São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2001

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ELIO GASPARI

Oh, que saudade de FFHH

FFHH vai-se embora daqui a dois anos. Deixará realizações, ruínas, mágoas e a saudade de um estilo.
As pessoas vão lembrar que FFHH não citava Mussolini para dizer platitudes. Também perceberão que nunca deu festa no seu apartamento da rua Maranhão.
Foram 200 os convidados da prefeita Marta Suplicy no coquetel que deu em sua casa, à sua custa, na segunda-feira. O repórter Cesar Giobbi contou: serviço do bufê Christian Formon. (Um chef com passagem pelo Calvet de Paris e pelo El Barroco, de Ibiza.) No dia seguinte, a prefeita resolveu cumprir seu compromisso de almoço "com o povo da rua". Bufê do Sindicato dos Hotéis e Restaurantes, com ensopado, arroz, feijão e legumes. Convidou 60 pessoas. Quando apareceram os excluídos (do coquetel e do almoço), deu-se a confusão e a prefeita disse que a imprensa "fez zorra".
Se FFHH fizesse uma zorra dessas, os economistas do PT fariam magníficos estudos. Nem no paraíso há uma relação numérica tão generosa. Para cada ensopado servido ao "povo da rua" o cadastro social da prefeita teve 3,3 pessoas no coquetel com o povo de casa.
A prefeita de São Paulo começou seu governo com o pé esquerdo num lance de demagogia mal-sucedida.
Já o doutor Cesar Maia, do Rio, antecipou saudades muito maiores de FFHH. Misturou pedantismo intelectual, ignorância histórica e mistificação administrativa numa proporção raramente vista.
Aos fatos:
No dia de sua posse citou uma frase de Benito Mussolini segundo a qual o segredo do bom governo é estar bem com a igreja, não praticar o nepotismo e conhecer finanças públicas. A falta dessas características, segundo Mussolini, produziu a desgraça de Napoleão. A presença dessas três preocupações, segundo Cesar Maia, seriam a garantia de seu bom governo.
Explicando-se, o prefeito informou:
"É isso que Mussolini condena em Napoleão, que pegou os cunhados, os irmãos e entregou um país para cada um. (...) Nomeou a irmã duquesa da Áustria, nomeou o irmão príncipe não-sei-de-onde".
Segundo Maia, Mussolini não empregava parentes e selecionava seus colaboradores a partir da competência.
Tudo errado.
Mussolini tinha horror à competência. Seu melhor biógrafo, o inglês Denis Mack-Smith registra: "Cercava-se de sicofantas, sonsos e arrivistas". Colocou um imbecil no Ministério da Educação. Suspeita-se que o fez porque ele lhe trazia sorte.
Quanto ao nepotismo, deu ao irmão Arnaldo a direção do jornal "Il Popolo d'Italia" e o comando do expurgo na imprensa. O mano meteu-se em ricas transações financeiras e morreu em 1931, aos 50 anos.
Seu filho Bruno recebeu o brevê de piloto aos 17 anos, sem ter terminado o treinamento. Morreu anos depois, quando seu avião caiu nas cercanias de Pisa.
Seu genro, Galeazzo Ciano, foi nomeado ministro aos 31 anos. (Marca que só tinha paralelo no inglês William Pitt.) Tornou-se o chanceler mais jovem da Europa aos 33. Depois que a Itália ocupou a Albânia, Ciano referia-se àquela terra como "o meu grão-ducado". Ao fim da festa, sua mulher, Edda, tinha 95 apartamentos em Roma. A senhora dera-se ao luxo de oferecer um capilé a Adolf Hitler para que a ajudasse numa maracutaia cambial. (Uma de suas filhas viveu no Brasil nos anos 50 e morreu pobre em 1999.)
A família de Clara Petacci, namorada de Mussolini, fazia contrabando de ouro em malas diplomáticas. Dezoito quilos numa só remessa.
A crítica do Duce ao imperador, além de banal, era produto de uma rivalidade. Ele se julgava um personagem maior que Napoleão. Pelo menos conhecia-o melhor que o prefeito Maia.
Bonaparte nunca nomeou nenhuma irmã duquesa da Áustria. Casou-se com a arquiduquesa Maria Luísa, coisa bem diversa.
Era um larápio cercado de gatunos. Deu três países a três irmãos. Tornou princesas e duquesas as quatro irmãs. Mesmo assim, sua ditadura, embalada pela Revolução Francesa, conteve inéditos critérios de mérito. Fez 26 marechais da França, alguns dos quais haviam começado a carreira como soldados rasos. Augerau fora menino de rua; Masséna, um recruta analfabeto. A eles deu seis títulos de príncipe, 13 de duque e três de conde. (Cesar Maia passou ao seu conde do urbanismo a coroa do Rio.) Nenhuma nobreza da França suou a camisa como a que Napoleão criou. Dois marechais foram fuzilados, e um, linchado. Três morreram em combate. Lannes fora aprendiz de tintureiro. Desfigurado pelos ferimentos de outras batalhas, morreu sem as duas pernas em Wagram.
Na corte dos Maia, noves fora o arquiteto Conde, com quem se desentendeu, Cesar tem um razoável registro (sem baixas) para um governante republicano. O filho está na Câmara dos Deputados, e seis parentes, no governo do Rio. Cinco deles na folha de pagamento: irmã, cunhada, sobrinho, sobrinha e o marido da sobrinha. Contando-se o salário de Maia, custam à Viúva perto de R$ 30 mil mensais. É injusto comparar essa cifra (relacionada com trabalho e salários) com o que roubaram Mussolinis e Bonapartes. Comparando-se os números de cabeças, a parentela de Cesar na corte do Rio é maior que a do Duce e a do imperador em Roma e Paris.

Surpresa

A decisão de FFHH de mutilar o raio de ação dos procuradores da República tem a marca de sua ambiguidade. Ao mesmo tempo em que pretende multá-los em R$ 151 mil (equivalentes a mais de 30 meses de sua aposentadoria pela Universidade de São Paulo), acha que eles estão melhorando a moralidade nacional.
Seu raciocínio é simples: graças aos procuradores aumentou a taxa de medo dos ladrões.

Cheiro forte
O presidente da Petrobras, Philippe Reichstul, tem um problema pela frente. Há um vazamento de más (ou boas, dependendo do desfecho) notícias vindo da sua diretoria de gás e energia.

A briga de Sarney
"Amélia gerou Tarquínio, que foi concebido no mar."
É assim que começa o novo romance de José Sarney, "O Solar dos Tarquínios". Conta a saga de uma família que desceu em São Luís no século 17 e deu ao Maranhão alguns ricaços, um interventor e o prédio mais bonito de sua capital. Sarney entrou no sobrado dos Tarquínios, na rua da Saudade, aos 17 anos, sem saber onde pisava.
Amélia desceu da caravela prenha e sem marido. O senador está na primeira terça parte do livro, quando começa a revolta da Balaiada. Deverá acompanhar os Tarquínios até o início do século passado. Era a época em que o chefe do clã saía pelas noites de São Luís de fraque, assediando mulheres em francês e dando-se a pequenos furtos.
Sarney acredita que termina o livro em um ano. Seu último romance, "Saraminda", vendeu 30 mil exemplares e já tem contratadas edições em francês e espanhol.
Presidência do Senado? Refugiado na ilha do Curupu, ele informa: "Estou olhando o Norte e interrogando o Sul".

Deu errado
Há fortes razões para supor que o ex-juiz Lalau colocou a sua transferência para um quartel entre as condições para que se entregasse à polícia.

Fraga conseguiu que o BC fale português
O doutor Armínio Fraga matou a pau uma excentricidade da globalização do Banco Central. Determinou e conseguiu em poucas semanas que o boletim informativo Focus fosse colocado à disposição dos cidadãos de Pindorama no idioma oficial brasileiro.
Criado em abril de 1999, o relatório Focus produziu cerca de 300 boletins. Produto do trabalho de apenas duas pessoas (Gustavo Bussinger e Fábia Carvalho), criou uma freguesia de 13 mil assinantes, entre os quais está o Banco Central da China. Trata de assuntos como o endividamento dos Estados ou o tamanho do passivo do FGTS diante da obrigação de ressarcimento do dinheiro tungado aos seus correntistas. Tudo em inglês.
Na semana passada o BC colocou na Internet os dois primeiros boletins em português. Um sobre o IPCA e outro tratando dos "mecanismos de convergência macroeconômicos" do Mercosul. Tem dez páginas (oito de tabelas) e seu texto agreste por natureza lida com coisas como a "variação da dívida fiscal líquida do setor público consolidado". É coisa para especialista.
Quem quiser pode receber o Focus por correio eletrônico. É grátis como o ar. À diferença de muitas portarias de edifício, o cadastro pede apenas o nome do interessado e seu endereço.
Os interessados podem sapeá-lo:
http://www.bcb.gov.br/mPag.asp?perfil=4&cod=441&codP=132
Aberta a página, deve-se selecionar o item Focus. Depois basta escolher o catálogo, por data ou por assunto. Por novo, é magro, mas vai engordar.

ENTREVISTA
Marco Vinicio Petrelluzzi
(44 anos, secretário da Segurança de São Paulo)
- O senhor está defendendo o fim imediato do instituto da prisão especial. Não é demais? O senhor jogaria centenas de presos primários, sem culpa formada nem sentença prolatada, no inferno das prisões paulistas.
- Acho melhor queimar os navios. Acabando com a prisão especial ficará mais fácil acabar com o inferno. Sabe quanto eu preciso para tirar todos os 7.500 presos que estão guardados nas carceragens de distritos? São R$ 150 milhões. É o equivalente ao que foi desviado na obra do TRT paulista. Há celas construídas para receber seis presos com 25 pessoas dentro. Tem gente dormindo amarrada à parede. Havia 11 mil presos nessa situação. Foram construídos seis centros de detenção provisória. Lá cada cela recebe dez presos e eles dispõem de três vasos sanitários. Esses centros não podem ser considerados bons, mas são melhores que as carceragens. Cadeia é um lugar ruim. Se acabarmos com a prisão especial, não vamos jogar centenas de pessoas no inferno. Sabe por quê? Porque só há 28 pessoas gozando esse privilégio em todo o Estado de São Paulo.

- Não é pouca gente?
- É, mas só 28 obtiveram o benefício. O verdadeiro privilegiado nem para a prisão especial vai. E os que não têm meios não conseguem ir nem quando têm o direito de requerer o privilégio. O número pode parecer baixo porque a prisão especial relaciona-se com um universo pequeno dos delinquentes. Salvo em alguns casos, como os crimes contra a vida, o preso só fica nela 80 dias. Passado esse prazo, ou vai para a penitenciária, como já foi o ex-vereador Vicente Viscome, ou é solto. Se o ex-juiz Nicolau fosse para um quartel da PM, o governo de São Paulo estaria botando privilégio em cima de privilégio.

- O que se precisa fazer para acabar com a prisão especial?
- Basta que o governo federal mande um projeto de lei ao Congresso ou que se movam os que estão tramitando na Câmara e no Senado.

Cronologia do privilégio
Eremildo é um idiota especial. Quer morar em Higienópolis e acha que pode ir para o palacete de Lalau. Pesquisou a cronologia do acesso à prisão especial e descobriu o seguinte:
1941: Ganharam o direito ministros, governadores, prefeitos, secretários, vereadores, parlamentares e deputados estaduais.
Os oficiais das Forças Armadas e dos bombeiros. Mais os policiais.
Quem já foi jurado.
Quem tem diploma universitário.
Todos esses e mais os detentores da Ordem Nacional do Mérito, dada a quem "enriquece o patrimônio nacional" por meio de serviços ou "doações valiosas".
1956: Entraram os dirigentes sindicais.
1961: Entraram os pilotos da aviação comercial.
1967 (governo Castello Branco): Entraram os jornalistas, com direito a sala com "todas as comodidades".
1970: Entraram os oficiais da Marinha Mercante.
1983: A vez dos professores de primeiro e segundo graus.
1994: Os advogados adquiriram direito a "sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas".
Por mero contribuinte, o idiota ficou de fora.


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