São Paulo, sexta-feira, 07 de setembro de 2007

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Jobim ameaçou afastar cúpula do Exército

Ministro exigiu receber antecipadamente a nota do Alto Comando e a leu para o presidente Lula antes que fosse divulgada

Ao receber a nota, Jobim fez pequenas mudanças, só na forma, e disse a Lula que seu conteúdo estava "OK"; Lula concordou com o ministro

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, ameaçou destituir o comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, e os generais que aderissem a uma reação considerada "fora do tom" contra o livro-relatório sobre torturas e mortes no regime militar que foi lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na quarta-feira retrasada.
Dois dias depois, Jobim soube que o Alto Comando do Exército fora convocado extraordinariamente para discutir o livro e o seu lançamento no Planalto. Enviou, então, um emissário civil ao Quartel-General do Exército, em Brasília, avisando que não iria tolerar insubordinação.
O ministro já sabia que os 14 generais-de-exército do Alto Comando, que têm a maior patente da Força, estavam com posições duras. Os mais exaltados defendiam uma nota direta contra o Planalto e o ministro, que já tinha feito a primeira ameaça na cerimônia do livro -"Não haverá indivíduo que possa reagir [contra o livro], e, se houver, terá resposta".
Quando soube que haveria a reunião do QG do Exército, Jobim avisou o presidente, que lhe deu carta-branca. Ele, então, enviou o emissário e exigiu receber antecipadamente a nota do Alto Comando.
Durante a reunião, os generais se manifestaram um a um. Enzo ouviu e defendeu uma nota "firme, mas elegante", sem personalizar o alvo.
O texto final teve três eixos: 1) rechaçar a hipótese de revisão da Lei de Anistia, de 1979, para possibilitar o julgamento de oficiais envolvidos com torturas e mortes; 2) dizer que só há "um Exército", ontem e hoje; 3) reclamar que "fatos históricos têm diferentes interpretações" -não só a da esquerda.
Com o fim da reunião, o comandante foi até a Defesa entregar a nota. Tanto Jobim quanto o general Enzo descrevem a conversa como "normal". O ministro fez pequenas mudanças -e só na forma- para divulgar que a nota fora "negociada". Depois, telefonou para o presidente, leu parágrafo por parágrafo e deu sua opinião: "Por mim, está OK". Lula concordou.
A reação do Exército não foi combinada com Marinha e Aeronáutica. O comandante da FAB, brigadeiro Juniti Saito, chegou a minimizar com assessores a ameaça contida no discurso do ministro na solenidade, argumentando que tinha sido de improviso. Errado.
O ministro tinha sido procurado por um oficial na manhã de quarta-feira, horas antes do lançamento do livro sobre tortura, que lhe transmitiu o mal-estar das tropas com a obra, algo que a Folha já registrava naquele dia. O oficial esperava algum tipo de condenação à iniciativa, mas Jobim a apoiou.
Ao chegar no Planalto, o ministro avisou o presidente que já havia reações da reserva e que poderia haver também da ativa, mas que ele se anteciparia para evitá-las. Pediu para falar por último. Avaliava que era importante que ele próprio assumisse o "tranco" e ficasse na linha de frente. Se houvesse confronto, fosse entre ele e os militares, preservando Lula.
Entre a solenidade do Planalto, na quarta, e a nota do Exército, na sexta, Jobim participou de uma solenidade da Marinha no Rio e foi aplaudido.
Jobim foi e voltou ao Haiti nesta semana com os comandantes do Exército e da Aeronáutica, num avião da FAB, mas não trataram do mal-estar político com o Exército.


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