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NO PLANALTO
Conheça a cronologia da era Lula, até o momento
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
2002:
Uma novidade agita o universo
da política. Fermentando o fóssil
de uma vaca sagrada da esquerda
em reagentes publicitários, Duda
Mendonça cria o candidato perfeito à Presidência. Chama-o pelo
nome antigo, Lula. Mas troca-lhe
os velhos dogmas por um par de
asas.
Especialistas recebem a notícia
com um pé atrás. Empregada anteriormente em âmbito municipal, alquimia semelhante redundara em fiasco. Metamorfoseado
em benfeitor público, Maluf voltara a malufar depois de eleito.
A despeito das desconfianças,
Duda exibe o candidato ideal no
tubo catódico da televisão. O Lula
de videoclipes voa para o outro lado da fronteira ideológica. Ataca
tudo o que defendia e defende tudo o que atacava.
Promete mudar a economia.
Mas só o suficiente para que a plutocracia não perca o controle da
situação. Acena com a reforma
dos costumes políticos. Mas só o
bastante para que a fisiologia não
fique sem os cargos e as verbas a
que se habituara.
O Lula sintético mostra-se viável nos primeiros testes simulados. Obtém bom desempenho
nas pesquisas de opinião. Os ternos caros, a barba aparada, o pó-de-arroz, os efeitos de luz, tudo
parece emprestar-lhe inegável
sex-appeal. Seduz 53 milhões de
brasileiros.
2003:
A cobaia de Duda chega a Brasília acompanhada dos esquemas
que a elegeram. Surgem os primeiros sinais de que pode ter havido um grande engano. Às voltas
com as pompas do poder, o Lula
de geração espontânea tropeça
nas circunstâncias. Embora mais
fotogênico, parece oco por dentro. Balbucia metáforas desconexas.
O Lula dos sonhos compõe um
ministério de pesadelo. Bruxa,
Branca de Neve, Lobo Mau e os
porquinhos aparecem abraçados
na Esplanada. Impossível distinguir mocinhos de vilões. O novo
governo é tão maravilhoso quanto qualquer outro conto da carochinha.
Descobre-se que a fermentação
da campanha não apagara a inexperiência administrativa do presidente perfeito. Ao se dar conta de
que o Brasil não é um sindicato de
metalúrgicos, ele se declara apaixonado pelo caos. É correspondido.
Gerente político-administrativo
do governo ideal, Dirceu se comporta como um jóquei cego montando uma mula-sem-cabeça.
Manadas de elefantes cruzam-lhe
o caminho sem que ele os veja.
Gestor econômico, Palocci conserva o conservadorismo. Vende
a ilusão de que as coisas podem
mudar não mudando.
2004:
Um elefante é flagrado com a
tromba de fora em pleno Gabinete Civil, a poucos metros da sala
do presidente-robô. Chama-se
Waldomiro Diniz. Instado a dar
explicações, o gerente Dirceu diz,
olhando em volta: "Elefante, que
elefante?"
De erro em erro, a panacéia da
campanha desanda. Não há mais
dúvidas: o presidente ideal não
passara de ilusão espasmódica.
Mais um logro a serviço de interesses espúrios. O que parecia anticorpo é, na verdade, micróbio.
Bactérias do petismo percorrem
as veias da burocracia estatal a
procura de encrenca. Delúbio, o
bacilo-coletor, tem a coragem das
perversões alheias. Despacha com
empresários até no Palácio do
Planalto. Protagoniza a rendição
da pseudovirtude aos cifrões.
Enquanto o governo do presidente perfeito penetra o insondável, eleitores menos desavisados
confabulam com os seus botões:
"Isso não vai acabar bem".
2005:
Sob o presidente perfeito, o governo reincide no mais capital de
todos os pecados: o pecado do capital propriamente dito. Dissemina-se a suspeita de que, além de
duplicar os mesmos elementos
que usara na falsa conversão de
Maluf, Duda pode ter reaproveitado no experimento de 2002 restos de um melado viscoso que sobrara na proveta que dera origem
a Collor.
A desenvoltura do bacilo Delúbio deixou claro que é possível reconhecer um PC Farias mesmo
num petista. Descobre-se que o
PT era a ideologia esperando pela
melhor oportunidade para cair na
vida. Como qualquer outra legenda, abriga em seus quadros um
certo número de políticos com o
cérebro menor do que o bolso.
No momento: a situação está assim:
Duda Mendonça busca explicações para o fato de o candidato
perfeito ter resultado num presidente temerário. Antes, tenta justificar os R$ 15,5 milhões que sua
agência teria recebido das arcas
podres do petismo.
Dirceu, depois de enfiar o dedo
na fava de mel do poder, fugia das
abelhas no instante em que foi esmagado pela pata de outro elefante que passeou pelo Gabinete Civil
sem ser notado. "Marcos Valério,
que Valério?", dizia na terça-feira,
em depoimento na Comissão de
Ética da Câmara.
Na luta para salvar o que resta
de sua biografia, o Lula perfeito já
admite perder tudo, menos os
seus valores éticos. Continua procurando. Talvez passe à história
como o mais culpado dos inocentes. Ou o mais inocente dos culpados.
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