São Paulo, domingo, 07 de agosto de 2005

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NO PLANALTO

Conheça a cronologia da era Lula, até o momento

JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA

2002:
Uma novidade agita o universo da política. Fermentando o fóssil de uma vaca sagrada da esquerda em reagentes publicitários, Duda Mendonça cria o candidato perfeito à Presidência. Chama-o pelo nome antigo, Lula. Mas troca-lhe os velhos dogmas por um par de asas.
Especialistas recebem a notícia com um pé atrás. Empregada anteriormente em âmbito municipal, alquimia semelhante redundara em fiasco. Metamorfoseado em benfeitor público, Maluf voltara a malufar depois de eleito.
A despeito das desconfianças, Duda exibe o candidato ideal no tubo catódico da televisão. O Lula de videoclipes voa para o outro lado da fronteira ideológica. Ataca tudo o que defendia e defende tudo o que atacava.
Promete mudar a economia. Mas só o suficiente para que a plutocracia não perca o controle da situação. Acena com a reforma dos costumes políticos. Mas só o bastante para que a fisiologia não fique sem os cargos e as verbas a que se habituara.
O Lula sintético mostra-se viável nos primeiros testes simulados. Obtém bom desempenho nas pesquisas de opinião. Os ternos caros, a barba aparada, o pó-de-arroz, os efeitos de luz, tudo parece emprestar-lhe inegável sex-appeal. Seduz 53 milhões de brasileiros.

2003:
A cobaia de Duda chega a Brasília acompanhada dos esquemas que a elegeram. Surgem os primeiros sinais de que pode ter havido um grande engano. Às voltas com as pompas do poder, o Lula de geração espontânea tropeça nas circunstâncias. Embora mais fotogênico, parece oco por dentro. Balbucia metáforas desconexas.
O Lula dos sonhos compõe um ministério de pesadelo. Bruxa, Branca de Neve, Lobo Mau e os porquinhos aparecem abraçados na Esplanada. Impossível distinguir mocinhos de vilões. O novo governo é tão maravilhoso quanto qualquer outro conto da carochinha.
Descobre-se que a fermentação da campanha não apagara a inexperiência administrativa do presidente perfeito. Ao se dar conta de que o Brasil não é um sindicato de metalúrgicos, ele se declara apaixonado pelo caos. É correspondido.
Gerente político-administrativo do governo ideal, Dirceu se comporta como um jóquei cego montando uma mula-sem-cabeça. Manadas de elefantes cruzam-lhe o caminho sem que ele os veja. Gestor econômico, Palocci conserva o conservadorismo. Vende a ilusão de que as coisas podem mudar não mudando.

2004:
Um elefante é flagrado com a tromba de fora em pleno Gabinete Civil, a poucos metros da sala do presidente-robô. Chama-se Waldomiro Diniz. Instado a dar explicações, o gerente Dirceu diz, olhando em volta: "Elefante, que elefante?"
De erro em erro, a panacéia da campanha desanda. Não há mais dúvidas: o presidente ideal não passara de ilusão espasmódica. Mais um logro a serviço de interesses espúrios. O que parecia anticorpo é, na verdade, micróbio.
Bactérias do petismo percorrem as veias da burocracia estatal a procura de encrenca. Delúbio, o bacilo-coletor, tem a coragem das perversões alheias. Despacha com empresários até no Palácio do Planalto. Protagoniza a rendição da pseudovirtude aos cifrões.
Enquanto o governo do presidente perfeito penetra o insondável, eleitores menos desavisados confabulam com os seus botões: "Isso não vai acabar bem".

2005:
Sob o presidente perfeito, o governo reincide no mais capital de todos os pecados: o pecado do capital propriamente dito. Dissemina-se a suspeita de que, além de duplicar os mesmos elementos que usara na falsa conversão de Maluf, Duda pode ter reaproveitado no experimento de 2002 restos de um melado viscoso que sobrara na proveta que dera origem a Collor.
A desenvoltura do bacilo Delúbio deixou claro que é possível reconhecer um PC Farias mesmo num petista. Descobre-se que o PT era a ideologia esperando pela melhor oportunidade para cair na vida. Como qualquer outra legenda, abriga em seus quadros um certo número de políticos com o cérebro menor do que o bolso.
No momento: a situação está assim:
Duda Mendonça busca explicações para o fato de o candidato perfeito ter resultado num presidente temerário. Antes, tenta justificar os R$ 15,5 milhões que sua agência teria recebido das arcas podres do petismo.
Dirceu, depois de enfiar o dedo na fava de mel do poder, fugia das abelhas no instante em que foi esmagado pela pata de outro elefante que passeou pelo Gabinete Civil sem ser notado. "Marcos Valério, que Valério?", dizia na terça-feira, em depoimento na Comissão de Ética da Câmara.
Na luta para salvar o que resta de sua biografia, o Lula perfeito já admite perder tudo, menos os seus valores éticos. Continua procurando. Talvez passe à história como o mais culpado dos inocentes. Ou o mais inocente dos culpados.


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