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Cartas de Jango criticam "quartelada" de 64
Do exílio, presidente deposto enviou correspondência de agradecimento a argentinos e ao ditador paraguaio Alfredo Stroessner
Nas mensagens, Goulart criticava a "ditadura" e também o comunismo, que "não resolverá jamais os problemas que nos afligem"
DA SUCURSAL DO RIO
No exílio, João Goulart manteve intensa correspondência
com amigos e aliados políticos,
que lhe passavam informações
sobre a conjuntura do país,
sempre com a intenção de voltar ao Brasil, principalmente
nos primeiros anos após o golpe militar de 1964.
Como se trata do arquivo do
ex-presidente, naturalmente
poucas são as cartas escritas
por Jango que restaram. Há
rascunhos de mensagens, por
vezes em blocos improvisados
de hotéis ou folhas de caderno.
Os primeiros registros do
CPDOC são de abril de 1964, logo após a chegada ao Uruguai.
Em carta que não tem sua caligrafia e foi provavelmente ditada, ele chama o golpe de "quartelada" e o governo de "ditadura". Sua provável letra, porém,
aparece em retificações.
"Dirijo-me do exílio ao povo
brasileiro nesta hora de angústias e sofrimentos. Deposto por
um golpe de força, observo, entristecido, cair a máscara do
grupo militar que assaltou o poder. Instalaram um governo
ficticiamente constitucional e,
desde a quartelada, nenhuma
medida a favor do povo foi posta em prática", escreve. Em um
dos trechos, substitui "desesperança" por "tristeza".
Ao chegar ao Uruguai, enviou
cartas de agradecimento, "pelo
apoio", "a todos os argentinos"
e ao ditador paraguaio Alfredo
Stroessner. É possível ver on-line o documento em que recebe
o asilo político do governo uruguaio, de 21 de abril de 1964.
Em outro rascunho, reclama
a restauração das liberdades.
"Não está em jogo a minha pessoa, meu prestígio pessoal ou
meu futuro político. (...) Sinto-me no dever e na responsabilidade de lutar, democraticamente, para restabelecer as liberdades suprimidas e as garantias aos humildes."
Recebia de aliados relatórios
militares de inteligência, caso
de documento sobre o Uruguai
supostamente confeccionado
pelas Forças Armadas.
A coleção contém o inquérito
policial militar a que respondeu por supostos crimes contra
a segurança do Estado e a ordem política e social. Seria julgado, entre outras coisas, "por
tentativa de subversão da disciplina e hierarquia" e por ter
usado as Forças Armadas na
proteção de comícios, "onde a
propaganda comunista foi clara, aberta e ostensiva".
Em cartas, entretanto, ataca
o comunismo que era acusado
de defender -"se o comunismo, que todos condenam, não
resolverá jamais os problemas
que nos afligem, não serão os
fracos processos das direitas
(...) que irão fornecer solução
aos nossos problemas"- e critica o embaixador norte-americano, Lincoln Gordon.
Cartas de populares com pedidos e manifestações de solidariedade também foram guardadas, como a de uma mulher
que lhe pede "mil cruzeiros novos" (cerca de R$ 5.900 em valores de hoje). Muitas cartas
eram respondidas, segundo os
pesquisadores do CPDOC.
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