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Jobim ameaçou afastar cúpula do Exército
Ministro exigiu receber antecipadamente a nota do Alto Comando e a leu para o presidente Lula antes que fosse divulgada
Ao receber a nota, Jobim fez pequenas mudanças, só na forma, e disse a Lula que seu conteúdo estava "OK"; Lula concordou com o ministro
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
O ministro da Defesa, Nelson
Jobim, ameaçou destituir o comandante do Exército, general
Enzo Martins Peri, e os generais que aderissem a uma reação considerada "fora do tom"
contra o livro-relatório sobre
torturas e mortes no regime
militar que foi lançado pelo
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva na quarta-feira retrasada.
Dois dias depois, Jobim soube que o Alto Comando do
Exército fora convocado extraordinariamente para discutir o livro e o seu lançamento no
Planalto. Enviou, então, um
emissário civil ao Quartel-General do Exército, em Brasília,
avisando que não iria tolerar
insubordinação.
O ministro já sabia que os 14
generais-de-exército do Alto
Comando, que têm a maior patente da Força, estavam com
posições duras. Os mais exaltados defendiam uma nota direta
contra o Planalto e o ministro,
que já tinha feito a primeira
ameaça na cerimônia do livro
-"Não haverá indivíduo que
possa reagir [contra o livro], e,
se houver, terá resposta".
Quando soube que haveria a
reunião do QG do Exército, Jobim avisou o presidente, que
lhe deu carta-branca. Ele, então, enviou o emissário e exigiu
receber antecipadamente a nota do Alto Comando.
Durante a reunião, os generais se manifestaram um a um.
Enzo ouviu e defendeu uma nota "firme, mas elegante", sem
personalizar o alvo.
O texto final teve três eixos:
1) rechaçar a hipótese de revisão da Lei de Anistia, de 1979,
para possibilitar o julgamento
de oficiais envolvidos com torturas e mortes; 2) dizer que só
há "um Exército", ontem e hoje; 3) reclamar que "fatos históricos têm diferentes interpretações" -não só a da esquerda.
Com o fim da reunião, o comandante foi até a Defesa entregar a nota. Tanto Jobim
quanto o general Enzo descrevem a conversa como "normal". O ministro fez pequenas
mudanças -e só na forma- para divulgar que a nota fora "negociada". Depois, telefonou para o presidente, leu parágrafo
por parágrafo e deu sua opinião: "Por mim, está OK". Lula
concordou.
A reação do Exército não foi
combinada com Marinha e Aeronáutica. O comandante da
FAB, brigadeiro Juniti Saito,
chegou a minimizar com assessores a ameaça contida no discurso do ministro na solenidade, argumentando que tinha sido de improviso. Errado.
O ministro tinha sido procurado por um oficial na manhã
de quarta-feira, horas antes do
lançamento do livro sobre tortura, que lhe transmitiu o mal-estar das tropas com a obra, algo que a Folha já registrava naquele dia. O oficial esperava algum tipo de condenação à iniciativa, mas Jobim a apoiou.
Ao chegar no Planalto, o ministro avisou o presidente que
já havia reações da reserva e
que poderia haver também da
ativa, mas que ele se anteciparia para evitá-las. Pediu para
falar por último. Avaliava que
era importante que ele próprio
assumisse o "tranco" e ficasse
na linha de frente. Se houvesse
confronto, fosse entre ele e os
militares, preservando Lula.
Entre a solenidade do Planalto, na quarta, e a nota do
Exército, na sexta, Jobim participou de uma solenidade da
Marinha no Rio e foi aplaudido.
Jobim foi e voltou ao Haiti
nesta semana com os comandantes do Exército e da Aeronáutica, num avião da FAB,
mas não trataram do mal-estar
político com o Exército.
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