena:
bastaria ganhar quatro pontos
percentuais para empatar. É
pouca gente. Mas o mais fantástico é que a diferença não se
mexeu, e parece que não vai se
mexer. Está sólida como rocha.
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