São Paulo, quinta-feira, 06 de dezembro de 2007

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JANIO DE FREITAS

Muito além do escândalo


Até onde irá a amoralidade no Senado e como acabará a deterioração institucional, não sei de quem saiba

O PROBLEMA cresce: o Senado transforma-se, com rapidez espantosa, de instituição do equilíbrio político e legislativo em humilhação nacional. Ultrapassou o nível de escândalo.
Quando a Câmara entrou em processo semelhante, provocado pelo estouro do mensalão e pelas vigarices de Severino Cavalcanti, estancou-o com a CPI e com a pronta expulsão do presidente denunciado. Não se recuperou do desgaste, mas são visíveis vários esforços, da Mesa Diretora e de certas bancadas, para revertê-lo em alguma medida. O Senado vai na direção oposta: além de repelir todas as oportunidades de estancar sua degradação, move-se, com feliz indiferença, no sentido de tornar-se um poder desprezível. Dispensável.
Até onde irá o Senado e como acabará o processo de degenerescência institucional, decorrente da septicemia de uma das partes do sistema legislativo e político, não há indício algum. E muito menos há alguma idéia de solução para o problema, a não ser a já animada tese da fusão de Câmara e Senado -no caso, providência associada ao lugar-comum do sofá retirado. Se ninguém supõe encontrar a solução nos quartéis, não chega a aliviar, porque também nos partidos e nas eleições o que se tem identificado não é a possibilidade de solução para um Congresso desmoralizado. É parte grande da própria origem da degeneração crescente.
Renan Calheiros é o de menos no que o Senado vive e exibe. É uma peça como qualquer outra da quase totalidade de senadores. O que leva o Senado às sarjetas é o conjunto desses outros cujas características, pessoais e políticas, os levam a quase canonizar Renan Calheiros. Como fariam a outro com quem se identificassem na mesma concepção amoral de vida pública, de Congresso, Senado, governo, partido e enriquecimento, voto parlamentar e corrupção, e muito mais por aí.
É esse ambiente que explica o descaso de Renan Calheiros, relaxado e sorridente, por ao menos aparentar alguma ansiedade. Ele e todos ali sabiam onde estavam. Sua renúncia à presidência é dada como parte do acordo para facilitar a absolvição. Foi, isso sim, uma tentativa de salvar a face indignada e envergonhada dos que tomavam ou depois tomariam conhecimento da absolvição e dos modos de aplicá-la. Mas o que estava em questão, fora e dentro do Senado, não era a presidência, era a decência. E, quanto a isso, a renúncia nada poderia mudar a respeito de Renan Calheiros e da desmoralização do Senado.
A escolha do novo presidente já enveredou pelos caminhos de sujeição do Legislativo ao Executivo, com as atitudes e declarações do candidato Garibaldi Alves, do majoritário PMDB, em ofertas de servilismo ao governo e a Lula. O espetáculo da CPMF, por seu lado, chega no Senado ao extremo da corrupção política, que não precisa de melhor síntese do que a pequena frase do ministro José Múcio Monteiro, ao explicar seu pedido a Lula para que, em vez de viagem ao exterior, entre em pessoa nos negócios com senadores: "Há coisas que só com o presidente...". Aí está o tamanho a que chegam a chantagem e a corrupção política entre os senadores.
Até onde irá a amoralidade dominante no Senado e como acabará a conseqüente deterioração institucional, não sei de quem saiba.

Falha
O artigo de terça-feira incluiu, nos exemplares iniciais da impressão, o percentual 0,007 em lugar de 0,7, relativo à diferença de votos contra e a favor, em comparação com o total de eleitores cadastrados para o referendo na Venezuela. O atraso da correção foi de minha responsabilidade, obviamente involuntário.


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