São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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JANIO DE FREITAS

Os desafinados

A nota emitida pela comissão executiva do PT, ao final de sua reunião para reafirmar "o capital ético e político" do partido, é deliberadamente mentirosa. O clamor suscitado pelo caso Waldomiro Diniz é devido, ao que afirmam as conclusões expostas em nota da executiva, a uma campanha "orquestrada por setores da oposição e da mídia".
Para evidenciar a falsidade da alegada orquestração entre oposicionistas e mídia, é suficiente lembrar a desproporção entre os espaços e tempos concedidos dia a dia, nos jornais e na tv, a representantes do PT e da oposição para considerações em torno do caso Waldomiro. Há mais, porém.
O governismo predominante na mídia transferiu-se do governo Fernando Henrique para o governo Lula. Dois fatores vêm em socorro dos que desejem defender a mídia: o governo Lula não é mais do que a continuação piorada do governo Fernando Henrique, que tanto encantava a mídia; e a maior parte da mídia aguarda a ajuda financeira cuja fórmula o governo está concluindo. Querer que esses fatores, além de talvez explicativos, não transpareçam atitude movida por interesse e, portanto, incompatível com a propalada ética da mídia, aí já seria demais.
Uma pergunta, a propósito: se a mídia faz "campanha sistemática" (...) "visando a enfraquecer o governo", por que o governo vem se ocupando tanto com a ajuda financeira pretendida pela maioria da mídia? É porque, à maneira sambista da mulher de malandro, gosta de apanhar; é para comprar silêncio e apoio, em prática de corrupção explícita; ou há terceira razão, como, por exemplo, relações governo/ mídia que, ressalvada uma exceção aqui outra ali, têm sido muito satisfatórias de parte a parte?
Em vez de orquestração da mídia com oposicionistas, o que levou às proporções do caso Waldomiro foi a desorquestração do PT, conduzido com a combinação de autoritarismo e inépcia. O próprio Lula teve em mãos a possibilidade de bloquear a progressão do caso, tão logo surgiu, e não a utilizou, ou nem a percebeu.
Na sexta-feira em que "Época" reproduziu trechos do vídeo com Waldomiro Diniz e Carlos Cachoeira, José Dirceu articulou a imediata divulgação do antídoto ao envolvimento do governo (e, claro, dele mesmo). Era o documento conclusivo da comissão interministerial constituída, no gabinete de Dirceu, para estudar a solução a ser dada pelo governo aos bingos. Divulgar a solução estabelecida -estatizar os bingos- enfraqueceria logo a contaminação do governo, cuja comissão decidira contrariamente a qualquer interesse negociado por Waldomiro Diniz.
José Dirceu batalhou naquela sexta-feira pela divulgação do documento. Lula não cedeu à idéia, ao que parece, convicto de que a revelação do vídeo não prosperaria, por se tratar de fato anterior ao seu governo e encerrável com a destituição de Diniz e inquérito policial. A partir dessa primeira gafe, foi uma sucessão de trapalhadas ainda inconcluída.
Enquanto era esperado no Hotel Glória para a festa de aniversário do PT, no Rio, naquela sexta-feira José Dirceu almoçava no "Globo". Já chegara às bancas a revista com a denúncia que atingia o seu gabinete. Revista de propriedade do grupo "Globo". Na ótica paranóide da direção petista, só a revelação da revista deve ser considerada, o almoço cordial, não.
Com a direção partidária que tem, o governo Lula não precisa de oposição. Nem a mídia precisa orquestrar coisa alguma.



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