São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Faltam transparência e regras claras sobre ONGs, diz procurador

Segundo Tomáz de Aquino Rezende, país precisa de "novo marco legal" e governo deve monitorar resultado de entidades

Presidente de associação do Ministério Público para o terceiro setor quer definição de critérios sobre quem pode receber verba pública

FERNANDO BARROS DE MELLO
DA REDAÇÃO

O procurador de Justiça em Minas Gerais Tomáz de Aquino Rezende afirma que faltam dados confiáveis sobre as ONGs no país. Por isso, coordenou um censo sobre o setor em Belo Horizonte (MG). Para Aquino, a falta de clareza na legislação abre espaço para corrupção. Segundo ele, o cenário atual faz com que muitas instituições não sejam eficazes. "Fica beija-flor apagando fogo. Beija-flor não foi feito para apagar fogo", diz o presidente da Associação Nacional de Procuradores e Promotores de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social.  

FOLHA - Qual a primeira constatação sobre as ONGs no país?
TOMÁZ DE AQUINO RESENDE
- É que não se tem informações sobre elas. Dados do governo diziam que existiriam 4.800 organizações sem fins lucrativos em Belo Horizonte, mas pela pesquisa que fizemos existem 1.800.
Segundo o IBGE, existem 270 mil instituições no Brasil, só que esse número pode ser falso.
Veja, algumas instituições têm cinco pessoas jurídicas no mesmo endereço, quando na verdade existe só uma. Por exemplo, a associação recebe uma multa por não declarar imposto. Em vez de pagar, cria uma nova associação e deixa a outra registrada em cartório.
Essa passa a existir de direito, mas não de fato.

FOLHA - O que fazer para fiscalizar?
RESENDE
- É preciso definir critérios para quem vai receber o dinheiro do governo. Não podem ser critérios políticos. E os próprios ministérios devem ver o que está sendo feito. Tem que haver um monitoramento, mas não do jeito que é feito. Uma nota fiscal de cem pães significa que cem pessoas comeram pães? Não. Se você chegar na esquina a uma padaria, você consegue uma nota fiscal.
Precisamos monitorar resultados. Qualquer organização que cuida de questões drásticas e de interesse social, como, por exemplo, pessoas em situação de rua, tem que ter tempo de validade. Como se fala de uma associação que tem objetivo tirar criança da rua e ela existe há 20 anos? Ela é ineficiente, tem que sair do mercado.

FOLHA - É preciso alterar a lei?
RESENDE
- As leis que existem sobre as relações entre os setores, sobre a relação com o governo, por exemplo, são péssimas. É preciso estabelecer um marco novo. Não precisa dessa parafernália de leis. Hoje, não se pode remunerar dirigente. Qual é o pecado em uma pessoa receber pelo serviço? Quando se fala em terceiro setor, não é só gente que está querendo se aproveitar de recurso público.

FOLHA - E os casos de ONGs que deveriam alfabetizar e não o fazem?
RESENDE
- Falta transparência e profissionalismo, e o governo não tem cuidado de verificar a quem libera recursos. Tem que haver termos de parceria, verificação de resultados. Se tiver problema, entra o MP, que dá atestado de inidoneidade.
Se fizesse um censo, você poderia descobrir que existem 300 organizações que dão curso de alfabetização e poderia selecionar melhor. Não seria aquela que teve acesso ao Palácio a única a receber recursos.
Segundo, elas precisam se profissionalizar. Muitas não têm administração eficaz porque são novas e há uma ignorância coletiva. Pessoas estão em organizações sem fins lucrativos e nem sabem do que se trata. Outro dia, vi uma dona falando: "Meu sonho é fazer uma ONG". Nada contra, mas acontece que fica beija-flor apagando fogo. Beija-flor não foi feito para apagar fogo.

FOLHA - Como assim?
RESENDE
- Como ninguém sabe como e quantas são essas organizações, falta eficácia. Aqui em Belo Horizonte uma senhora tinha mais de 70 cestas básicas na casa dela, porque tinha recebido em pouco tempo de diversas instituições. Além disso, você tem as campanhas episódicas, amadoras ou comerciais.
Há lugares vivendo um drama por causa da "ongnização". São pessoas que vivem da desgraça. No Vale do Jequitinhonha [MG], há organizações trabalhando no combate à pobreza há 30 anos e a pobreza aumentou. Não se pode criar uma "indústria" das ONGs.
Agora, propor "caça às bruxas" soa mais ou menos como "tirar o sofá da sala" para evitar a traição pelo cônjuge, pois há organizações importantes e acabar não é a solução. Quase 80% das internações hospitalares feitas pelos SUS em 2005 em Minas foram por organizações sem fins lucrativos: 1 milhão de internações.


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