São Paulo, sábado, 07 de setembro de 2002

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INCONSCIENTE ELEITORAL

Conselhos de charme e receitas de beleza

MARCELO COELHO

Ciro Gomes e Patrícia Pillar formam, sem dúvida, um casal bem fotogênico. Os outros candidatos tratam de seguir o modelito. Além de ter Rita Camata como vice na chapa, José Serra é fotografado o tempo todo com sua mulher, Monica, e sua filha, Veronica. Lula é candidato pela quarta vez à Presidência e só agora é que Marisa passa a aparecer mais em sua campanha.
Nada contra as cenas desse tipo, sempre harmoniosas e simpáticas. As mulheres acabam se responsabilizando pela tarefa de dar uma face humana ao candidato.
Não se deve esquecer o rápido sucesso que Roseana Sarney alcançou, há alguns meses, nas pesquisas de opinião. Frustrada a sua candidatura, os marqueteiros logo notaram a necessidade de prover de algum charme as candidaturas rivais.
Uma das coisas irritantes do marketing político, e de quase todo processo de livre concorrência, aliás, é que em vez de se acentuarem as diferenças, as rivalidades, os conflitos (base, afinal de contas, da própria liberdade de escolha), todo um aparato técnico é mobilizado para tornar os adversários mais e mais semelhantes entre si.
Não é que cada candidato seja simplesmente vendido como um sabonete. É que entre o sabonete A, com lanolina e leite de aveia, e o sabonete B, com camomila e óleo de oliva, as diferenças se tornam muito desimportantes. Ao menos, entre sabonetes, as cores variam do rosa pálido ao verde água, do amarelo ao branco.
Tem um pouco essa característica a polêmica sobre o número de empregos que cada candidato pretende criar a partir do ano que vem. Oito milhões? Ou 10 milhões? José Serra quis mostrar-se incisivo. "O PT está propondo criar 10 milhões. Se eu quisesse fazer demagogia, proporia 11 milhões. Mas aí seria um concurso de Papai Noel."
Muito bem; fiquemos então com a tese de que prometer oito milhões de emprego não é demagogia. Ou, mais exatamente, que é apenas 80% de demagogia.
Esses números parecem justamente as estatísticas que aparecem nos anúncios de sabonete, que não mudam muito desde a velhíssima história de que nove entre dez estrelas de cinema usavam Lux.
Ocorre que, nesta campanha, os candidatos não estão apenas sendo tratados como sabonetes. A novidade é que eles se comportam como as moças que fazem o anúncio do sabonete. Deixaram de ser o produto, tornaram-se quem consome o produto.
A presença das mulheres na campanha de cada candidato não esconde um outro fato: os próprios candidatos se feminilizaram.
Lula embelezou; cerca-se de ademanes, mimos, não-me-toques. A atuação de Serra lembra a de uma tia preocupada com o sobrinho que fuma demais, a de uma diretora da escola que pinga gotinha no dia da vacinação, ou a de uma vizinha querendo esvaziar as tinas e pneus velhos do quintal. O visual de Garotinho evoca um pouco o daqueles tenores aflautados de ópera cômica, cheirando a talco e óleo de alfazema. Resta Ciro, com sua jactância de água de colônia agreste, e sua frase a respeito do papel conjugal de Patrícia Pillar, o de dormir com ele. O episódio é meio ridículo; que a propaganda de Serra explore a frase é ridículo também.
O que acontece, no fundo, é que as candidaturas seguem um duplo estereótipo feminino: o da vestal, da donzela inatacável, de um lado, e, de outro, o da... digamos, o da mulher mundana, a que topa qualquer acordo, e já mandou os princípios pelo ralo, junto com a água do banho.


MARCELO COELHO, colunista da Folha, escreve aos sábados



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