São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2001

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QUESTÃO AGRÁRIA

Incra e Itesp dizem que faltam áreas para reforma agrária

Assentamento de famílias de sem-terra pára em SP

FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL

O assentamento de famílias de agricultores sem terra no Estado de São Paulo para fins de reforma agrária está paralisado.
Desde janeiro, nenhuma família foi assentada pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), órgão do governo federal, ou pelo Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo), instância estadual.
Insatisfeito, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) já programa uma série de invasões em fazendas e protestos para o início do ano que vem.
Segundo o Incra, houve até agora neste ano apenas o "reassentamento" (regularização do lote) de oito famílias no Estado. Mas não novos assentamentos.
Apesar disso, a superintendência do instituto em São Paulo promete realizar, nos três meses que faltam para o final do ano, o assentamento de até 460 famílias, em três fazendas desapropriadas que já têm emissão de posse concedida pela Justiça: Passo do Planalto (município de Guaratã), Santa Rita (em São José dos Campos) e São Francisco (em Caiuá).
O problema é que em duas destas fazendas -Passo e São Francisco- o processo parou em virtude da greve do Judiciário.
"Temos tido muitas dificuldades com a tramitação de processos de desapropriação na Justiça. Contestações e revisões nos valores da indenização estão atrasando os processos", diz o superintendente do Incra em São Paulo, Geraldo Leite.

Baixos estoques
A morosidade no ritmo de assentamentos pelo Incra é evidenciada pela comparação com anos anteriores. Em 1997, foram 1.331 famílias de sem-terra assentadas no Estado. Em 1998, foram 1.663 e em 1999, 1.362. No ano passado, já houve forte de queda: apenas 379 assentamentos.
Numa tentativa de agilizar o processo, o Incra decidiu que vai passar a comprar áreas produtivas a partir do ano que vem para fazer os assentamentos. As primeiras regiões a serem abordadas são as de Andradina e Pereira Barreto.
Leite afirma que a redução não se deveu à falta de vontade de política do governo ou a cortes no Orçamento. Além dos problemas na Justiça, afirma ele, está acabando o "estoque" de terras improdutivas do Estado.
"As terras mais facilmente identificáveis como improdutivas estão no fim", declara. Segundo o superintendente, o próprio MST, ferrenho opositor do programa federal de reforma agrária, ajuda, com suas invasões, a "identificar" áreas a serem desapropriadas.
"Os sem-terra têm grande capacidade de identificar áreas improdutivas. Os assentamentos via de regra eram realizados onde os sem-terra se mobilizavam", afirma o superintendente.
Além das três áreas com emissão de posse da Justiça, há ainda cinco fazendas "ajuizadas" pelo Incra (com processos entregues ao Judiciário para aprovação), outras cinco em fase final de avaliação e cerca de 50 em vistoria, das quais apenas 18 devem ser declaradas improdutivas. Isso, para o superintendente do Incra, demonstra como está difícil obter terras para reforma agrária.
Mas os sem-terra costumam contestar alguns dos laudos de vistoria, por avaliarem que o Incra é muito flexível no conceito de "terra produtiva".

Lentidão estadual
O Itesp, que lida somente com áreas devolutas (em poder do Estado), também justifica a lentidão pela falta de terras disponíveis para assentamento.
"As terras devolutas estão acabando. Agora, o que há são terras presumivelmente devolutas, para as quais não temos poder de força. Temos de negociar caso a caso", diz a diretora-executiva do Itesp, Tânia Andrade.
As terras "presumivelmente devolutas" são objeto de disputa entre o Estado, que as reivindica como públicas, e os ocupantes, que frequentemente apresentam títulos de posse antigos, muitas vezes "grilados" (falsos).
Em geral, o Estado ganha a causa na Justiça, uma vez que os ocupantes não conseguem provar que descendem dos verdadeiros proprietários.
Mas, quando há a conclusão de que o lote do Estado é ocupado de boa-fé, o Itesp se vê obrigado a indenizar os ocupantes pelas benfeitorias (obras de infra-estrutura) realizadas na área. Esse dinheiro é repassado pelo governo federal por meio de convênios.
Neste ano, o repasse atrasou, e o Itesp espera ainda por R$ 19 milhões para indenizar as benfeitorias dos ocupantes de terras devolutas. O Incra atribui o atraso a problemas burocráticos, não a corte de gastos, e promete fazer o repasse ainda neste mês.
Como resultado, nenhuma família foi assentada ainda pelo governo estadual, que tem se dedicado em 2001 ao trabalho de vistoriar terras e fornecer assistência técnica aos assentados.
Garantido está apenas o assentamento de 155 famílias pelo Itesp até o final do ano, em áreas que já têm acordo fechado para o pagamento das benfeitorias.
Havendo a confirmação do repasse do governo federal, outras 730 famílias sem terra poderão ser assentadas pelo Itesp já no início do próximo ano.
O ritmo de assentamento pelo Itesp também vem caindo nos últimos anos. Entre 1995 e 1998, foram 4.124 famílias assentadas, mas, nos dois últimos anos, este número foi de apenas 336.
Em São Paulo, a maior concentração de terras devolutas está no Pontal do Paranapanema (extremo oeste do Estado).


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