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ENTREVISTA DA 2ª
Psiquiatra, Jerrold M. Post fundou na CIA o Centro de Análise de Personalidade e Comportamento Político e faz perfis psicológicos de líderes para o governo dos EUA
Saddam no divã
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
O ex-ditador iraquiano Saddam
Hussein tem o "eu machucado" e
sofre de "narcisismo maligno". O
cubano Fidel Castro é um "carismático destrutivo". Kim Jong Il,
da Coréia do Norte, nunca conseguiu superar a figura paterna. E o
terrorista saudita Osama bin Laden tem traços messiânicos.
O diagnóstico não vem do senso
comum, mas da boca de um expert no assunto. O psiquiatra Jerrold M. Post, 70,
deve saber do que
está falando. No
começo dos anos
70, fundou o Centro de Análise de
Personalidade e
Comportamento
Político da CIA, a
agência norte-americana de espionagem.
Desde então, a
pedido dos sucessivos governos
norte-americanos, realiza perfis
psicológicos de líderes mundiais,
seja para encontros de cúpula, seja em situações de
crise. No primeiro
caso, por exemplo, perfilou os
convidados de
Jimmy Carter em Camp David
em 1978, quando o democrata se
encontrou com o então presidente egípcio, Anuar Sadat, e o premiê de Israel, Menahen Begin.
No segundo, traçou perfis de
Anastasio Somoza e Nicolae
Ceausescu -sim, ele é especializado em ditadores.
Considerado um dos pioneiros
na área e autor de "Political Paranoia - The Psychopolitics of Hatred" (paranóia política - a psicopolítica do ódio, 1997) e o recente
"Leaders and Their Followers in a
Dangerous World" (líderes e seus
seguidores em um mundo perigoso), nos últimos anos se dedicava mais ao programa de psicologia política da Universidade
George Washington, do qual é diretor. Até que aconteceu 11 de Setembro de 2001.
Primeiro, retomou o do terrorista saudita Osama bin Laden,
para o qual vinha colhendo material já havia alguns anos, desde o
primeiro atentado ao mesmo
World Trade Center, em 1993.
Nos meses seguintes, teve de atualizar o de Saddam Hussein, feito
no início dos anos 90.
E não parou mais desde então.
Entre uma palestra para agentes
de inteligência e uma sessão do
julgamento dos acusados de atacar as embaixadas norte-americanas na Tanzânia e no Quênia, do
qual é testemunha técnica, Jerrold
M. Post falou à Folha:
Folha - Em seu livro mais recente,
"Leaders and Their
Followers in a Dangerous World", o
sr. diz que, de todos os líderes que
perfilou, Saddam é
o mais traumático.
Por quê?
Jerrold M. Post -
É o caso clássico
de uma pessoa
com o "eu machucado", que poderia ter sido um
adulto inseguro e
ineficaz, mas que
em vez disso tomou outro caminho. O "eu machucado" vem de
sua infância, que é
diferente de todos
os líderes que eu já perfilei.
Aos quatro meses da gravidez
de Saddam, sua mãe perdeu o
marido; poucos meses depois, o
filho mais velho morreu na mesa
de operações, vítima de câncer.
Ela então tentou fazer um aborto,
malsucedido, e tentou se matar.
Quando Saddam nasceu, tentou
matá-lo. E isso é só o começo.
Para evitar que algo mais grave
acontecesse, um tio materno,
Khairalla Msallat, o resgatou pela
primeira vez. Depois de alguns
anos, ele voltaria a viver com a
mãe, que tinha acabado de casar.
Mas seu novo padrasto era psicológica e fisicamente violento.
Aos oito anos, seu tio o resgatou
de novo e durante toda a adolescência o encheria com sonhos de
glória, dizendo que um dia ele teria um papel heróico na história
do Iraque e no mundo árabe, seguiria os caminhos deixados por
Nabucodonosor e Saladino, figuras históricas que tomaram Jerusalém de volta aos muçulmanos.
O líder das massas demorou a
surgir. Se você
pensar bem, demorou até 1990,
quando ele invadiu o Kuait e conseguiu fazer disparar o preço do
petróleo com sua
ação e se fazer notar pelos outros líderes mundiais. É
aí que ele toma o
caminho do que
chamamos "narcisismo maligno".
É quando começa
o culto à personalidade, com as estátuas, os incontáveis palácios, a
própria efígie estampada nas cédulas do país.
Folha - O que a
captura modifica seu perfil?
Post - Sua vida constrói o que eu
chamo de uma alegoria arquitetônica. Ele nasceu numa aldeia lamacenta, não só economicamente, mas psicologicamente, então
supercompensa esse passado
construindo palácios magníficos,
com mármore, ouro. Mas, sob essa riqueza, o que vemos?
Bunkers, abrigos secretos subterrâneos. Isso revela mais sobre
seus traços psicológicos do que
centenas de tratados. E, ironicamente, no final, quando é capturado, ele está de volta à lama inicial, num buraco cavado na terra.
Folha - O sr. perfilou vários líderes ao longo das últimas décadas.
Qual mais o impressionou?
Post - Bem, um deles é obrigatoriamente Kim Jong Il, da Coréia
do Norte. Um personagem fascinante. Acho particularmente interessante que haja tão poucos líderes no mundo hoje em dia que
sucederam seus pais. Temos o rei
Abdullah, da Jordânia...
Folha - George W. Bush...
Post - Claro, ele também. E então, o mais importante, Kim Jong
Il, que sucedeu seu pai, ninguém
menos que o fundador da Coréia
do Norte contemporânea. É sempre difícil para um filho superar
uma figura paterna importante e
poderosa. Quando seu pai é venerado como deus, é impossível.
A ironia aqui é que a pessoa que
criou o culto à personalidade do
pai foi o próprio
filho, quando diretor do escritório
de Agitação e Propaganda. Também foi Il que propagou o mito de
que ele era o continuador da obra,
ao se autodenominar o "Caro Líder" dos norte-coreanos (o pai era
chamado de o
"Grande Líder").
Em contraste
com o de seu pai, o
plano principal de
poder de Il parece
ser manter seu extravagante estilo
de vida em Pyongyang. Na década
1989 até 1999, de
acordo com a empresa Henessy,
que produz o famoso conhaque, Il
gastou anualmente entre US$ 650
mil e US$ 800 mil com aquela bebida. Isso enquanto o salário
anual médio na Coréia do Norte é
entre US$ 900 e US$ 1 mil.
Ele tem algo como 10 mil a 20
mil filmes de longa-metragem, a
maioria ocidentais, em sua coleção particular. E se mira no exemplo de líderes de ficção para exercer sua Presidência.
Folha - Ainda nesse assunto, o sr.
já fez um perfil de George W. Bush?
Post - Não faço perfis de líderes
norte-americanos.
Por que não?
Post - Uma das exigências éticas
para ser psiquiatra nos EUA é não
dar opiniões profissionais nem fazer diagnósticos sobre pessoas em
cargos públicos. Seria antiético.
Um psicólogo pode fazer isso, um
cientista político pode fazer isso,
mas a mim não é permitido.
Folha - Quais seus principais
achados sobre Osama bin Laden?
Post - Ele está na mesma linha de
outros líderes carismáticos destrutivos, mas é diferente. Primeiro, porque foi bem-sucedido em
todas as suas ações, o que confirma o caráter messiânico que ele se
atribui e que seus seguidores lhe
atribuem. Segundo, porque não
foi pego pelas autoridades. Terceiro, porque tem um sucessor.
Bin Laden é como se fosse o presidente do conselho da Islam Radical Inc., empresa que ele aumenta
com aquisições e incorporações.
Se ele morre, será um problema,
mas terá alguém para substituí-lo.
Eles têm quatro diferentes chefes
de operações. Desde o Afeganistão, eles se descentralizaram, fizeram uma organização bastante
flexível. O verdadeiro problema é
a atração que esse islamismo radical tem sobre os mais jovens.
Folha - É disso, aliás, que trata
seu próximo livro, não?
Post - Sim. Entrevistei 35 terroristas presos, todos com atuação
prévia no Oriente Médio. Cheguei
a duas conclusões. A primeira é
que há vários tipos de terrorismo
e diferenças entre terroristas,
mesmo os que lutam aparentemente pela mesma causa. A segunda é que eles são bastante normais, psicologicamente falando.
Folha - Como assim?
Post - Não são psicopatas sedentos do sangue de inocentes. Explico. O terrorismo é um fenômeno
complicado. Quando George W.
Bush diz que esta é a primeira
guerra do século 21, ignora que,
na verdade, nossa era do terrorismo surgiu no começo dos anos
70, com o atentado nas Olimpíadas de 1972, que teve uma incrível
audiência televisiva. Foi ali que o
terrorismo percebeu o poder daquela nova mídia eletrônica.
Nessa época, havia o terrorismo
social-revolucionário, presente
na Europa, na Itália, com a Brigada Vermelha, na Alemanha, com
a Facção do Exército Vermelho, e
na América Latina, com as Farcs
da Colômbia, o Sendero Luminoso. Havia ainda o terrorismo separatista, caso do IRA na Irlanda
do Norte, o ETA na Espanha, a Jihad Islâmica. Os primeiros se revoltavam contra a geração anterior, leal ao regime. Os segundos
continuam a missão de seus pais,
e veja que são os que sobreviveram mais fortes até os nossos dias.
Folha - Quem são eles?
Post - Dentre esses, encontrei
dois tipos. O primeiro é o aspirante a homem-bomba do conflito israelo-palestino, por exemplo. São
jovens entre 17 e 22 anos, geralmente homens, sem formação,
sem emprego, solteiros, com uma
existência vazia. Seus recrutadores dizem que se eles querem fazer
algo significativo por suas vidas
devem se alistar entre os mártires,
pois seus pais ganharão dinheiro
e prestígio. Uma vez cooptados,
nunca são deixados sozinhos, para não desistirem na última hora.
O segundo são os do tipo dos seqüestradores de 11 de Setembro.
São mais velhos, entre 28 e 33
anos, com nível superior. Todos
vêm de classe média e já viveram
no Ocidente. São adultos formados, não jovens desiludidos. Não
querem a compensação financeira, mas propagar sua mensagem,
defender sua causa, pela qual estão dispostos a entregar sua vida.
Folha - O sr. já perfilou o presidente da Venezuela, Hugo Chávez?
Post - Tenho muito interesse nele, mas ainda não. Estou recolhendo material, particularmente sobre sua liderança atípica, como ele
se jogou contra os EUA, rapidamente se identificando com Fidel
Castro, sendo o primeiro líder
ocidental a visitar Saddam Hussein durante o embargo...
Folha - E Luiz Inácio Lula da Silva?
Post - Ainda não, apesar de
achá-lo fascinante.
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