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INCONSCIENTE ELEITORAL
Conselhos de charme e receitas de beleza
MARCELO COELHO
Ciro Gomes e Patrícia Pillar
formam, sem dúvida, um casal bem fotogênico. Os outros candidatos tratam de seguir o modelito. Além de ter Rita Camata como vice na chapa, José Serra é fotografado o tempo todo com sua
mulher, Monica, e sua filha, Veronica. Lula é candidato pela quarta vez à Presidência e só agora é
que Marisa passa a aparecer mais
em sua campanha.
Nada contra as cenas desse tipo,
sempre harmoniosas e simpáticas.
As mulheres acabam se responsabilizando pela tarefa de dar uma
face humana ao candidato.
Não se deve esquecer o rápido
sucesso que Roseana Sarney alcançou, há alguns meses, nas pesquisas de opinião. Frustrada a
sua candidatura, os marqueteiros
logo notaram a necessidade de
prover de algum charme as candidaturas rivais.
Uma das coisas irritantes do
marketing político, e de quase todo processo de livre concorrência,
aliás, é que em vez de se acentuarem as diferenças, as rivalidades,
os conflitos (base, afinal de contas,
da própria liberdade de escolha),
todo um aparato técnico é mobilizado para tornar os adversários
mais e mais semelhantes entre si.
Não é que cada candidato seja
simplesmente vendido como um
sabonete. É que entre o sabonete
A, com lanolina e leite de aveia, e
o sabonete B, com camomila e
óleo de oliva, as diferenças se tornam muito desimportantes. Ao
menos, entre sabonetes, as cores
variam do rosa pálido ao verde
água, do amarelo ao branco.
Tem um pouco essa característica a polêmica sobre o número de
empregos que cada candidato
pretende criar a partir do ano que
vem. Oito milhões? Ou 10 milhões?
José Serra quis mostrar-se incisivo. "O PT está propondo criar 10
milhões. Se eu quisesse fazer demagogia, proporia 11 milhões.
Mas aí seria um concurso de Papai Noel."
Muito bem; fiquemos então com
a tese de que prometer oito milhões de emprego não é demagogia. Ou, mais exatamente, que é
apenas 80% de demagogia.
Esses números parecem justamente as estatísticas que aparecem nos anúncios de sabonete,
que não mudam muito desde a
velhíssima história de que nove
entre dez estrelas de cinema usavam Lux.
Ocorre que, nesta campanha, os
candidatos não estão apenas sendo tratados como sabonetes. A
novidade é que eles se comportam
como as moças que fazem o anúncio do sabonete. Deixaram de ser
o produto, tornaram-se quem
consome o produto.
A presença das mulheres na
campanha de cada candidato
não esconde um outro fato: os
próprios candidatos se feminilizaram.
Lula embelezou; cerca-se de
ademanes, mimos, não-me-toques. A atuação de Serra lembra a
de uma tia preocupada com o sobrinho que fuma demais, a de
uma diretora da escola que pinga
gotinha no dia da vacinação, ou a
de uma vizinha querendo esvaziar as tinas e pneus velhos do
quintal. O visual de Garotinho
evoca um pouco o daqueles tenores aflautados de ópera cômica,
cheirando a talco e óleo de alfazema. Resta Ciro, com sua jactância
de água de colônia agreste, e sua
frase a respeito do papel conjugal
de Patrícia Pillar, o de dormir
com ele. O episódio é meio ridículo; que a propaganda de Serra explore a frase é ridículo também.
O que acontece, no fundo, é que
as candidaturas seguem um duplo estereótipo feminino: o da vestal, da donzela inatacável, de um
lado, e, de outro, o da... digamos, o
da mulher mundana, a que topa
qualquer acordo, e já mandou os
princípios pelo ralo, junto com a
água do banho.
MARCELO COELHO, colunista da Folha,
escreve aos sábados
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