São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO" / ANÁLISE

Para especialistas, "eu não sabia" funciona para envolvidos em crise

CRISTINA FIBE
DA REDAÇÃO

A tática de afirmar que "não sabiam" dos fatos envolvendo o episódio do "mensalão" provavelmente foi planejada com ajuda jurídica e potencialmente pode ajudar os implicados no escândalo, segundo avaliação de especialistas ouvidos pela Folha.
Desde que o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) deu sua primeira entrevista, há 153 dias, relatando à Folha o pagamento de uma mesada mensal a parlamentares da base aliada em troca de apoio ao governo, a reação da maior parte dos envolvidos foi alegar não saber de nada. Por várias vezes, provas e depoimentos derrubaram tais argumentos.
Esse expediente, segundo analistas, sempre foi usado no país por parlamentares envolvidos em escândalos. Continua em voga porque se provou bem-sucedido.
"Até agora funcionou. Não que o eleitor não tenha memória. A imprensa é um banco de dados a que recorremos para lembrar. A reação do eleitor quando reelege alguém envolvido em um caso de falta de ética ou decoro é que ele está dizendo: "eu acredito nesse parlamentar". E eles voltam", diz a pesquisadora do Núcleo de Estudos em Artes, Mídia e Política da PUC-SP Vera Chaia.
O problema é que "essa cortina de negação impede a apuração das denúncias", afirma o filósofo Roberto Romano, professor titular de ética e filosofia política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Chaia acha que o parlamentar sabe medir a resposta do eleitorado -e convencê-lo. "Claro que há desgaste." Uma das táticas usadas para driblá-lo, diz, é tentar a eleição para outro cargo.
"Dizer que não sabia te isenta. Isso é uma loucura: se você não sabe, não te isenta. Se um subalterno é responsável, é mais grave se você não sabe. Mas, se diz isso, ganha certa simpatia, se faz de inocente. Evidente que é pensado e instruído por advogados", afirma o psicanalista Ari Rehfeld, supervisor da clínica de psicologia e professor da PUC-SP.
Para o psicanalista Niraldo de Oliveira Santos, supervisor de ensino da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas, a reação é calculada juridicamente e desenhada no "ingresso na vida pública".
Romano cita "Massa e Poder", de Elias Canetti (1960), para explicar a luta dos políticos para dar a volta por cima. "O poderoso é o sobrevivente. O famoso coleciona aplausos, o rico, dinheiro. O poderoso coleciona vidas, junta pessoas. Com o uso do poder, ele vai empurrando para a morte essas pessoas. No fim do processo, o poder é sobreviver o máximo que um ser humano pode sobreviver. Lula, cego e mudo, jogou o partido no caminho da morte. Se o PT desaparece e ele continua, ótimo, do ponto de vista político."
Para Romano, no caso das negativas por parte de parlamentares petistas, há um elemento agravante: "O PT tinha um quadro branco, e qualquer mancha tem um efeito tremendo. [...] O senso comum percebe que é impossível que existisse um partido em que tenha ocorrido tanto erro sem que ninguém soubesse".


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