São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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REGIME MILITAR

Em depoimento, ex-soldado diz que antes de ir para combate tropa aprendia técnicas de tortura em Marabá

Ex-militar confirma que guerrilheiros foram executados

JOSÉ EDUARDO RONDON
DA AGÊNCIA FOLHA, EM XAMBIOÁ (TO)

Depoimento prestado anteontem pelo ex-soldado do Exército Raimundo Pereira serve para confirmar a versão de familiares de guerrilheiros do Araguaia segundo a qual alguns integrantes do movimento foram assassinados mesmo estando rendidos por membros das Forças Aramadas, e não foram mortos em combate, como sustenta o Exército.
A afirmação é do procurador da República no Pará Felício Pontes, que investiga o caso desde 2001 e tomou o depoimento de Pereira.
Os dois estavam na sexta-feira em Xambioá (TO, 487 km de Palmas) para acompanhar o início dos trabalhos de uma equipe de peritos enviada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos para localizar corpos de integrantes da guerrilha que podem estar enterrados numa área do município onde funcionou uma base do Exército.
A guerrilha foi um movimento armado de integrantes do PC do B que atuou na divisa dos Estados de Tocantins (na época, Goiás), do Pará e do Maranhão de 72 a 75.
No último final de semana, a revista "Época" divulgou declarações de quatro ex-militares que indicaram os locais em Xambioá onde podem estar as ossadas de quatro guerrilheiros.
Pereira é um desses ex-militares. Em seu depoimento, ele disse que um soldado que estava na base militar de Xambioá viu um guerrilheiro, identificado por ele como Daniel, preso na base escrever uma carta para a mãe por saber que ia morrer. O corpo de Daniel pode estar no local onde o grupo faz as escavações.
Ainda segundo o ex-militar, também está no local o corpo de Osvaldo Orlando Costa, conhecido como Osvaldão, um dos principais líderes da guerrilha.
Osvaldão, segundo Pereira, foi enterrado por soldados entre a sede da base e um posto usado como enfermaria pelos militares.
Em 2001, a pedido de familiares de guerrilheiros mortos, três inquéritos civis foram instalados em São Paulo, Brasília e Pará para buscar detalhes sobre a localização dos corpos dos guerrilheiros.

Curso de tortura
A Agência Folha teve acesso à transcrição do depoimento de Pereira. Nele, o ex-militar afirma que antes de ir para a base de Xambioá os militares aprendiam técnicas de tortura no quartel de Marabá (PA).
Alguns soldados levavam surras de cipó e eram colocados deitados, nus, na lama. Pelo depoimento, a atitude era para mostrar aos militares os horrores que enfrentariam na selva durante o combate à guerrilha.
Após as declarações de Pereira, Pontes disse que deve haver na próxima semana uma reunião entre procuradores do Pará e o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, para avaliar o depoimento e o resultado das escavações que acontecem em Xambioá.


Os jornalistas JOSÉ EDUARDO RONDON e ALAN MARQUES viajaram em avião da FAB, a convite da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, no trecho Brasília-Marabá (PA)

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