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DOMINGUEIRA
De volta de Courchevel
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo
Encontro meu amigo tucano
numa alameda dos Jardins. Vem
rua abaixo, flutuando como o
câmbio, desviando de canteiros e
pedintes, de volta das férias européias em Courchevel.
Está com o bico baixo, ar meditativo, com sua fresca Lacoste
amarelinha e o simpático mocassim Guido nos pés. Olha fixamente um papel, que me parece um
extrato de cartão de crédito.
Leva um susto com a saudação:
"E, então, meu amigo, de volta à
vida real?"
Guarda rapidamente o extrato e
responde sorridente: "Que remédio, que remédio..." E acrescenta
com o canto da boca, antes que eu
me aventure no assunto: "Isso
aqui está muito ruim, não está
não?"
"Muito, muito", concordo.
"O Fernando (meu amigo tucano refere-se sempre assim ao presidente) bobeou demais..."
"Quem bobeou fui eu", retruco.
"Ele deixou o país pendurado com
o pincel na mão".
Meu amigo tucano faz uma
pausa, limpa os óculos escuros
com o lenço, pensa um pouco e resolve arriscar um "overshooting"
otimista:
"Tudo bem, mas vai ser muito
melhor assim. Pode apostar aí:
vamos chegar ao fim do ano com
juros baixos, saldo comercial positivo e retomada do crescimento".
"Isso se chegarmos ao fim do
ano", provoco. "O país está demitindo, as empresas estão sufocadas, a miséria cresce, a violência
aumenta e a credibilidade do governo é nula..."
"Também não vamos exagerar.
Vocês da imprensa estão sempre
vendo o pior lado das coisas. Que
mania! O Mr. Fischer, por exemplo, achou que o quadro é bem
melhor do que vocês pintaram",
responde irritado.
"Que Mr. Fish? O dono daquele
restaurante?"
"Mr. Fischer, o do Fundo, ora
bolas!"
"Ah é? Good for him. Vai ter
mais espaço para impor ganhos
fiscais, não é mesmo?", continuo
provocando.
"Eu não vou discutir nesse nível", exalta-se meu amigo.
"Tudo bem, tudo bem. Agora,
francamente, o que você achou da
indicação do Fraga?", indago.
"Excelente, claro. Não dá para
ficar brincando com o mercado.
Ele vai ser um antídoto contra os
especuladores".
"Que ótimo, vou avisar minha
mãe", debocho.
"Olha, você está brincando com
coisa séria, rapaz!", adverte ele, já
vermelho de raiva.
"Quem estava brincando com
coisa séria era o governo", respondo no mesmo tom.
Meu amigo tucano respira fundo e decide fechar as operações.
"Tudo bem, estou com pressa" ,
despista.
"Algum problema com o cartão
de crédito?", pergunto amistosamente.
"Não, imagina. Bem... Até já.
Depois falamos com calma". Despede-se e parte rapidamente em
seu flutuante caminho. Ainda
posso vê-lo, adiante, preocupado,
retirando seu extrato do bolso.
Não aceitam real em Courchevel.
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