São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ FUNDOS DE PENSÃO

Presidentes da Previ, Petros e Funcef descartam ligação com escândalo do "mensalão"

Fundos de pensão negam sofrer ingerência política

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sérgio Rosa, Wagner Pinheiro e Guilherme Lacerda presidem, respectivamente, Previ, Petros e Funcef, os três maiores fundos de pensão do país. Ligados ao PT, os três têm pelo menos outros dois pontos em comum: dirigem fundações investigadas pelas CPIs dos Correios e do "Mensalão" e, juntos, ganharam a briga contra o banqueiro Daniel Dantas (Opportunity) pelo controle da empresa Brasil Telecom.
A Folha ouviu os três sobre a briga com o Opportunity, a suposta ingerência do governo federal nas decisões das fundações e as investigações das CPIs.
Os presidentes de Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa Econômica Federal) têm opiniões semelhantes em praticamente todos os aspectos mencionados: a motivação dos parlamentares da oposição para investigar os fundos nas CPIs é política, eles herdaram vários "esqueletos" dos administradores de fundos durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o Opportunity cometeu várias irregularidades na gestão da Brasil Telecom.
"Sempre existe um jogo político, a oposição tentando desqualificar ou descaracterizar tudo aquilo que é feito no governo atual. Mesmo a gente sabendo que existe esse jogo político entre oposição e situação, acho que tem de haver equilíbrio, objetividade, tem que ter honestidade na análise dos dados", declarou Sérgio Rosa, em relação às investigações feitas pelas CPIs.
Os integrantes das CPIs desconfiam que os fundos de pensão possam ter repassado irregularmente recursos para campanhas políticas. Juntamente com o Citibank, os fundos de pensão conseguiram na Justiça destituir o Opportunity do comando da Brasil Telecom. Há um mês, as fundações indicaram nova administração para a tele.
Os três sustentam que as gestões anteriores não foram boas: "Herdamos aqui uma "cova do demônio". É muito esqueleto. Somos um dos fundos que mais têm esqueletos", diz Lacerda.
Eles criticam a gestão do Opportunity à frente da Brasil Telecom -"nunca recebemos dividendos das empresas nem a valorização delas foi tão expressiva assim quanto dizem", afirma Sérgio Rosa- e mencionam a existência de indícios de irregularidades na empresa, os fundos citam a formação do consórcio Voa, pelo qual executivos da Brasil Telecom e do Opportunity compartilhariam a utilização de aeronaves.
"A Brasil Telecom tem 67% de participação no consórcio. O Opportunity, 3%, mas os aviões nunca foram usados pelos executivos da Brasil Telecom. As aeronaves ficam à disposição do Opportunity", diz Wagner Pinheiro.
Guilherme Lacerda menciona gastos excessivos da gestão passada da empresa. Como exemplo, cita despesas com publicidade. A CPI dos Correios suspeita que a Brasil Telecom tenha contribuído com o esquema de caixa dois do PT, operado por Marcos Valério. As agências de propaganda de Valério (SMPB e DNA) atendiam a Brasil Telecom. Leia abaixo as declarações dos três.

CPI

Wagner Pinheiro: "A quebra do sigilo amplo [bancário, fiscal e telefônico dos fundos de pensão a pedido das CPIs], com base em insinuações, me leva a entender que não foi por razão técnica. O motivo mais óbvio para todos é o interesse político. A Petros nada tem a temer e está à disposição da CPI para o esclarecimento de todos os fatos que os parlamentares julgarem pertinentes. A gente fica surpreso quando se quebra o sigilo amplo de instituições baseados em suposições genéricas".

Sérgio Rosa: "Nossa visão é que não existiu, até agora, nenhum fato determinado [que justificasse a investigação dos três grandes fundos]. Nós apresentamos todas as informações que nos foram solicitadas. De forma muito pesada, foram veiculadas suspeitas de que haveria prejuízos em operações com corretoras. Demonstramos que essas operações foram absolutamente normais. Tudo que podíamos fazer para esclarecer, para colaborar da melhor maneira possível, nós fizemos.
Realmente ficamos sem compreender por que essa insistência em colocar os fundos de pensão no foco das investigações com esse nível de profundidade, com quebra de sigilo, sem que tenha, até o momento, aparecido um fato objetivo. Esse posicionamento da CPI nos surpreende, nos deixa preocupados e até chateados.
Sempre existe um jogo político, a oposição tentando desqualificar ou descaracterizar tudo aquilo que é feito no governo atual. Mesmo a gente sabendo que existe esse jogo político entre posição e situação, acho que tem de haver equilíbrio, objetividade e honestidade na análise dos dados".

Guilherme Lacerda: "[A motivação] é política. Num primeiro momento, eu admito que houvesse uma suspeita em relação aos fundos de pensão. No entanto, depois de todas as informações dadas, todos os esclarecimentos sendo feitos e, ainda assim, [as CPIs] continuarem no mesmo padrão, eu não vejo outra razão que não política. Muitos levantaram as suspeitas de que o aconteceu no passado continuaria acontecendo até agora. Nós temos indícios fortes de que foram feitos maus negócios no passado, o que não se repetiu na nossa gestão".

OPPORTUNITY
Nos bastidores, Daniel Dantas argumenta que a Brasil Telecom era bem administrada e extremamente rentável para os fundos de pensão. Dizia não saber, portanto, o real interesse dos fundos em assumir o controle das teles.

Pinheiro: "Não é verdade que a gente viesse tendo uma gestão adequada dos nossos recursos. Dou dois exemplos, o primeiro no campo operacional. O gestor [Opportunity] criou o consórcio Voa, que são três aeronaves. Apesar de a Brasil Telecom ter 67% do consórcio, os executivos da empresa nunca usaram essas aeronaves. A empresa gasta milhões por ano com a manutenção desse consórcio, no qual o Opportunity tem apenas 3% e faz uso dessas aeronaves do jeito que bem entende.
Acredito que, dentro de algumas semanas, a nova direção da Brasil Telecom deve divulgar os resultados de uma série de auditorias. Esse exemplo é gritante. Certamente, com as auditorias, teremos outros. Com o fim das auditorias, teremos condições de avaliar se eles efetivamente são bons administradores ou não".

Rosa: "Primeiro, não existia essa percepção de alta rentabilidade da gestão [Opportunity]. Nunca recebemos dividendos das empresas nem a valorização delas foi tão expressiva assim quanto eles dizem. Além disso, nosso posicionamento foi olhar o nosso investimento, que estava desprotegido e visivelmente sem valor de venda".

Lacerda: "Não há um indicador que diga que a gestão foi boa, não há nada que prove isso. Os investidores [entre os quais, as fundações] entraram com a segurança de que iriam atuar e não atuaram, com a garantia de que poderiam sair conjuntamente e não saíram. Ao longo do processo, ocorreram várias decisões de investimento em que os investidores não foram consultados. Por que é bom? Pode ter sido bom para o gestor, para o investidor não foi bom.
[Foram identificados] pagamentos volumosos para advogados, altos gastos com publicidade, contratações em que nem sempre se indica que foram feitas no interesse da empresa [...]. É preciso verificar se realmente essas publicidades foram feitas dentro de programas que agregaram valor para a empresa, se foram ou não vinculadas a programas efetivos e se agregaram valor à empresa".

INGERÊNCIA POLÍTICA
Devido à ligação com o PT, os dirigentes dos três fundos têm sido acusados de aceitar ingerência do governo em suas decisões. O deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), ex-ministro das Comunicações, disse à Folha, no mês passado, que foi procurado pelos presidentes das fundações para que interferisse na briga com o banco Opportunity.

Pinheiro: "Na nossa gestão, não recebemos quaisquer pedidos, solicitações e muito menos imposições para que fizéssemos investimentos em qualquer setor".

Rosa: "O governo sempre entendeu essa separação do papel dos fundos de pensão, que precisam ter uma autonomia de gestão [...]. Estivemos com o ex-ministro Miro Teixeira duas vezes para esclarecê-lo e tranqüilizá-lo de que o objetivo sempre foi proteger o investimento e seguir as regras de legislação. Em nenhum momento solicitamos intervenção".

Lacerda: "De 2003 para cá, não houve [interferência do governo]. Estamos criando, organizando fundos de investimento para setores específicos, como infra-estrutura, energia. Procuramos o governo para debater esses temas".

HERANÇA

Pinheiro: "Passamos a administração de investimentos em renda variável [Bolsa de Valores] para o banco Opportunity em 1998, o que nos deu prejuízos que até hoje não conseguimos recuperar".

Rosa: "Tivemos, no passado, investimentos que deram prejuízo. Alguns deles foram feitos sem uma análise técnica mais consistente, mas não podemos identificar nenhum terceiro que tenha se beneficiado disso. Havia fragilidade nos estudos técnicos, mas não podemos dizer que isso foi em benefício de qualquer outra pessoa física ou jurídica. No caso do Magic Park [no interior de São Paulo], investimos cerca de R$ 40 milhões. A perda foi quase total.
É ruim querer partidarizar a discussão, achar que uma administração sob a égide desse ou daquele governo pode ser ruim ou boa. Deveríamos avaliar resultados concretos. Desde que estamos na gestão da Previ, os resultados têm sido positivos. Se formos comparar esses resultados com os do passado, a gestão melhorou em transparência, rentabilidade e política de controle".

Lacerda: "Estou lendo "Anjos e Demônios" [do escritor Dan Brown]. Nós herdamos aqui uma "cova do demônio" em termos de esqueletos. É muito esqueleto. Somos um dos fundos que mais têm esqueletos. Temos mais de 30 operações com processos na CVM [Comissão de Valores Mobiliários], na Polícia Federal, no Ministério Público".


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