São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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UNIÃO

Além da falta de segurança, programas utilizados são "obsoletos e inadequados", de acordo com relatório da Fazenda

Sistema da dívida ativa é vulnerável a fraudes

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Documento sigiloso do Ministério da Fazenda reconhece: os computadores que guardam os dados da dívida ativa da União são vulneráveis à fraude. Diz o texto: "Os sistemas informatizados, não só da Procuradoria da Fazenda Nacional em São Paulo, como também nas demais unidades da Federação, realmente não estão guarnecidos com mecanismos de segurança adequados".
Há mais: utilizam-se "programas em versões obsoletas e inadequados para uso corporativo".
Há pior: "Além disso, não existem programas ou equipamentos para controle do que é instalado nos microcomputadores [...] O ambiente de trabalho onde se encontram os terminais não está guarnecido com barreiras físicas para impedir o acesso de pessoas estranhas ou não autorizadas, além do que não existe nenhuma monitoração desses ambientes".
Em reportagem de 1º de fevereiro, a Folha revelou que qualquer pessoa com conhecimentos rudimentares de informática e acesso às dependências da Procuradoria da Fazenda pode cancelar débitos fiscais de empresas sem deixar rastros. Movido pelas revelações do jornal, o Ministério Público Federal abriu, em 13 de fevereiro, uma "representação criminal" para investigar o escritório da Procuradoria da Fazenda Nacional em São Paulo. A ação é conduzida pelo procurador da República Sérgio Gardenghi Suiama.
O documento que admite a existência de fraudes foi anexado ao inquérito recém-aberto. Trata-se do "relatório final" de um processo administrativo instaurado justamente para apurar fraudes praticadas na rede de computadores do escritório da Procuradoria da Fazenda em São Paulo. Foi redigido em 5 de maio de 2003, já sob Luiz Inácio Lula da Silva.
Da leitura se depreende que Brasília está ciente da vulnerabilidade de sua rede de computadores pelo menos desde 2001. A irregularidade mais gritante consiste na baixa de débitos de empresas sem ter havido pagamento.
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional integra o organograma chefiado por Palocci. Funciona como uma grande banca pública de advocacia. Possui escritórios em todas as capitais brasileiras e seccionais em 62 municípios do interior do país. Seu principal "cliente" é a Receita Federal.
Uma das principais atribuições do órgão é a gestão de uma lista negra chamada Cida (Cadastro de Informações da Dívida Ativa da União), uma espécie de mega-Serasa, em que são inscritos os devedores contumazes do erário.
A lista contém 4,5 milhões de nomes. Pessoas físicas e jurídicas. Juntas, devem ao governo cerca de R$ 200 bilhões. A cifra equivale a 73% de tudo o que a Receita arrecadou em 2003: R$ 273 bilhões.
Na reportagem de fevereiro, a Folha trouxe detalhes de auditoria feita pela Controladoria Geral da União, vinculada à Presidência, no escritório paulista da Procuradoria da Fazenda. Foi concluída em 19 de setembro de 2003.
O quadro esboçado no documento, por grave, inspirou os auditores que o redigiram a sugerir a constituição de uma "força-tarefa". Envolveria o Ministério Público, a Polícia Federal e a Receita. A proposta foi ignorada.
A Folha apurou que a auditoria de setembro de 2003 não foi a primeira incursão da Controladoria nos subterrâneos da Procuradoria da Fazenda. A reportagem obteve outro relatório de auditoria. É de 25 de outubro de 2002.
O texto relaciona 17 dívidas de empresas canceladas irregularmente nos computadores do governo. Somam, em valores de 2002, R$ 5,6 milhões. São casos anteriores à gestão Lula.
Descoberto o logro, os débitos foram restituídos. Mas ninguém foi punido. A ausência de punição é algo tão corriqueiro na Procuradoria da Fazenda quanto a recorrência de adulterações nos arquivos. O curioso é que os lançamentos fraudulentos foram detectados em procedimento monitorado pelo próprio coordenador-geral da dívida ativa da União, com gabinete em Brasília. Chama-se Agostinho do Nascimento Netto. Era coordenador sob Fernando Henrique Cardoso. Manteve-se no posto até duas semanas atrás.
Nascimento Netto foi afastado da coordenação da dívida ativa no calor das reportagens da Folha. Oficialmente, nada tem a ver com a exposição dos problemas.
A pedido da Procuradoria da Fazenda em São Paulo, Nascimento Netto designara, em 2001, um funcionário de sua confiança, o procurador fazendário Fernando Luiz Gomes da Silva, para apurar suspeitas de baixas indevidas de débitos. Em trabalho solitário, Gomes da Silva listou quase duas dezenas de fraudes.
Em depoimento de 18 de abril de 2002, Gomes da Silva declarou a uma comissão de sindicância que o número de irregularidades, todas elas ocorridas em São Paulo, era "extremamente pequeno, considerando o número de processos e a quantidade de funcionários" lotados no escritório paulista da Fazenda. Nada assegura que as fraudes nos cadastros da dívida ativa tenham sido estancadas. A Procuradoria da Fazenda opera ainda hoje o mesmo sistema "obsoleto" que possibilitou as ações criminosas.
O Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), empresa pública que provê os recursos de informática da Fazenda, dispõe de tecnologia capaz de deter as incursões clandestinas. A implementação requer, porém, dinheiro. Submetida à política de cobertor curto que impera desde o governo FHC, a Procuradoria da Fazenda vem sendo submetida a cortes orçamentários. Há sobre a mesa do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) um programa de investimentos. Foi alinhavado depois das revelações da Folha. Aguarda deliberação.


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