São Paulo, quinta-feira, 07 de novembro de 2002

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CELSO PINTO

O perigo de se levar o IGP a sério

A inflação medida pelo IGP-M chegou a 3,9% em outubro, acumulando 14,8% no ano e 16,3% em 12 meses. A média do IGP-M dos últimos três meses, anualizada, chegou a 40,3%. O Índice de Preços por Atacado (IPA), um dos componentes do IGP, teve comportamento ainda mais assustador. O IPA-M de outubro foi de 5,6%, acumulou 19,9% no ano, 21,3% em 12 meses e o último trimestre, anualizado, bateu em incríveis 61,5%.
Não é por acaso que está havendo uma corrida aos papéis indexados ao IGP, a começar dos federais. Não é por acaso, também, que começam a reavivar velhas discussões sobre o potencial explosivo da inflação do IGP. A exemplo do que ocorreu depois da máxi de 99, há quem veja na disparada dos preços por atacado o prenúncio da disparada dos preços no varejo. A velha teoria de que o IPCA estaria "grávido" do IPA.
Faz sentido? Ricardo Braule Pinto, economista especialista em índices de preços, brigou muito, em 99, contra o destaque dado ao IGP e a exdrúxula teoria da gravidez, e volta à carga agora. Seus argumentos são que o IGP e, em especial, o IPA, são índices tecnicamente ruins, que misturam bananas com laranjas. As mesmas razões que fizeram a teoria da gravidez do IPCA virar pó em 99 continuam de pé hoje. Quem quiser falar de inflação é melhor olhar o que está acontecendo com o IPCA: é preocupante, mas não fora de controle (7,9% em doze meses até setembro).
O IGP é a média ponderada de três índices: o IPA, com peso 6, o custo de vida, com peso 3 e a construção civil, com peso 1. Isso não o torna melhor, por ser mais abrangente, argumenta Braule. A inflação atinge agentes de forma diferente e o que faz sentido é olhar o que ocorre com um conjunto de agentes com características comuns, não misturar tudo.
Um índice deve escolher entre medir os preços do lado dos que vendem ou dos que compram, ou seja, dos que causam ou sofrem a inflação. Faz sentido um índice ao consumidor que mede a inflação sofrida pelas famílias, ou um índice de venda que mede, por exemplo, a inflação dos preços dos automóveis.
O IPA, lembra, mistura preços de quem ao mesmo tempo sofre e gera inflação (exemplo: montadoras e autopeças), tornando impossível saber de quem é a inflação, ou o que é "atacado". Além disso, o IPA se baseia em listas de preços. É óbvio que o preço final resulta de negociações. Em momentos de incertezas, como o atual, as listas tendem a ser infladas e o preço final efetivo a ser muito menor.
Os produtos no IPA sofrem múltiplas contagens: um aumento no aço aparece em toda a cadeia: autopeças, veículos, etc. De outro lado, aumentos da matéria-prima continuarão a aparecer no IGP, mesmo que ele não tenha sido repassado na cadeia produtiva. Outro argumento: o IPA capta o preço "cheio" e não ponderado pelos dias em que ele incidiu no mês, como outros índices inflacionários, ampliando a volatilidade.
No caso dos preços agrícolas, quando há forte alta ou queda no atacado, o comércio tende a suavizar no varejo, atenuando a alta e compensando ao não repassar inteiramente a baixa. O IPA agrícola, portanto, tende a elevar a volatilidade.
Por tudo isso, argumenta, aumentos no atacado não se transferem com o mesmo peso para o varejo. Nos Estados Unidos, existem três índices de inflação apurados conforme o estágio de processamento: bens finais, insumos intermediários e insumos básicos. Eles são mantidos independentes, para evitar contagens múltiplas, e não são agregados, como no IGP. O índice de preços ao produtor, o IPP, é o que mede os preços de bens finais, sazonalmente ajustados.
Apesar de tanta fragilidade, o IGP-M é patrocinado pelo mercado financeiro e ganha manchetes quando dispara na frente do IPCA, puxado pelo câmbio. Mesmo que a experiência, desde 99, mostre que só de 14% a 16% da alta do câmbio tenda a se refletir no IPCA, em 12 meses, muito longe do que ocorre com o IGP.

O remédio é crescer
O tão discutido superávit primário é a diferença entre receitas e despesas do setor público, excluídos os gastos com juros. No ano passado, o superávit foi de 3,8% do PIB e, neste ano, deve ir a 3,9%. O diretor da Goldman Sachs, Paulo Leme, lembrou, num seminário na FGV, segunda-feira, que o esforço foi muito maior, descontadas duas despesas rígidas. Sem gastos com previdência (déficit de 3,7% do PIB em 2001 e 3,8% este ano) e funcionalismo (2,9% e 2,5%), o esforço fiscal primário sobe a 10,4% do PIB em 2001 e 10,7% este ano.
Isso ilustra porque reduzir gastos com previdência e controlar gastos com funcionalismo são importantes para abrir espaço fiscal, principalmente se for preciso elevar o superávit primário. A melhor forma de atenuar o problema seria acelerar o crescimento, argumentou o economista José Alexandre Scheinkman, no mesmo seminário.
Para isso, seria preciso elevar de 18% para 25% do PIB a taxa de investimento. Com um complicador: pesquisas mostram que o custo do investimento no Brasil cresceu 35% na última década em relação à anterior, ou seja, é preciso investir mais para obter o mesmo resultado.
Outro dado preocupante: a pesquisa mais otimista sobre produtividade da indústria brasileira mostra que ela chega, em média, a apenas 75% da americana, mesmo depois de descontar as diferenças de custo de capital e de formação de capital humano. O que é um sinal amarelo em relação ao impacto que a Alca poderia ter sobre alguns setores, embora ele ache que o efeito líquido da abertura comercial acabará sendo positivo para a produtividade em geral.
Ele acha que o salto só se dará depois de várias reformas microeconômicas. A do Estado, para elevar a poupança. Reduzir a informalidade, via corte no custo de contratação de baixos salários, pois as empresas informais são muito menos produtivas. Melhorar a qualidade do ensino. Reduzir as incertezas do sistema legal. Ampliar a inserção externa.



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