São Paulo, domingo, 7 de fevereiro de 1999

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ELIO GASPARI
O governo capturou o especulador


Deve-se ao leitor Wilson Faria a lembrança de que, ao contrário do que se supõe, o Estado brasileiro agiu com energia e prontidão contra os especuladores. Na Sexta-Feira do Vigário, quando meia dúzia de maganos encheu as burras às custas do pânico financeiro, a Polícia Federal prendeu Carlos Hang de Sant'Ana. Ele operava no mercado mundial de moedas. Foi identificado porque vigiaram-no com as câmeras do circuito interno de televisão de seu pátio de operações. Tentou fugir, mas foi capturado.
Carlos Hang de Sant'Ana é um carregador de malas do aeroporto do Galeão. Estava comprando dólar a R$ 1,60. Operava com uma cesta de moedas (R$ 7.465, US$ 420, mais 20 libras inglesas, 100 marcos alemães e alguns tíquetes-refeição.) Nesse mesmo dia os grandes bancos operaram algo como US$ 1 bilhão, negociando-o até a R$ 2,10. Se o carregador de malas não tivesse sido capturado, o sistema financeiro estaria arruinado, arrastando consigo as Bolsas de Valores de todo o mundo.
Quatro dias depois, saudado pelo mercado (y sus discípulos) desceu em Brasília o novo presidente do Banco Central, Armínio Fraga. Acabara de deixar a Casa Soros, que opera US$ 21,5 bilhões. Ao contrário do Casa Hang, que dava lucro, o fundo administrado por Fraga em Nova York fechou por falta de rendas. Caiu 31% em 1998.
O carregador de malas terá de provar que não é um especulador. Talvez deva arrolar o presidente do BC como testemunha de defesa. Entrevistado em 1997 pela repórter Miriam Leitão, Fraga informou que "um especulador como nós" opera da mesma forma que uma tesouraria de um banco. Arrematou: "O papel do especulador é saudável".
Hang poderá pedir também o testemunho de Paulo Leme, novo diretor do BC, ex-diretor da casa americana Goldman Sachs. Há pouco tempo, nessa condição, passou por Brasília recomendando cortes mais severos nas despesas com a educação e a saúde de Pindorama. Em janeiro, a casa para a qual Leme trabalhava divulgou um artigo sugerindo que o governo brasileiro buscasse "medidas de grande impacto". Não se tratava de prender os carregadores de malas, mas de privatizar a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica. O doutor Leme acha que com isso, além do impacto, consegue-se até US$ 60 bilhões: "O governo brasileiro tem duas opções para enfrentar a crise: ou aceita desafios e toma medidas audaciosas ou sucumbe". Pode ser verdade, mas nos últimos meses a coisa que mais sucumbiu em Nova York foram os fundos semelhantes aos que Fraga e Leme dirigiam. Há mais gênios de mercados submergidos procurando empregos em Wall Street do que carregadores de mala sem clientela nos aeroportos brasileiros.
Quando Fraga diz que os especuladores levam saúde ao mercado, tem toda razão. Milton Friedman já ensinou que, se não fossem os especuladores, o FMI e os Tigres Asiáticos talvez ainda estivessem empulhando os investidores. A baronesa Thatcher é grata a George Soros por ter provocado a desvalorição da libra, em 1992. Soros não defendeu a moeda inglesa antes de abatê-la.
Jamais alguém perguntou ao especulador do Galeão o que ele achava da economia nacional. Já os cidadãos Fraga e Leme deram ao público inúmeras entrevistas sobre a situação econômica do Brasil. Jamais advertiram a choldra para os riscos da sobrevalorização do real, da qual Fraga foi um dos artífices. Quem o ouviu (reservadamente) sabe que abandonou o navio do gustavato há mais de seis meses.
Se nenhum dos dois percebeu que o real estava sobrevalorizado, falta-lhes competência para dirigir o BC. Se perceberam e não quiseram dizê-lo, especularam contra a própria credibilidade. Nada a ver com a saudável atividade dos especuladores que jogam seu dinheiro para ganhar ou perder. Relaciona-se com a manipulação da boa-fé de quem confia no que dizem. Isso o maleiro Carlos, da Casa Hang, nunca fez.

Maioridade
Depois de ter assumido a paternidade adotiva do professor Pedro Malan por quatro anos, o PFL emancipou-o.
Com a cautela típica da espécie, alguns de seus caciques acreditam que ele deixará o ministério antes do fim do ano. Talvez antes do fim do primeiro semestre.
Chegaram a essa conclusão porque se convenceram de que Malan não suportará as pressões dos próximos meses, administrando uma economia desandada.

A tunga e o mel
Por trás de sua linguagem complicada e da sua pretensa lógica cosmopolita, a ekipekonômica produziu neste mês alguns números que revelam a essência de seus interesses.
Imaginem-se três pessoas.
Primeiro um desempregado. Ele recebeu R$ 10 mil do seu fundo de garantia, foi ao banco e depositou-o numa caderneta de poupança, instrumento financeiro da absoluta maioria da população. Admitindo-se, com grande bondade, que ao fim do mês tenha havido uma inflação de 2%, ele terá, em termos reais, R$ 9.970. Isso mesmo, terá perdido R$ 30, dinheiro com o qual se pode comprar uma camisa.
Depois, um cidadão de classe média, que fez um negócio e resolveu poupar os mesmos R$ 10 mil, aplicando-os num certificado de depósito bancário. Terminará o mês, sempre em moeda constante, com R$ 10.022. Como está no meio da pirâmide social, em vez de perder a camisa, terá ganho outra.
Finalmente, um magano que tem conta em Nova York. Para o equivalente em dólares a R$ 10 mil que ele mantenha aplicados num papel de renda fixa, ganhará R$ 40. Como bonificação, seu dinheiro fica protegido das variações cambiais.

O imposto sumiu
Os computadores da Receita Federal registram um mistério.
Desde que foram privatizadas, as empresas de telecomunicações deixaram de pagar Imposto de Renda.
Como elas aumentaram seus lucros, talvez seja o caso de se procurar a solução do enigma aumentando-se o rigor na inspeção das malas dos contribuintes que desembarcam de suas viagens ao exterior. Nisso, sem dúvida, a Receita sabe ser rápida e inclemente.

Triste papel
É com profundo pesar que aqui se registram os números da corrida bancária da Sexta-Feira do Vigário nas agências do Banco do Brasil que funcionam no Senado e na Câmara dos Deputados.
Habitualmente, às sextas-feiras, senadores, deputados e funcionários das duas Casas sacam um total de R$ 500 mil em cada uma.
No dia da corrida, sacaram-se quase R$ 4 milhões na agência do Senado e em torno de R$ 2 milhões na da Câmara. Os correntistas da agência do Senado sacaram oito vezes acima da média habitual.
A corrida dos eleitores, pela média dos saques feitos em todo o país, ficou apenas 60% acima do movimento normal.
Não se sabe de caso de senador ou deputado que tenha se dirigido ao público recomendando que corresse aos bancos.


A Sexta-Feira do Grande Vigário

Um lembrete para quem tem aplicações em bancos. Todas as pessoas que foram aconselhadas por gerentes a se desfazer de suas aplicações no pânico do último dia 29 devem suspeitar que, por incompetência, ou seja lá o que for, viram-se transformadas nos otários da Sexta-Feira do Vigário.
Não há dúvida de que o pânico se alastrou a partir de boatos, mas o general Golbery do Couto e Silva já ensinava que todo boato contém uma verdade: o interesse de uma parte dos seus propagadares.
Para que se tenha uma idéia do que aconteceu na Sexta-Feira do Vigário, vão aqui dois exemplos.
Primeiro, o de uma pessoa que tinha um CDB de R$ 10 mil, recebeu um aviso, correu ao banco, resgatou o papel, comprou dólares e, no meio da semana passada, vendeu-os.
Supondo que seu papel estivesse no ponto médio do rendimento, deixou de ganhar algo como R$ 200. Comprando dólar caro e vendendo-o barato, acabou com R$ 8.100. Conclusão: tomou uma tunga de R$ 2.100.
Na outra ponta, imagine-se um banco que operou os mesmos R$ 10 mil no mercado futuro de dólares. No final de dezembro, apostando que o real sofreria alguma desvalorização, foi ao mercado e ofereceu-se para comprar dólares no dia 1º de fevereiro, pagando um pouco acima da taxa oficial. Só havia um bobo aceitando esse tipo de aposta: o Banco Central, com o dinheiro da Viúva.
Por ser o último dia útil do mês, as cotações da Sexta-Feira do Vigário determinariam o valor do dólar para o fechamento dos negócios feitos no início de janeiro. Os boatos expulsaram dinheiro das contas bancárias e das aplicações financeiras, levando-os a buscar proteção no dólar. Com isso (e com o silêncio do Banco Central) o aumento da procura pela moeda americana provocou uma alta na sua cotação. Para quem estava metido nas transações do mercado de apostas, ele fechou a R$ 1,98.
O banco que apostou R$ 10 mil contra o real e acabou beneficiado pelo pânico, ganhou em torno de R$ 5.200. Do grande Vigário que se abateu sobre o país no dia 29 de janeiro, resulta o seguinte:
quem foi manipulado tinha R$ 10.200 e perdeu R$ 2.100;
quem manipulou transformou R$ 10 mil em R$ 15.200.
Não se pode dizer que toda a boataria tenha sido produzida por uma orquestração da banca. Pode-se assegurar, contudo, que os boateiros com os pés na erva alheia e as mãos no mercado de dólares fizeram a festa.
Uma sugestão para quem foi aconselhado pelo gerente a limpar a caixa: feche sua conta amanhã de manhã.

Três injustiças contra FFHH

Vem-se cometendo uma injustiça com FFHH. É verdade que ele tem horror à controvérsia e ao confronto, mas é falsa a suposição segundo a qual o ministro Pedro Malan demitiu o professor Francisco Lopes. Também é falsa a idéia de que Gustavo Franco pediu demissão. Finalmente, vem-se varrendo para baixo do tapete seu papel na mudança da política de câmbio.
Vendo-se batido na defesa do dólar a R$ 1,20, Gustavo Franco ofereceu-se para permanecer mais 15 dias na presidência do Banco Central. Foi FFHH quem pegou o telefone e demitiu-o. Fez isso por diversos motivos, entre os quais a decisão de Francisco Lopes de só operar a política das bandas diagonais endógenas se Franco fosse defenestrado numa perpendicular exógena.
Na demissão de Lopes, o ministro Pedro Malan, movido pelos laços sentimentais de uma velha amizade, preferia evitar o tratamento de choque. Foi a irredutibilidade de FFHH que provocou e executou a demissão.
Nunca é demais lembrar que o presidente queria uma desvalorização inicial superior à que Malan e Lopes ofereceram.
Quando a popularidade de um presidente está alta, tende-se a atribuir-lhe dons de infalibilidade. No declínio, só lhe atribuem as desgraças. Pratica-se a mesma injustiça, com sinal trocado.

Entrevista

Miro Teixeira

(53 anos, deputado federal, líder do PDT)

O Banco Central tem jeito?

Do jeito que vai, não. Estamos vivendo a ditadura de uma fábrica de gênios. Durante as festas de Natal, o gênio se chamava Gustavo Franco. Agora é o Armínio Fraga. É uma modalidade estranha de genialidade, pois vai da onipotência à irrelevância. Num dia, o sujeito sabe tudo. No outro, por não saber nada, foi mandado embora. A crise brasileira não pode ser tão grave. A avenida Paulista não foi para o Marrocos, assim como o Pão de Açúcar continua à direita de quem sai da baía da Guanabara. Os problemas são incompetência, impunidade e corrupção. Incompetência porque tiraram dois presidentes do Banco Central. Impunidade, porque ninguém foi responsabilizado pelo que fez. Quanto aos costumes, nunca o Banco Central foi ponto de baldeação de tantos milionários.

O que se deveria fazer para melhorar essa situação?

Transformar o Banco Central numa verdadeira instituição, funcionando sob normas públicas e submetida à fiscalização do Congresso. Ele deve ser obrigado a informar, posteriormente, os critérios que o orientaram para aplicar as reservas nacionais, para alterar os juros e o câmbio. O Federal Reserve americano tem atas. O diretor fala, o gravador grava e, meses depois, tudo é publicado. Aqui, a gente só sabe o que eles dizem quando algum delinquente os grampeia. Devemos criar um banco de dados, com os nomes de todos os diretores do Banco Central e com a hora em que eles tiveram acesso a determinadas informações. Depois, é só cruzar com o movimento financeiro. Eu apresentei um projeto criando uma Comissão do Congresso para fiscalizar as ações do BC. Ele mofa desde 1995, com todos os pareceres favoráveis. A reeleição, que interessava ao governo, andou correndo. Acho um absurdo o governo falar em Banco Central independente se a sua presidência se tornou um cargo de alta rotatividade. Por que não contam os motivos do afastamento de Gustavo Franco e Francisco Lopes? Independente de quê? Do Brasil? Dependente de quem? Dos Soros da vida?

Essa proposta de controle pelo Congresso não é demagogia?

Demagogia é dizer que a economia está sob controle com uma moeda desorientada e 10 milhões de desempregados. O controle da sociedade sobre a área financeira do governo é um sinal de respeito. O presidente do Citibank, Walter Wriston, rejeitou diversos cargos no governo americano porque não quis mostrar as suas finanças pessoais ao Congresso. É um direito dele. Será que as declarações de renda da nova equipe do Banco Central trarão um detalhamento completo de seus bens nesta terra de Deus e em todos os seus paraísos? Gostaria de acreditar nisso. As autoridades monetárias americanas colocam seus investimentos em fundos cegos. Se os novos diretores do Banco Central se oferecessem para fazer o mesmo, eu passaria a defendê-los todo dia na tribuna. Será que eles topam?

Preciosidade

O papel mais cobiçado de Brasília é o texto da palestra que o economista Paulo Rabello de Castro fez há poucos meses para uma platéia do PFL.
Enquanto se festejava o ajuste fiscal, ele simplesmente advertiu que não daria para metade do gasto.
Seu cenário era tão triste que as raposas do partido acharam melhor recolher as cópias. Quem o ouviu, ouviu. Quem não o ouviu, ouvisse.



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