São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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ESCÂNDALO DO MENSALÃO/ ALIANÇA DE PODERES

Magistrados enxergam "casuísmo" em texto que permite a Carlos Velloso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ficar no cargo

Projeto evita mudança no TSE em 2006

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Fruto de "acordão" entre governo e oposição, tramita discretamente e de forma rápida no Congresso projeto que poderá ampliar as boas relações do governo Lula com os tribunais superiores em 2006, ano eleitoral, ou até 2010, na hipótese de reeleição.
Para atender a pleito do STF (Supremo Tribunal Federal), o Senado alterou uma Proposta de Emenda à Constituição do senador Pedro Simon (PMDB-RS) e aprovou o projeto de ampliação imediata da idade de aposentadoria compulsória nos tribunais superiores: de 70 para 75 anos.
Numa exceção considerada "casuísta" por entidades de magistrados e do Ministério Público, esses juízes -ao contrário dos demais servidores públicos- não aguardariam a regulamentação da norma por lei complementar.
"Não foi esse o projeto que eu propus", diz Simon, que não votou por sua aprovação nos dois turnos. Desconfia-se que a proposta do senador gaúcho foi usada -num amplo entendimento suprapartidário- para garantir a permanência de ministros mais simpáticos ao governo Lula.
A proposta já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, por unanimidade e sem a realização de debates. Se o projeto passar na Câmara neste ano, o ministro Carlos Velloso, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não precisará deixar o cargo em janeiro, quando completará 70 anos.
Segundo avaliações que circulam no Judiciário, a continuidade de Velloso, mineiro de perfil conciliador, impediria que as eleições de 2006 fossem presididas pelo ministro Marco Aurélio, carioca de estilo imprevisível (o ministro Gilmar Mendes deverá optar pela vice-presidência do STF).
"Eu estou ignorando essa discussão", diz Velloso, por meio de sua assessoria. Se a proposta passar, ele permanecerá à frente do TSE. Mas diz que estuda convite para lecionar nos Estados Unidos.
Rodrigo Collaço, presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), diz que a hipótese levantada é "desrespeito ao ministro Velloso, pois nada indica que será complacente com quem quer que seja, e ao ministro Marco Aurélio, que já demonstrou ter condições de exercer qualquer função na magistratura".
"Mas causa perplexidade haver algum segmento político querendo escolher juízes ou com medo do Judiciário", afirma Collaço.
A defesa do projeto no Congresso coube ao presidente do STF, ministro Nelson Jobim, criticado na base do Judiciário pela atividade política e pretensões eleitorais que não confirma nem desmente.
Jobim negou que a medida vá "engessar" a carreira do Judiciário ou impedir a "oxigenação" dos tribunais superiores (juízes com expectativa de promoção aguardarão cinco anos para a abertura de vagas). Jobim vê "modernidade" no projeto e diz que o mais importante é "o interesse do serviço público".
"A Associação dos Juízes para a Democracia sempre se opôs ao aumento da idade da aposentadoria compulsória, porque isso significa manter por mais anos a mesma concentração de poder", diz Marcelo Semer, presidente da entidade. Para Semer, essa discussão "sempre esteve eivada por interesses políticos e partidários".
Ao notar que o projeto beneficiaria apenas os ministros do Supremo, o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Edson Vidigal, fez um périplo no Congresso e conseguiu estender os efeitos aos outros tribunais superiores. Aprovado o projeto, Vidigal poderá permanecer no STJ durante 37 anos, desde a posse.
O projeto dormia no Senado desde 2003. O governo não teria permitido sua tramitação antes de Lula nomear quatro ministros do STF: Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau.
O senador Simon pretendia contemplar apenas casos especiais, inspirado no exemplo do ex-ministro da Justiça Paulo Brossard, que, "no auge da sua capacidade", não pôde ser presidente do STF porque completara 70 anos. A proposta foi relatada pelo senador José Jorge (PFL-PE) e acolheu emendas dos pefelistas Antonio Carlos Magalhães (BA) e Demóstenes Torres (GO). Para José Jorge, os ministros do STF, "pela natureza especialíssima de suas funções", não estão sujeitos ao tratamento dos servidores públicos.
Dúvidas sobre os motivos para apressar a votação da PEC foram levantadas em debate no Senado, em maio. O senador Hélio Costa, atual ministro das Comunicações, perguntou a Jobim quantas vagas seriam abertas no STF até 2010. Sem nominar os ministros, Jobim disse que haverá duas aposentadorias compulsórias em 2006 (Velloso e Sepúlveda Pertence) e uma em 2010 (Eros Grau).


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