São Paulo, segunda-feira, 06 de outubro de 2008

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ENTREVISTA

FERNANDO LIMONGI


PT bateu no teto em São Paulo e deve perder, afirma estudioso

Fernando Limongi diz que disputa Kassab-Alckmin não rachou bloco de centro-direita

MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO

O PT bateu em seu teto eleitoral em São Paulo e não deve vencer a eleição para prefeito. A avaliação é de Fernando Limongi, 50, professor titular do Departamento de Ciência Política da USP, que publicou, com a cientista política Lara Mesquita, uma análise sobre "As eleições municipais em São Paulo entre 1985 e 2004" na revista "Novos Estudos" do Cebrap nº 81.

Em seu estudo, Limongi e Mesquita argumentam que são os eleitores de centro que decidem as eleições em São Paulo, "inclinando-se ora à direita, ora à esquerda", mas, na disputa entre PSDB e PT, o primeiro tem levado vantagem sobre o segundo. Essa vantagem não lhe garante uma vitória de antemão, porque a competição entre os dois partidos é muito equilibrada: basta uma pequena perturbação na distribuição das preferências para alterar o resultado. Como explica Limongi na entrevista a seguir, concedida na quarta-feira passada, o confronto entre Geraldo Alckmin (PSDB) e Gilberto Kassab (DEM) não produziu nenhuma fratura irreversível nesse eleitorado, capaz de possibilitar uma vitória do PT:

 

FOLHA - O sr. observa que Paulo Maluf vinha conseguindo bloquear a emergência de outros líderes de direita em São Paulo -como Antônio Ermírio em 1986 e Romeu Tuma em 2000. Agora, a passagem de Gilberto Kassab ao segundo turno é um sinal de que a direita conseguiu se renovar na cidade ou o DEM paulistano é só uma sublegenda do PSDB?
FERNANDO LIMONGI
- É cedo para uma avaliação. É impossível saber hoje qual vai ser o futuro político do Kassab e se ele vai ganhar autonomia em relação ao PSDB e a José Serra. É óbvio que no momento ele só decolou porque contou com esse apoio, com a estrutura de campanha que ele recebeu do Serra. A equipe que fez a campanha dele é a equipe do Serra. Você não sabe o que Kassab vai ser, se em algum momento ele vai ganhar autonomia ou se vai ficar como uma criatura do Serra. O que eu acho interessante é que, no fundo, o PSDB é o herdeiro de Paulo Maluf. Na verdade, a história seria um pouco assim: você teve uma polarização Maluf/anti-Maluf, na qual o PT se constituiu na força anti-Maluf e, quando o Maluf cai, a clivagem passa a ser PT/anti-PT. Você não consegue ver o PSDB ainda, embora ele esteja crescendo, com uma imagem muito clara, que o defina como um pólo. Eu acho que essa ascensão do Kassab aponta para essa fragilidade do PSDB.

FOLHA - O sr. acha que o PSDB ainda não se consolidou como representante do centro na cidade?
LIMONGI
- Tem um certo mistério aí, há uma certa dificuldade de definir qual é a base eleitoral do PSDB. Não é fácil encontrar o que seria essa estrutura partidária-eleitoral que sustenta o PSDB. Ele teve muita dificuldade para se pôr de pé. Mesmo com o deslanche nas eleições nacionais a partir de 1994, ainda assim o PSDB teve dificuldades tanto na cidade como no Estado de São Paulo. Você não pode esquecer que Mário Covas quase foi derrotado na tentativa de se reeleger em 1998. Passou para o segundo turno cabeça a cabeça com a Marta. A base do PSDB não é clara. Ele herdou um eleitorado, mas não se sabe se ele conseguiu controlar esse eleitorado. Vamos fazer uma comparação. Você teve facções saindo do PT e competindo com o PT.
Primeiro a Luiza Erundina, que foi mais forte, que em 2000 teve uma votação significativa, mas que volta inteiramente ao PT no segundo turno. Agora você tem o PSOL, que bem ou mal é uma facção, uma dissidência que saiu do PT e lançou candidatura. E não se estabeleceu.
É óbvia a comparação com o Kassab. Você pode pensar: o que é o Kassab? Uma facção do PSDB que conseguiu, por fora do partido, conquistar votos dos peessedebistas. A suposição é que quem está votando Marta agora é quem votou em Lula e Mercadante em 2006. O eleitor do PT está mantido: a projeção para o segundo turno da Marta é basicamente o que Lula teve no segundo turno na cidade de São Paulo em 2006. O eleitorado está sobrevivendo a tentativas de dissidências do PT à esquerda, e está muito estável. Já o eleitor do PSDB já esteve com Maluf, com o próprio PSDB e agora se dividiu entre Alckmin e Kassab. Quando você olha as pesquisas por nível de escolaridade e renda, você vê que a Marta dá de lavada nos estratos de educação e renda mais baixa, e Kassab mais Alckmin dão de lavada nos estratos de educação e renda mais alta.
Essas grandes tendências vão se confirmando. O mercado eleitoral está muito previsível: o desempenho do PT é notável, mas mesmo assim está batendo no teto na cidade de São Paulo. Lula em 2006 teve 32,8% na cidade de São Paulo, e a projeção para Marta é essa: 40 e tantos por cento no segundo turno.

FOLHA - As últimas pesquisas de intenção de voto indicam que Marta perderia no segundo turno tanto para Kassab como para Alckmin.
LIMONGI
- Quer dizer que o eleitor é Kassab-Alckmin. E como eles têm garantia de que vão ao segundo turno, não precisam coordenar agora. Então podem se dividir. No início da campanha, a chance do PT era justamente explorar essa divisão, ou que essa divisão permitisse ao PT adentrar no campo de centro-direita. Aparentemente a campanha não provocou esse tipo de resultado. Você tem eleições em que isso acaba afetando. Como a decisão é muito equilibrada, e se dá numa faixa de eleitorado muito específica, se você penetra um pouco mais numa faixa do eleitorado, você pode virar a eleição. Essa briga poderia ser a forma de o PT sair desse teto, além de todo o atual boom econômico. Mas a cidade de São Paulo é impressionante: muito estável e muito inclinada para a direita. E isso desde a eleição de Fernando Collor.
Se você pegar a eleição de 1989, no segundo turno, a cidade de São Paulo está completamente fora do esquadro em relação aos outros grandes centros urbanos do país. Ela é mais Collor do que o esperado por renda, população urbana etc. No fundo, foi isso que garantiu a eleição de Collor. Enquanto Brasília e Rio de Janeiro são o contrário -sempre desviam para a esquerda. E a explicação é mais a força da burocracia estatal, do funcionalismo público.

FOLHA - Por que o eleitorado de centro aprova Lula, mas não Marta?
LIMONGI
- São coisas independentes. Você pergunta: você aprova o governo Lula? Aprovo. Você vota no Lula? Não necessariamente. Você tem que fazer a comparação: como seria se o PSDB estivesse na Presidência. Você pode muito bem gostar do governo Lula, mas achar que, se o presidente fosse outro, as coisas estariam ainda melhores. É óbvio que o prestígio do Lula é imenso. Ele tem mais votos do que o PT -sempre teve. A questão, mais para a frente, é saber o quanto será um cabo eleitoral importante para eleger o seu sucessor.
Kassab saiu do traço, saiu praticamente do zero. Se você tem uma administração bem avaliada e monta uma boa campanha, o eleitorado sabe reconhecer. Você pode pensar: o Lula está perdendo aqui, não está transferindo voto. Mas se ele chegar à eleição presidencial como está hoje e lançar um candidato, ele tem como tirar Dilmas do chão. Não é difícil. Se você tirou Kassab do chão, você tira qualquer coisa. Não é a primeira vez. Maluf tirou o Pitta do chão. O eleitor é inteligente: se há uma administração bem avaliada, o eleitor se pergunta: por que eu devo mudar?

FOLHA - O sr. observa que o PT não perdeu em 1992 por causa da "reação da classe média", mas devido a uma deserção dos eleitores de baixa renda da periferia. O sr. tem uma interpretação sobre esse fenômeno?
LIMONGI
- Não, realmente isso é estranho. O PT aparentemente não segura parte do voto da periferia. O problema é que, mais adiante, esse eleitor volta para o PT. Se o PT não segurou esse eleitor naquele momento, depois ele pegou e não largou mais. Se você compara Marta em 2000 e 2004, cresce bem o voto na classe mais baixa.

FOLHA - E perde votos no centro.
LIMONGI
- Perdeu votos na classe média. Que é muita extensa, não é? O problema está em saber onde está essa classe média que está fazendo a diferença.

FOLHA - As pesquisas indicam que as chances de Kassab são melhores.
LIMONGI
- Isso só confirma a análise que a gente fez. O PT só vence o PSDB na cidade de São Paulo em 2002, quando Lula derrota o Serra. Mas já o Alckmin derrota o Genoino na cidade, e nos dois turnos. Tem um eleitor que flutua entre o PSDB e o PT. Em 2002 teve gente que votou em Alckmin para governador e Lula para presidente. Mas mesmo quando o PT está crescendo e o PSDB está no seu pior momento, ainda assim foi só para presidente que o PT ganhou. E só o Lula, e uma vez só, porque Alckmin ganha do Lula no primeiro e no segundo turno na cidade de São Paulo. A chance de o PT vencer era ou bem o governo do PT redundar em avanços para a Marta ou a divisão do PSDB-DEM criar uma fissura pela qual o PT pudesse conquistar eleitores desse grupo. Aparentemente isso não se confirmou. O PT bateu no seu teto e não vai vencer. Em 2006, no segundo turno, o Lula bateu em 43,2% e Alckmin teve 51,6%. Essa diferença de oito pontos percentuais é pequena: bastaria ganhar quatro pontos percentuais para empatar. É pouca gente. Mas o mais fantástico é que a diferença não se mexeu, e parece que não vai se mexer. Está sólida como rocha.


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