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Sociólogo defende encontro de vítima e algoz
Howard Zehr, professor nos EUA, defende no Brasil a Justiça Restaurativa, com resolução de conflitos sem interferência do Estado
Pioneiro na aplicação desse novo conceito de Justiça nos EUA, norte-americano lança hoje livro em que aposta na redenção de um acusado
FERNANDO BARROS DE MELLO
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Colocar a vítima diante do algoz e abrir a possibilidade de
ela relatar sua dor, na expectativa de que isso provoque uma
comoção e o conseqüente arrependimento do acusado.
Ingenuidade? Não é o que
pensa o professor norte-americano Howard Zehr, que há 30
anos vem formulando o conceito de Justiça Restaurativa.
Diferentemente da Justiça
tradicional, a proposta é delegar às partes a resolução do
conflito, sem intervenção do
Estado. A responsabilização
pelo crime não é tipificada em
lei, com pena predefinida, mas
acordada entre vítima, acusado, família e comunidade.
"Algumas vítimas conseguem fazer muitas perguntas
[para o acusado], até mesmo algo como "Por que você fez isso?", "Como foi?", "Quais foram
as últimas palavras da minha filha?". Com isso, conseguem tirar um peso das costas, dizer à
pessoa que fez aquilo como elas
se sentem, o que é bom."
Professor de Sociologia e
Justiça Restaurativa na Eastern Mennonite University,
Virgínia (EUA), Zehr diz que
um dos objetivos é fazer com
que o transgressor entenda o
impacto que causou à vítima.
A proposta é vista com cautela pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Marco
Aurélio Mello, que vê como
utopia a possibilidade de o acusado se colocar na posição da
vítima. "Teríamos que imaginar uma pureza maior que não
é comum nos dias de hoje."
Para o presidente da AMB
(Associação dos Magistrados
Brasileiros), Mozart Valadares,
é preciso apostar num novo
modelo, "principalmente porque o atual já mostrou que não
consegue recuperar ninguém".
Zehr atua no Judiciário dos
EUA dando suporte às vítimas.
Ele lança hoje, em São Paulo, o
livro "Trocando as Lentes". Na
terça, participará de evento em
Brasília e, na quarta, abrirá o
Congresso da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e Juventude,
em Florianópolis, que tem o
apoio do Instituto C&A. A seguir, trechos da entrevista concedida por telefone à Folha.
FOLHA - Qual a diferença entre a
Justiça Restaurativa e a tradicional?
ZEHR - No mundo ideal, diria
que as duas trabalham juntas,
em uma nova parceria. O sistema tradicional não coloca as vítimas e suas necessidades no
centro da questão. Hoje o crime
é contra o Estado e a lei foca,
primordialmente, a punição do
criminoso. A primeira coisa
que a Justiça Restaurativa faz é
dar à vitima um papel muito
mais importante. Para isso, o
principal é entender o mal que
foi causado e como repará-lo.
FOLHA - Os críticos são céticos sobre encontro de vítima e acusado.
ZEHR - Não é apropriado para
todos os casos e nem todas as
vítimas vão querer. Um problema do modelo tradicional é que
os criminosos, geralmente, não
entendem o impacto que causaram e o Estado precisa provar o crime. Ao ir para a prisão
não há empatia pela vítima. Na
Justiça Restaurativa, a pessoa
começa a pensar no que fez.
FOLHA - A consciência do criminoso é uma punição ainda mais forte?
ZEHR - Isso não ocorre com todo mundo, mas pesquisas mostram que o índice de reincidência cai em um terço. E, quando
cometem um novo crime, é menos sério do que o anterior. Estudos mostram ainda que, na
Justiça Restaurativa, 90% das
vítimas ficam satisfeitas. A Nova Zelândia organizou o Judiciário em torno dessa idéia. O
país não acredita que prender
seja a melhor solução para crimes menores. Preferem o círculo restaurativo, que é acompanhado por facilitadores treinados, não por juízes, cuja presença remeteria à autoridade
tradicional. Nos EUA, dois adolescentes foram condenados a
prisão porque colocaram uma
bomba no jardim do diretor da
escola. Depois do círculo, eles
pagaram o carro que havia sido
destruído e foram na porta das
pessoas dizer o que tinham feito. A prisão foi suspensa.
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