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UNIÃO
Além da falta de segurança, programas utilizados são "obsoletos e inadequados", de acordo com relatório da Fazenda
Sistema da dívida ativa é vulnerável a fraudes
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Documento sigiloso do Ministério da Fazenda reconhece: os
computadores que guardam os
dados da dívida ativa da União
são vulneráveis à fraude. Diz o
texto: "Os sistemas informatizados, não só da Procuradoria da
Fazenda Nacional em São Paulo,
como também nas demais unidades da Federação, realmente não
estão guarnecidos com mecanismos de segurança adequados".
Há mais: utilizam-se "programas em versões obsoletas e inadequados para uso corporativo".
Há pior: "Além disso, não existem programas ou equipamentos
para controle do que é instalado
nos microcomputadores [...] O
ambiente de trabalho onde se encontram os terminais não está
guarnecido com barreiras físicas
para impedir o acesso de pessoas
estranhas ou não autorizadas,
além do que não existe nenhuma
monitoração desses ambientes".
Em reportagem de 1º de fevereiro, a Folha revelou que qualquer
pessoa com conhecimentos rudimentares de informática e acesso
às dependências da Procuradoria
da Fazenda pode cancelar débitos
fiscais de empresas sem deixar
rastros. Movido pelas revelações
do jornal, o Ministério Público
Federal abriu, em 13 de fevereiro,
uma "representação criminal"
para investigar o escritório da
Procuradoria da Fazenda Nacional em São Paulo. A ação é conduzida pelo procurador da República Sérgio Gardenghi Suiama.
O documento que admite a
existência de fraudes foi anexado
ao inquérito recém-aberto. Trata-se do "relatório final" de um processo administrativo instaurado
justamente para apurar fraudes
praticadas na rede de computadores do escritório da Procuradoria da Fazenda em São Paulo. Foi
redigido em 5 de maio de 2003, já
sob Luiz Inácio Lula da Silva.
Da leitura se depreende que
Brasília está ciente da vulnerabilidade de sua rede de computadores pelo menos desde 2001. A irregularidade mais gritante consiste
na baixa de débitos de empresas
sem ter havido pagamento.
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional integra o organograma chefiado por Palocci. Funciona como uma grande banca pública de advocacia. Possui escritórios em todas as capitais brasileiras e seccionais em 62 municípios
do interior do país. Seu principal
"cliente" é a Receita Federal.
Uma das principais atribuições
do órgão é a gestão de uma lista
negra chamada Cida (Cadastro de
Informações da Dívida Ativa da
União), uma espécie de mega-Serasa, em que são inscritos os devedores contumazes do erário.
A lista contém 4,5 milhões de
nomes. Pessoas físicas e jurídicas.
Juntas, devem ao governo cerca
de R$ 200 bilhões. A cifra equivale
a 73% de tudo o que a Receita arrecadou em 2003: R$ 273 bilhões.
Na reportagem de fevereiro, a
Folha trouxe detalhes de auditoria feita pela Controladoria Geral
da União, vinculada à Presidência, no escritório paulista da Procuradoria da Fazenda. Foi concluída em 19 de setembro de 2003.
O quadro esboçado no documento, por grave, inspirou os auditores que o redigiram a sugerir a
constituição de uma "força-tarefa". Envolveria o Ministério Público, a Polícia Federal e a Receita.
A proposta foi ignorada.
A Folha apurou que a auditoria
de setembro de 2003 não foi a primeira incursão da Controladoria
nos subterrâneos da Procuradoria da Fazenda. A reportagem obteve outro relatório de auditoria.
É de 25 de outubro de 2002.
O texto relaciona 17 dívidas de
empresas canceladas irregularmente nos computadores do governo. Somam, em valores de
2002, R$ 5,6 milhões. São casos
anteriores à gestão Lula.
Descoberto o logro, os débitos
foram restituídos. Mas ninguém
foi punido. A ausência de punição
é algo tão corriqueiro na Procuradoria da Fazenda quanto a recorrência de adulterações nos arquivos. O curioso é que os lançamentos fraudulentos foram detectados em procedimento monitorado pelo próprio coordenador-geral da dívida ativa da União, com
gabinete em Brasília. Chama-se
Agostinho do Nascimento Netto.
Era coordenador sob Fernando
Henrique Cardoso. Manteve-se
no posto até duas semanas atrás.
Nascimento Netto foi afastado
da coordenação da dívida ativa no
calor das reportagens da Folha.
Oficialmente, nada tem a ver com
a exposição dos problemas.
A pedido da Procuradoria da
Fazenda em São Paulo, Nascimento Netto designara, em 2001,
um funcionário de sua confiança,
o procurador fazendário Fernando Luiz Gomes da Silva, para apurar suspeitas de baixas indevidas
de débitos. Em trabalho solitário,
Gomes da Silva listou quase duas
dezenas de fraudes.
Em depoimento de 18 de abril
de 2002, Gomes da Silva declarou
a uma comissão de sindicância
que o número de irregularidades,
todas elas ocorridas em São Paulo, era "extremamente pequeno,
considerando o número de processos e a quantidade de funcionários" lotados no escritório paulista da Fazenda. Nada assegura
que as fraudes nos cadastros da
dívida ativa tenham sido estancadas. A Procuradoria da Fazenda
opera ainda hoje o mesmo sistema "obsoleto" que possibilitou as
ações criminosas.
O Serpro (Serviço Federal de
Processamento de Dados), empresa pública que provê os recursos de informática da Fazenda,
dispõe de tecnologia capaz de deter as incursões clandestinas. A
implementação requer, porém,
dinheiro. Submetida à política de
cobertor curto que impera desde
o governo FHC, a Procuradoria
da Fazenda vem sendo submetida
a cortes orçamentários. Há sobre
a mesa do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) um programa de investimentos. Foi alinhavado depois das revelações da Folha. Aguarda deliberação.
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