São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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ELIO GASPARI

Erundina, a candidata com as contas na internet

Luiza Erundina, encarnação da primeira grande vitória eleitoral do PT, em 1988, é candidata a prefeita de São Paulo pelo PSB e informa:
"Darei total transparência às contas da campanha, divulgando-as em tempo real pela internet. Eu o farei, sem pretender dar lição a ninguém, para reafirmar meu compromisso com a ética no trato da coisa pública, o que entendo ser um dever de quem exerce um mandato popular".
O deputado Chico Alencar (PT-RJ) levará uma proposta de prestação de contas em tempo real para um debate na bancada do partido.
Condutas como a de Erundina podem impedir que as biografias dos governantes sejam tisnadas por prontuários como o de Waldomiro Diniz. Não é à toa que as prestações de contas de Lula têm um frontispício no qual se esclarece que "o candidato não arrecadou nem aplicou recursos na campanha eleitoral". Essas contas têm curiosidades que seriam facilmente explicadas se as cifras tivessem sido mostradas à patuléia em tempo real.
Em 1998, o comitê financeiro nacional de Lula não gastou um só tostão em cachês, palanques ou serviços de terceiros. É compreensível que em 2002, sob a direção de Duda Mendonça, esses adereços tenham custado R$ 852 mil. (A última campanha saiu por R$ 21 milhões.) Em 1998, quando o dinheiro era pouco, o comitê de Lula gastou R$ 104,4 mil em pesquisas eleitorais. Em 2002, o PT informou ao TSE que gastou zero.
As quatro campanhas tiveram tesoureiros diferentes. Na de 1989, o dinheiro petista era cuidado por Paulo Okamotto, que atualmente zela pelo cofre do Sebrae, ocupando a sua diretoria administrativa e financeira. Na campanha de 2002, o ervanário foi cuidado pelo professor Delúbio Soares. Em pelo menos uma ocasião, o companheiro Delúbio discutiu, no Palácio do Planalto, o preenchimento de cargos com um ministro de Lula.
O dinheiro das campanhas eleitorais carrega consigo quatro macumbas de Saruman, o feiticeiro do mal. Elas rondam a reputação de todas as contabilidades, não apenas as do PT.
Para cada real que passa por cima da mesa, corre outro por baixo. Qualquer organização na qual metade do dinheiro em circulação é ilegal tende a virar um antro. Há doadores interessados em dar o dinheiro por fora para explicitar o ato de corrupção. Grande foi o constrangimento de um candidato chamado em 1986 ao gabinete de um dos maiores empreiteiros do país para receber o seu, na mão. Eles se conheciam, mas o empreiteiro quis ter o gosto do jabaculê olho no olho.
Na fase final das grandes campanhas, para cada três reais que entram (por dentro ou por fora), um voa. Paga contas de Gollum e serviços prestados em Mordor. São parte do universo encantado das Terras Médias.
Como o mercado das campanhas tem uma enorme zona subterrânea, os custos relacionam-se com a fantasia.
As chances de um fornecedor receber direito o que lhe é devido estão em torno de 50%. Na eleição de 2002, produziu-se em torno do tucanato um caso de encantamento. A campanha de José Serra penou uma cobrança de R$ 32 milhões que seriam devidos por conta do aluguel de equipamento para a produção dos filmes de TV dos tucanos. Se a cobrança tivesse nexo, o PSDB deveria uma quantia próxima aos R$ 34 milhões declaradamente gastos para quitar todas as suas contas.
O PSDB informou à Justiça Eleitoral que os programas de TV custaram R$ 6,8 milhões. O PT diz que gastou R$ 7 milhões com seus filmes. Nos dois casos, as despesas representaram cerca de 30% das despesas totais de cada campanha. No mercado publicitário, acredita-se que os custos de serviços semelhantes gira em torno do dobro, coisa para mais de R$ 15 milhões. No mundo da marquetagem, somando todos os fluxos de dinheiro, estima-se que os programas de televisão queimem dois terços dos recursos que entram numa grande campanha.
Uma comissão independente de publicitários e gente de TV poderá ajudar a choldra, estudando as contas dos candidatos na internet e, sobretudo, avaliando o custo de cada programa. Eles diriam se números como os R$ 7 milhões do PT e R$ 6,8 milhões do PSDB ficam em pé.

O Homem do B

Se Lula estiver interessado em conversar com um administrador de grande município capaz de lhe expor uma política econômica alternativa, semelhante à do companheiro George Bush, que aumenta o déficit, mas faz crescer PIB, esse Homem do B existe e tem as seguintes credenciais:
1) Até o final de 2002, ele administrou um dos mais populosos (500 mil habitantes) e prósperos municípios brasileiros;
2) Não existem dados que permitam estimar o crescimento do PIB de cada município. Na medida em que a arrecadação de impostos reflete atividade econômica, esse prefeito conseguiu bons resultados. Em 2002, a coleta de impostos municipais cresceu 40,2%. Ficou três vezes acima do desempenho federal (16,9%). A média nacional dos municípios foi de 12,9%;
3) Como no caso de Bush, a administração desse prefeito pisou no acelerador do déficit. Em 2002, ele abriu um buraco de R$ 57,7 milhões (o maior de seu Estado), equivalente a 17% do orçamento. Em 2002, o prefeito de Ribeirão Preto era Antonio Palocci.

Erros

Duas informações publicadas aqui na semana passada estavam erradas.
1) A Receita Federal promete que até 15 de março (e não 15 de abril, como saiu) os contribuintes poderão baixar suas declarações de Imposto de Renda em plataformas livres, sem serem obrigados a usar o sistema Windows.
2) O governo federal não compra R$ 3 bilhões por ano de produtos da Microsoft. No ano fiscal de 2003, todos os negócios da empresa no Brasil somaram R$ 925 milhões. Disso, apenas 6% representam vendas para os governos federal, estaduais e municipais.

Só Eremildo entende o PIB Zero

Eremildo é um idiota. Acredita em tudo que o governo diz, sobretudo nas projeções estatísticas da ekipekonômica. Encantado com as últimas futurologias, ele fez algumas contas, usando números da renda das famílias que vivem na Grande São Paulo.
Os números crus são os seguintes:
Em 2002, a renda dos 10% mais pobres caiu 0,9%, e a dos 10% mais ricos caiu 11,5%.
Em 2003, a renda dos 10% mais pobres caiu 8,7%, e a dos mais ricos cresceu 1,9%.
Por idiota, Eremildo congelou dois percentuais (os 10% mais ricos e os 10% mais pobres). Admitindo que isso fosse possível, projetou o desempenho de FFHH. Resultou que em 19 anos o tucanato teria conseguido extinguir, por falta de renda, nove em cada dez pessoas da espécie que formava os 10% mais ricos de 2002.
Eremildo vê em Lula um verdadeiro São Jorge, salvando os ricos da extinção.
Projetando os resultados de 2003, dentro de 25 anos, terão desaparecido nove em cada dez pobres do grupo dos 10% que estão hoje no andar de baixo. Nesses mesmos 25 anos, a renda dos 10% mais ricos terá sido aumentada em 60%.
Com o PIB Zero, Lula dirige o maior plano de extinção da pobreza da face da terra.

Os cientistas precisam das letras

A Academia Brasileira de Ciências precisa pedir socorro à sua prima das Letras. Até o final de março, os seus membros elegerão uma nova diretoria. Há duas chapas na disputa. Uma, de oposição, tem o professor Luís Hildebrando Pereira como candidato a presidente e o físico Constantino Tsallis a vice. A outra, da situação, é encabeçada pelo professor Eduardo Krieger e tem como vice o professor Jacob Pallis. Até aí, tudo bem.
O problema dos cientistas está no fato de a chapa da situação se chamar "Fortalecimento e Renovação".
O doutor Krieger pleiteia a sexta reeleição. Está na cadeira desde 1993. O doutor Pallis pleiteia a terceira reeleição.
Eles carregam consigo cinco candidatos a diretor. Nenhum deles renova. Dois disputam a primeira reeleição, um disputa a terceira, outro, a quarta, e o campeão, a sexta.

Os eletropatrocínios municipais

O presidente da Eletrosul, Milton Mendes, é um dos mais bem-sucedidos exemplares da safra compensatória do PT-Federal. Perdeu a eleição para governador de Santa Catarina e ganhou a presidência da Eletrosul, a estatal que distribui energia no Sul do país. Cerca de 150 patrocínios pagos pela empresa em 2003 mostram um fenômeno de municipalização do estatismo. Gastou perto de R$ 1,5 milhão financiando iniciativas paroquiais como a 3ª Festa da Carpa e a Feira da Reforma Agrária no município de Abelardo Luz (R$ 7.000) ou projetos de fino gosto, como os concertos em igrejas da Camerata Florianópolis (R$ 12 mil) e o projeto Dança Alegre, de Alegrete (R$ 15 mil).
Os concertos custam metade do que a Eletrosul paga por um torneio de tênis (R$ 30 mil). Uma cota de patrocínio na festa da colheita do feijão num assentamento de Arapongas custou R$ 14 mil.
O doutor Mendes deve tomar cuidado. A montagem e desmontagem de estandes em feiras e congressos estão saindo um pouco salgados. Ele paga R$ 35 mil no patrocínio da maratona de Florianópolis e R$ 15 mil só pelo aluguel de equipamento para um estande na reunião da SBPC no Recife, para a qual passou R$ 35 mil como financiador.

Bingo

A senadora Ideli Salvati (PT-SC) poderia suspender a tramitação do seu projeto que legaliza bingos, sorteios e loterias (nº 522 de 2003). É direito dela, mas como vice-líder de um governo que fechou os bingos (e fez muito bem) a doutora acaba confundindo a platéia.

Portugal a perigo

Depois da conversa do presidente Nestor Kirchner com Lula em Caracas, ficou difícil a posição do economista Murilo Portugal como representante do Brasil junto ao FMI.
Se ficar calado, fica. Se não, sai.

Josef, guia genial

Colaborando com o comissário José Genoino no esforço purificador do PT, transcreve-se aqui um trecho de sua entrevista aos repórteres Ana Maria Tahan e Rodrigo Alves:
"Todo petista tem que ser supervigilante. Escolher com quem anda, conversa e se reúne. Temos de redobrar a vigilância onde trabalhamos".
Talvez os petistas possam mandar ao companheiro Geraldo do Araguaia uma lista de todas as pessoas com quem andam.
Se o comissário José Dirceu tivesse feito isso, Lula não estaria na encalacrada em que ficou.
Como diria o Marechal Stálin, em 1937, num discurso decisivo para sua biografia e para a vida de um monte de gente:
"Nós não precisamos de complacência, mas de vigilância, da verdadeira vigilância bolchevique revolucionária. (...) Todos os membros do partido precisam entender que a vigilância dos comunistas é necessária em todos os lugares e em todas as situações".


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